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Hélio Rocha

Repórter de meio ambiente e direitos sociais, colaborador do 247

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A centralidade da comunicação científica

O uso das palavras e os jogos retóricos e emocionais para o convencimento pertencem ao profissional da comunicação, neste caso, mais do que à biologia. Elas deveriam caminhar de mãos dadas

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Neste momento, que possivelmente é o mais grave da história brasileira, é preciso enfrentar a crise sanitária e política que o Brasil enfrenta a partir de todos os pontos de vista procedimentais que integram o problema, entre eles não apenas a medicina, a pesquisa científica, a política etc, mas igualmente a comunicação. Muito tem se dito sobre a questão da baixa adesão ao isolamento social que se vê no Brasil, e a todos os setores cabe buscar respostas de por que ele vem acontecendo, e assim tentar soluções.

Primeiro, vale ressaltar que é o momento mais grave, talvez, em 198 anos de Brasil independente, porque jamais o Brasil esteve sob ameaça de conflitos armados com outros países. A escravidão, embora tenha existido por 66 anos de sua história, foi combatida paulatinamente e vencida em 1888 por pessoas como Luís Gama, José do Patrocínio e, também, a Princesa Isabel. Mas jamais o país esteve sob ameaça externa, no sentido de alheia às relações humanas, de morte de milhões de brasileiros. Jamais, igualmente, teve um Governo que tão pouco se importasse com a vida da população, muito menos do que aqueles do regime militar.

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Isto posto, com dezenas de milhares de brasileiros mortos, sendo aí centenas e talvez milhares ao dia, estratégias de ação alheias ou mesmo neutralizadoras do que faz o Governo federal, devem ser pensadas. E, se a medicina e a pesquisa científica na área pedem que o povo acredite e cumpra o isolamento social em sua forma mais restrita possível, a fim de estrangular a propagação do vírus e dar tempo ao sistema de saúde de se equipar e atender a todos, é papel da comunicação pensar como fazer a informação sobre essa tarefa chegar às casas brasileiras.

A pesquisa em comunicação e ciência, exercida em muitos núcleos de investigação no Brasil, mas sobretudo na Fundação Instituto Oswaldo Cruz (Fiocruz), dá conta de que a barreira de repertório cultural entre o pesquisador e as parcelas majoritárias da população é o fator chave que deve ser solucionado pelo profissional comunicador. E, por repertório cultural, claro, não se está falando de se o cientista assiste a filmes do Goddard, mas do universo de informações a que um e outro grupos têm acesso, bem como aquilo que veem como prioritário ao encarar os desafios do dia a dia.

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E aí, nos desafios diários, que mora o problema. No fim das contas, as pessoas encaram o risco de contaminação pelo coronavírus como uma questão pessoal, que envolve a si, família e amigos. Têm mais dificuldade de enxergar isso como uma questão de ordem pública, que se não bem abordada pode levar, se não à sua morte e ou de pessoas próximas, a uma crise econômica que trará sofrimento ainda maior do que o presente, isso sem falar no colapso do sistema de saúde que vai impedir qualquer atendimento, independentemente do vírus.

Nesse caso, o sujeito não vê a priori a necessidade do isolamento. Vê como exagero. Acredita que se for envolvido no problema, será uma fatalidade, tal como se fosse atropelado ao atravessar a rua. Por isso, a título de exemplo, deve ser abordado pelas ferramentas de comunicação social para que haja o esclarecimento, de que esse problema funciona numa imensa rede de contaminação, e não em casos pontuais e autorresponsabilizantes, como um acidente de automóvel. 

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Em entrevista recente, para uma revista especializada em jornalismo e saúde, entrevistei o pesquisador em saúde internacional Kenneth Camargo, responsável por trabalhos de sucesso na comunicação da AIDS para cidadãs e cidadãos brasileiras e brasileiros. Kenneth afirmou que uma das primeiras estratégias é fazer os grupos falarem consigo mesmos, isto é, criar soluções para que, naquele caso, presidiários falarem para presidiários, homossexuais cis para homossexuais cis, transexuais com transexuais, profissionais do sexo com profissionais do sexo, jovens hétero com jovens hétero etc. Isso vale, claro, para os grupos sociais centrais nos dias de hoje: autônomos, trabalhadores de serviços essenciais, classe média negacionista, classe baixa com condições de moradia inviáveis para o isolamento e tudo mais.

Desta forma, encontrando ali o elo entre o cientista e o comunicador especializado, e este e um representante habilitado deste grupo social, busca-se afinar a linguagem de forma a conseguir uma abordagem que gere empatia, a palavra chave dessa reflexão. Sem uma conexão com os grupos-chave desse enfrentamento à Covid-19 por meio do isolamento social, o tom professoral e condenatório imposto à população por certos ditos comunicadores científicos não surtirá efeito. Pelo contrário, pode causar rejeição, e aí o suposto comunicador carrega também sua culpa, porque, afinal, foi quem igualmente desacreditou o conhecimento alheio e chamou para si a responsabilidade de exercer a comunicação de interesse público, acreditando que para tal bastaria seu conhecimento técnico. Sem o comunicador científico, o cientista e o gestor de Estado salvarão, quando muito, as próprias famílias, num cenário de pandemia.

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O uso das palavras e os jogos retóricos e emocionais para o convencimento pertencem ao profissional da comunicação, neste caso, mais do que à biologia. Elas deveriam caminhar de mãos dadas. Afirmar que: “não adianta dizer que não sabia quando morrerem 200 mil pessoas, porque eu avisei” é comunicação do terror, não é comunicação em saúde pública aplicada à abordagem popular.

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