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Gustavo Conde

Gustavo Conde é linguista.

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Síndrome de escavadeira

"A confusão no campo do embate político é muito grande. E só é favorável à direita e ao establishment. Enquanto a esquerda machona discute o que faz e como faz (e se canibaliza), a direita atropela, recrutando milícias, desovando mentiras e implodindo instituições", diz o colunista Gustavo Conde a respeito da onda de valentia coronelista que ameaça se espraiar pelas esquerdas

Lula (Foto: Reprodução/Twitter)
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Eu não acho que a solução para tirar a extrema direita do poder seja a retroescavadeira, o soco na cara ou a metralhadora, como defendem muitos machões da esquerda por aí.

É curioso que esse pessoal empolgado com a possibilidade de uma esquerda violenta e agressiva só dá as caras na internet. Dê um coquetel molotov na mão de um deles e eles te devolvem dizendo que não é bem assim.

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Se eu for atacado eu me defendo - com pontapé, cotovelada ou o pedaço de pau mais próximo.

Mas a iniciativa da barbárie não pode ser da esquerda, pelo menos dessa esquerda da qual eu sou signatário (e Lula também).

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'Ah, mas estamos todos sendo atacados'. Estamos e sempre estivemos. A resposta a esse eterno ataque das elites é no plano da inteligência, que é que nos resta (porque, eles têm a truculência).

É preciso parar com esse hipocrisia de chamar a esquerda de covarde. Covarde é quem acusa.

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É preciso parar com a hipocrisia de querer se fantasiar de machão e resolver tudo na base da porrada. É constrangedor.

É preciso parar com a hipocrisia de querer fazer uma guerrilha revolucionária e mal aguentar a bronca do patrão quando se abaixa a cabecinha no trabalho.

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A verdadeira luta, o verdadeiro gesto revolucionário começa dentro do próprio corpo e da própria vida. Comece enfrentando o teu patrão - e se não tiver um, arranje, invente. É fácil.

Essa é a lição Lula. É o cara que fez greve em plena ditadura. É o cara que ia para a porta das fábricas politizar os trabalhadores. É o cara que tomava porrada da polícia e não ficava reclamando nas redes sociais com selfie lacradora de hematoma.

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A confusão no campo do embate político é muito grande. E só é favorável à direita e ao establishment. Enquanto a esquerda machona discute o que faz e como faz (e se canibaliza), a direita atropela, recrutando milícias, desovando mentiras e implodindo instituições.

Para quem gosta de ação impensada, é esse o nicho mais adequado - e é exatamente por isso que há tanto gado disponível nesse pasto.

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A força da esquerda e do humano - desculpem a franqueza - está na palavra. A palavra é mais forte do que metralhadoras e tanques. Se pontualmente, ela sangra diante de um assassino da direita, historicamente ela esmaga esse mesmo assassino, no plano das ideias.

É o dilema de perder aquele egoísmo existencial de apenas querer defender a própria pele, eterna questão pequeno-burguesa, muito mais associada aos adultos boçais que querem ir à Disney.

Quem morde um dia a maçã revolucionária do embate político feito com palavras e às claras, jamais se verá livre do vírus da democracia - e não aquela democracia bobinha dos gregos, mas a democracia forjada a sangue dos latino-americanos.

É por isso que a América Latina está conflagrada por criaturas abjetas da elite financeira. Este continente é o celeiro politico do mundo, em que todos os povos se encontram e em que a ideia de nação soberana pôde ser efetivamente formulada por líderes do presente e do passado.

Retomemos o raciocínio revolucionário para que líderes do futuro continuem a resistir à truculência assassina dos extremistas egocêntricos.

A palavra é a arma mais forte. A espécie humana é predadora de sentido. Ela precisa de sentido (de palavras) para saciar sua sede existencial. Eis de onde vem o medo da direita: ela sabe que no embate dos sentidos, ela perde - por isso precisa da força bruta.

Vamos nos transformar nisso? Com esses pseudo esquerdistas machões que chafurdam na lama retórica da valentia digital e ainda criticam aqueles que insistem na força do discurso e das palavras?

Ora, mas não foi assim que Lula conquistou tudo o que conquistou?

Há, evidentemente, de se fazer uma ressalva. Não é qualquer palavra que resolve o problema. E a palavra que emerge das fileiras progressistas ainda está assustada com o esmagamento que lhe foi imposto.

É preciso recobrar a coragem retórica, a fibra persuasiva, o tom poderoso, revestido de autoestima. Uma palavra sem essas características morre na praia.

É preciso trazer de volta a capacidade de 'organizar as massas'. Parece óbvio dizer isso, mas isso também é uma necessidade urgente para o discurso da esquerda: dizer o óbvio.

Sujeitos não vivem só de sofisticação verbal. Mais que isso: o óbvio, por ser negligenciado como metáfora para ação, acaba por ser soterrado no universo do sensível - tornando-se um enunciado novo ou, no limite, um óbvio 'diferente'.

A retomada de toda essa engrenagem discursiva leva tempo. Mas exige direcionamento. É preciso querer, é preciso desejar, é preciso avançar.

É por isso que Lula sempre menciona o tesão de 20 como elemento estrutural do seu discurso. Fazer um discurso bonito não basta. Fazer um discurso inteligente não basta. Fazer um discurso no grito não basta.

É preciso que o desejo real de mudança das coisas seja estrutural no ethos revolucionário das esquerdas. É isso que a define.

E é preciso acelerar o passo. Porque o terreno árido do civilizacionismo estéril vai impacientando setores menos consistentes dessas esquerdas, setores estes que já querem sair pilotando retroescavadeiras para cima e para baixo - pura retórica, mas também discurso tóxico, que tem o poder de dispersar aquilo que mal começou a se reorganizar.

Que tal colocar toda essa macheza na palavra? Que tal ser tomado legitimamente pela indignação (e não pela lacração de pisar em companheiros)? Que tal produzir uma família nova de discursos progressistas com poder efetivo de arregimentar pessoas, não de afastá-las umas das outras?

Quando a esquerda entender que tem em mãos o instrumento mais poderoso na luta histórica em defesa dos povos e da vida, talvez ela recobre seu ímpeto relativizado pelas vicissitudes burocráticas de ter sido governo por 13 anos.

Lula jamais esqueceu como se faz. E fez de toda a perseguição sangrenta que lhe impuseram, combustível retórico e simbólico para uma nova safra, ainda mais poderosa, de afirmação, conquista e mobilização.

Se seguirmos o seu exemplo já está de excelente tamanho.

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