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Jean Goldenbaum

Músico, professor da Universidade de Música de Hanôver, Alemanha. É membro fundador do ‘Observatório Judaico dos Direitos Humanos do Brasil’ e fundador do coletivo ‘Judias e judeus com Lula’

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30.573 mentiras (ou a invenção da Nova Cultura da Inverdade)

Este foi o número de mentiras proferidas por Donald J. Trump durante o seu mandato enquanto presidente dos Estados Unidos

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Trinta mil quinhentas e setenta e três. Este foi o número de mentiras proferidas por Donald J. Trump durante o seu mandato enquanto presidente dos Estados Unidos da América. A evolução deste absurdo número foi publicada ininterruptamente desde sua posse em 20 de janeiro de 2017 até a de Joe Biden em 20 de janeiro de 2021, graças ao minucioso estudo de fact checking (verificação de fatos) realizado pelo jornal The Washington Post. Tal soma configura uma média de mais de vinte afirmações falsas ou enganosas verbalizadas ou escritas por Trump por dia, o que certamente o coloca entre os líderes mundiais mais destruidores da verdade e da realidade da História.

Em março de 2016, ou seja, muito antes das eleições nacionais, ainda no período das eleições primárias (em que os candidatos dos partidos Democrata e Republicano são eleitos), Bernie Sanders já anunciava ao mundo em plena CNN: “Detesto ter de dizer isso, porque realmente não gosto de depreciar oficiais públicos, mas Donald Trump é um mentiroso patológico.” Bernie – meu político preferido em nossa contemporaneidade e que considero a real antítese de Trump – já anunciava ao mundo algo que se comprovaria a cada minuto em que Trump se faria presente na política estadunidense.

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Era em 2016 também claro – ao menos a quem que compreende os fundamentos do Nazifascismo e as origens do totalitarismo, como nos explica Hannah Arendt – que Trump ascendia a se tornar o pai do Neonazifascismo no planeta, afinal a raiz primária deste movimento sempre foi e sempre será aquilo que Trump carrega em si de forma patológica, a Inverdade, que habita o cerne de seu sistema de propaganda. O Ódio, essencial da mesma forma para esta ideologia, compõe a segunda camada de suas raízes, afinal até mesmo ele depende da Inverdade para se justificar. Assim, não há Nazifascismo (ou Neonazifascismo) sem a disrupção da Verdade. E esta disrupção só pode vir da forma mais agressiva de todas: através da insistência mecânica, da obstinação implacável do emissor em incutir a Inverdade na mente dos receptores, os indivíduos que compõem a população. Daí nasce a máxima nazifascista “uma mentira repetida, repetida, repetida até virar verdade”.

O estudo de fact checking que menciono acima vai mais além de somente enumerar as mentiras de Trump. Ele indica também quais foram as principais entre elas, as mais repetidas e persistidas no processo de hipnose e/ou recrutamento do povo do país. Averiguemos as três primeiras:

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Minuciosamente programado, a partir de junho de 2018 (ou seja, após um ano e meio na presidência) Trump passou a afirmar – e o fez por quase 500 vezes – ter proporcionado o maior e melhor cenário econômico da história dos EUA. Bem, nem de perto isto é verdade. Ainda que o PIB do país tenha crescido, cresceu menos do que sob a liderança de diversos outros presidentes na era moderna. Mas isto pouco nos importa. O que realmente nos interessa é que a iniquidade de renda no mandato Trump bateu todos os recordes, atingindo máximas que não eram alcançadas desde a época da Grande Depressão, que se iniciou em 1929 e se arrastou ao longo dos anos 30 (segundo dados do US Census Bureau). Ou seja, enquanto mentia centenas de vezes afirmando ser o grande gênio e salvador da Economia da história do país, o pobre se tornou ainda mais pobre e o rico ainda mais rico em escala recorde. É interessante também frisar que a partir da acentuação das catástrofes financeiras geradas pela pandemia aos mais vulneráveis da população, Trump passou a intensificar a emissão desta mentira. Ou seja, é evidente que sua estratégia é convencer os molhados de que a água é seca. E estes, hipnotizados pela sedução apaixonante do líder salvador, piamente acreditam, mesmo que estejam encharcados.

