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Paulo Capel Narvai

Professor titular de Saúde Pública na USP

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A estratégia da pinça

"Com o Manifesto 'O Brasil não pode ser destruído por Bolsonaro' a oposição anuncia disposição de reagir à estratégia da pinça e não desistir da batalha. Mas qual é a contra estratégia da oposição?", escreve o professor titular sênior de Saúde Pública na USP Paulo Capel Narvai

Jair Bolsonaro e Luiz Henrique Mandetta (Foto: ADRIANO MACHADO/REUTERS)
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Por Paulo Capel Narvai

(artigo originalmente publicado no site A Terra é Redonda)

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Não é a pandemia. Nem a economia. É 2022.

As diatribes com governadores, notadamente o paulista, indicam o cenário absurdo que Bolsonaro busca impor à nação e para o qual pretende empurrar a República. Em meio à pandemia COVID-19, até agora a principal ameaça sanitária deste século, põe desastradamente sobre a mesa o tabuleiro do xadrez eleitoral de 2022.

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A pandemia – conforme assinalei no artigo “Terraplanismo epidemiológico” – requer planejamento e coordenação em nível nacional. Bolsonaro deveria tirar seu olhar das urnas de 2022 e se colocar à frente disso, comandando o enfrentamento do problema. Mas nada fez desde janeiro, quando chegaram da China as primeiras informações sobre a gravidade do que viria nos próximos meses. Era urgente, então, avaliar a situação do país e, com base nisso, realizar as ações que deveriam nos assegurar recursos e condições para cuidar dos doentes.

Isto implicaria negociar com o setor produtivo e reverter linhas de produção, com vistas a garantir os insumos que seriam necessários. Mas o governo federal ficou refém do “negacionismo” com origem no “gabinete do ódio”. O resultado é o que se vê atualmente: o marasmo do Planalto não foi capaz de assegurar que a indústria nacional produza e disponibilize nem mesmo… máscaras! Sequer para profissionais de saúde.

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Faltam equipamentos de proteção individual, tanto no SUS quanto no setor privado. Sem EPI, aumentam os riscos. Tudo evitável num país que ocupa o 9º posto na economia mundial, com um PIB de US$ 1,9 trilhões. Na origem do descaso e da inação sempre esteve o desdém de Bolsonaro e sua convicção atlética de que tudo não passa de uma “gripezinha”. Sua incúria paralisou representantes do Estado que poderiam ter agido e, além de desmotivar, desorientou os agentes econômicos vinculados à cadeia produtiva de equipamentos e insumos de saúde.

Apoiadores do governo justificam a paralisia e o desleixo frente à COVID-19 atribuindo ao “negacionismo” presidencial certos ares de preocupação com a economia. “É a economia, estúpido!”, a frase celebrizada nas eleições de 1992, que levou Bill Clinton à presidência dos Estados Unidos, foi descontextualizada na tentativa de revelar uma suposta preocupação de Bolsonaro com a economia, pretendendo opô-la às urgências epidemiológicas.

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Decerto que Bolsonaro se preocupa com a economia. Evidente que ele não poderia ser indiferente ao “pibinho” e ao “dolão”. O PIB de 1,1% de 2019 e o dólar atingindo R$ 5,00 são a mais peremptória negação dos slogans que asseguravam que, “se tirar a Dilma” o PIB será de “4% no primeiro ano de governo” e o “dólar não subirá”. Bolsonaro sabe que em 2020 não haverá sequer o “pibinho” e o “dolão” de 2019 e que isso implicará derrotas eleitorais de suas bases, mesmo com seu apoio (ou até mesmo em razão disso…), já neste ano em várias capitais e muitos municípios, abrindo-se um sinal amarelo colocando em risco seu sonho de reeleição em 2022.

Por essa razão, não é a pandemia. Nunca foi. Nem é a economia, incluindo a vida dos ambulantes, que buscam apenas sobreviver, mas também comerciantes genocidas, que rejeitam tenazmente as orientações de isolamento social. Bolsonaro, tosco, inculto e simplório, parece crer que esses segmentos são “a economia”.

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Neste contexto, gestou-se no Planalto uma espécie de “estratégia da pinça”, a conhecida manobra militar executada primorosamente pelo gênio do cartaginês Aníbal Barca para derrotar os romanos na batalha de Cannas, dois séculos a.C. O objetivo tático desse tipo de operação é imobilizar o inimigo, criar confusão e levá-lo ao descontrole de suas forças. Isto ocorre quando as pontas da pinça se tocam, cercando completamente o oponente e derrotando-o [1].

A versão cabocla posta em curso nas hostes bolsonaristas busca arrumar um bode expiatório para o PIB negativo antevisto, sem que para isto haja maiores exigências intelectuais, para 2020 e talvez 2021, pois não há clareza sobre os desdobramentos da COVID-19 na economia mundial. Ninguém duvida, porém, que o PIB negativo será o maior eleitor contra Bolsonaro. Por outro lado, as últimas semanas foram delineando uma situação em que a pandemia se consolidou como um problema muito sério que levou Bolsonaro ao isolamento político, criticado duramente à direita e à esquerda. Daí, a pinça.

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Numa ponta da pinça está o presidente e seu ‘gabinete do ódio’ reiterando que “o Brasil não pode parar”. Constrói-se um cenário em que a responsabilidade pelo “pibinho” cairá no colo dos governadores que “pararam o Brasil” e que serão responsabilizados pela “recessão, desemprego” e todas as desgraças que virão. Acólitos preparam-se para os mantras “Não deixaram o homem trabalhar”, “torcem contra”, “serão necessários muitos anos para desfazer a destruição-do-país-causada-pelos-governos-do-pe-tê”, dentre outras pérolas. Um discurso cuja finalidade é justificar o fracasso da política econômica imposta ao país por Paulo Guedes, sob a benção de Bolsonaro, seu principal responsável, e que já se revelava desastrosa antes mesmo da precipitação pandêmica.

Na outra ponta da pinça encontra-se o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta (DEM-MS), fazendo as vezes de uma voz técnica, que seria o polo da razão e sensatez no interior de um governo de celerados. Assume um “lugar de fala” da ciência e do SUS (registre-se que hoje em dia “pega bem” ficar ao lado e em defesa do SUS). Mandetta assim como o seu partido, o DEM, são históricos oponentes e críticos do SUS e responsáveis por seu crônico subfinanciamento. Adversário ferrenho do programa “Mais Médicos” é um dos responsáveis pela falta atual desses profissionais em várias localidades, em todo o país, sendo apoiador de primeira hora da Emenda Constitucional-95/2016, que congelou por 20 anos os recursos do SUS, a tristemente conhecida “EC da Morte”.

Mandetta, ninguém se iluda, faz o jogo do Planalto, é parte da “pinça”. Foi liberado para “falar da saúde” e pode dizer tudo o que puder ser tolerado pelo governo e que não fustigue o denominado “gado” (a base fanatizada, sobre a qual Bolsonaro apoia suas ações mais irresponsáveis e inconsequentes, como ‘dar uma banana’ para o novo coronavírus, abraçar e beijar manifestantes na Praça dos Três Poderes, atravessar o Distrito Federal para se reunir com populares e conversar com o vendedor de churrasquinhos em Taguatinga [2], hostilizar a imprensa e atribuir a um palhaço profissional a tarefa de explicar o “pibinho” aos jornalistas, dentre outras bizarrices). O “gado” não gosta do Mandetta. Por isso, alguns membros do ‘gabinete do ódio’, ou próximos dele, dentre os quais o ministro da Educação, Weintraub, também devem falar sobre a pandemia e as ações de suas respectivas pastas.

Nesse contexto, a estratégia da pinça visa a “dar razão” ao governo, buscando isolar a oposição, seja qual for a evolução da pandemia no Brasil. Com ela o governo quer assegurar um cenário em que terá um discurso positivo sobre os fatos, haja o que houver. Terá, segundo sua versão, assegurado o funcionamento da economia e também contido a pandemia, cuidando dos doentes. Assim, cabe aos que vêm no governo Bolsonaro o que ele efetivamente é (neofascista e uma gravíssima ameaça à Democracia, ao SUS e ao povo brasileiro), não desvincular Mandetta de Bolsonaro, pois são, politicamente, o que se costuma identificar como “farinha do mesmo saco”.

Mas, se Bolsonaro está com os olhos em 2022, o Brasil não pode esperar tanto tempo. É compreensível, portanto, que lideranças partidárias compromissadas com a preservação do Estado Democrático de Direito, como Ciro (PDT), Haddad (PT), Boulos (PSOL), Requião (MDB) e Dino (PCdoB), dentre outras (PCB, PSB), tenham pedido a renúncia de Bolsonaro, em documento divulgado em 30/3/2020, intitulado “O Brasil não pode ser destruído por Bolsonaro” [3]. Para esses partidos, “Bolsonaro é mais que um problema político, tornou-se um problema de saúde pública. Falta a Bolsonaro grandeza. Deveria renunciar, que seria o gesto menos custoso para permitir uma saída democrática ao país. Ele precisa ser urgentemente contido e responder pelos crimes que está cometendo contra nosso povo.”

No clássico A arte da guerra, Sun Tzu recomendou que, ao executar a estratégia da pinça, deveriam ser evitadas situações de cerco completo ao inimigo, pois este reagiria lutando com maior ferocidade. Considerou ser mais prudente e eficaz, militarmente, abrir ao inimigo uma rota de fuga, induzindo-o a desistir da batalha antes de se fechar o cerco.

Com “O Brasil não pode ser destruído por Bolsonaro” a oposição anuncia disposição de reagir à pinça e não desistir da batalha. Mas, qual é a contra estratégia da oposição para conter Bolsonaro e não permitir que o xadrez eleitoral de 2022 seja antecipado?

Referências

[1]. Tzu S. A Arte da Guerra. São Paulo: Lafonte; 2018.

[2]. Jair Bolsonaro visita comércio no DF mesmo após recomendação de isolamento. Por Renata Rusky. Correio Braziliense. 29 mar 2020. Disponível em: https://tinyurl.com/ums9cpx.

[3]. Ciro, Haddad, Boulos, Requião, Dino e outras lideranças pedem renúncia de Bolsonaro. Sul 21. 30 mar 2020. Disponível em: https://tinyurl.com/r2w88b6.

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