A segunda inverdade favorita de Trump, veiculada quase 300 vezes, diz respeito também a dinheiro (algo que não surpreende, afinal, no fim do dia, o vil metal é a deidade maior de grande parte dos sociopatas como Trump). Ele afirmou, de abril de 2017 até o fim de seu mandato, ter sido o presidente que mais cortou impostos da população na história do país. Bem, a realidade é que não somente ele não foi o presidente a cortar mais impostos para o povo, mas os cortes que fez – para a surpresa de ninguém – beneficiaram em sua absoluta maioria somente os 20% mais ricos da população (conforme os dados do Institute on Taxation and Economic Policy). Mas mais uma vez, os cegos continuaram a comemorar o pagamento de menos impostos, enquanto o “menos” que pagavam, em termos relativos, significava cada vez mais.

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E a terceira mentira mais vezes repetida, é claro, não poderia faltar, diz respeito a racismo: a história do muro que “salvaria” os EUA da “invasão latina”, promessa odiosa que em grande parcela garantiu sua eleição em 2016. Ao longo de seu mandato Trump afirmou mais de 250 vezes que era o grande responsável pela proteção do país diante desta ameaça. A realidade é que embora tenha tentado de todas as formas utilizar recursos de diversos fundos nacionais para construir sua parede – construção esta que, a propósito, seria paga segundo ele pelos próprios mexicanos –, praticamente nada foi construído. A fronteira entre os EUA e o México possui mais de três mil quilômetros e Trump edificou somente uma espécie de cerca de aproximadamente de 65 quilômetros (e é claro, com dinheiro do contribuinte). Mas a estratégia continuava a mesma: veicular a ideia de que o muro estava sendo construído, mesmo que não estivesse. É praticamente a construção do “sagrado muro” no (in)consciente coletivo, uma peça do imaginário popular republicano, com o qual racistas de todo o país sonhavam durante a noite com tanta fé, que para eles se tornava real.

Enfim, assim compreendemos que quando um líder mítico e messiânico ascende ao poder, a verdade e a mentira já não possuem separação clara. A invenção desta Nova Cultura da Inverdade, que ultrapassa a dinâmica das “fake news tradicionais” que sempre existiram na política, é um fenômeno que por pouco não destruiu de vez a Democracia no mais rico e poderoso país do planeta. A mentira final e derradeira de Trump, a de que ele venceu as eleições de 2020, funcionou com dezenas de milhões de cidadãos e cidadãs estadunidenses. Por fim, a Resistência ao Trumpismo venceu e pudemos assistir a derrocada – ao menos por ora – de seu líder. Porém sabemos que os estragos que a Cultura da Inverdade gera não desaparecem de um dia para o outro. Os próximos capítulos da História nos mostrarão o quão sanável é (ou não é) a doença da derrota da razão e da extinção do discernimento entre o real e o irreal, que paira sobre metade do povo daquela nação.

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Hoje nem ingressarei nos méritos do Brasil. Só me pergunto e pergunto à cara leitora e ao caro leitor: alguém está contabilizando quantas mentiras Bolsonaro já proferiu? Estamos documentando, para depois diagnosticarmos e criarmos antídotos e vacinas para as próximas gerações? Desculpem-me, não há de minha parte nenhuma intenção em criar duplo sentido com relação a vacinas no momento, mas penso que quando/se ultrapassarmos esta era obscurantista no Brasil, precisaremos de uma estrutura hercúlea para desconstruir tudo o que a Nova Cultura da Inverdade construiu.

Concluo este artigo mais uma vez citando Noam Chomsky, um dos meus ídolos e uma das altas e eternas antenas da espécie humana. Em uma entrevista (Znet Interviews) de 24 de setembro de 2001, treze dias após o ataque às Torres Gêmeas, ele discorria sobre as possíveis consequências ideológicas que este evento poderia trazer ao âmago da sociedade estadunidense. Ainda que indiretamente, duas décadas depois suas palavras se provam mais reais e atuais do que nunca, apontando o potencial tanto para a destruição quanto para a autodestruição que pode ser gerado através de calculados discursos:

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“Não devemos subestimar a capacidade dos sistemas de propaganda bem administrados de levar as pessoas a um comportamento irracional, assassino e suicida.”

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