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Danilo Molina

Jornalista, foi assessor do Ministério da Educação e do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) durante o governo Dilma Rousseff e servidor do Ministério durante o governo Lula

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A fogueira da inquisição e o discurso do ódio

Grupos conservadores promoveram protestos, nos quais realizaram inclusive a queima simbólica de Butler em praça pública, prática típica da inquisição, com o falso argumento de que a pesquisadora estava no Brasil para participar de um debate sobre a "ampliação da teoria de gênero das escolas"

Grupos conservadores promoveram protestos, nos quais realizaram inclusive a queima simbólica de Butler em praça pública, prática típica da inquisição, com o falso argumento de que a pesquisadora estava no Brasil para participar de um debate sobre a "ampliação da teoria de gênero das escolas" (Foto: Danilo Molina)
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Infelizmente, crescem a cada dia os casos de agressão e de intolerância contra a diversidade na sociedade brasileira. O discurso fascista do ódio e da falta de respeito com os direitos humanos agride não só negros, mulheres, minorias religiosas, movimentos artísticos, sociedade acadêmica e público LGBT, mas todos aqueles que acreditam e lutam por uma cultura de paz em nosso país.

Apesar do tema quase não despertar interesse na mídia tradicional, ao menos três professores e uma aluna de mestrado da Universidade Federal da Bahia (UFBA) sofrem ameaças, inclusive de morte, em razão do teor de pesquisa acadêmica que desenvolvem dentro da universidade. O ataque a essas pesquisadoras, que estudam a divisão sexual do trabalho, foi denunciado pelo reitor da universidade, na última segunda-feira (20), em uma moção de repúdio contra as agressões.

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Em Brasília e entorno, o fim de semana foi de pavor para os praticantes de religiões de matriz africana. Dois terreiros de candomblé foram alvejados, um em Samambaia, cidade satélite de Brasília, e outro no Jardim Ingá, cidade do entorno do Distrito Federal. Em ambos casos, os criminosos atearam fogo aos terreiros, um velho expediente amplamente conhecido e pouco coibido pelas autoridades da região.

Na semana passada, em São Paulo, a filósofa norte-americana, Judith Butler, referência mundial nos estudos de gênero e codiretora do programa de teoria crítica da Universidade da Califórnia, foi alvo de ataques de grupos fundamentalistas. Ressalta-se que os ataques aconteceram a partir da circulação de falsas informações, nas redes sociais, sobre a vinda da filósofa ao Brasil.

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Butler estava em nosso país para participar de discussões a respeito dos conflitos entre Israel e Palestina e os impasses da democracia ocidental, uma iniciativa promovida pela Universidade de São Paulo e a Universidade da Califórnia. Entretanto, grupos conservadores promoveram protestos, nos quais realizaram inclusive a queima simbólica de Butler em praça pública, prática típica da inquisição, com o falso argumento de que a pesquisadora estava no Brasil para participar de um debate sobre a "ampliação da teoria de gênero das escolas".

Esses tristes acontecimentos sinalizam o imenso desafio que ainda temos para avançarmos na consolidação da democracia e dos direitos das minorias em nosso país. Tais agressões, antes escondidas e envergonhadas pela da condenação pública, ganham cada vez mais força e transpassam todos os limites civilizatórios, agarrados no falso argumento de que tudo é permitido em razão da liberdade de expressão, outro valor fundamental das sociedades democráticas modernas.

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A defesa do discurso do ódio e a incitação da violência não é compatível com o princípio universal da liberdade de expressão e com a própria democracia. Tal fundamento, preconizado em diversos tradados internacionais dos quais o Brasil é signatário, pretende garantir que as vozes divergentes e a multiplicidade de pensamentos tenham espaço.

A liberdade de expressão não se aplica em casos abusivos, que agridem ou ferem direitos humanos de outras pessoas ou de grupo de pessoas. Nessas situações, que não devem ser confundidas com censura, os agredidos é que têm o próprio direito de expressão e de pelo exercício da cidadania negados, ao se tornarem vítimas de campanhas de perseguição e de ódio.

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O obscurantismo e o retrocesso, escancarados nos casos da UFBA e da filosofa Judith Butler, não têm espaço na sociedade acadêmica. A autonomia universitária é um princípio secular e, também, condição indispensável para o desenvolvimento do pensamento, da sociedade do conhecimento e, consequentemente, do próprio espírito humano. Não é admissível que tais práticas medievais, de repressão do pensamento e da pesquisa científica, ainda sejam toleradas em no Brasil do século XXI.

Todo esse ranço conservador é acompanhado por um desmonte brutal nas políticas capazes de levarem o Brasil à sociedade do conhecimento. Este ano, houve um corte de 44% no orçamento na Ciência, Tecnologia e Inovação, que deve ser ainda mais enxuto no ano que vem. Tal iniciativa já gerou protestos 23 ganhadores do Prêmio Nobel e de renomadas cientistas brasileiras.

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Na educação, a situação não é diferente. Além dos cortes nos orçamentos das universidades e dos institutos federais, a PEC 95 congelou os investimentos na área pelos próximos 20 anos, com impactos severos em todas as políticas de inclusão implementadas nos últimos anos. O Banco Mundial, que parece ser o novo formulador oficial de políticas públicas, chegou a propor o descalabro de se acabar com educação superior gratuita no Brasil.

A resistência contra a intolerância, o obscurantismo e a toda e qualquer forma de discurso do ódio deve ser uma luta civilizatória permanente de toda sociedade brasileira. Os recentes exemplos de intolerância e de agressões contra minorias e contra produções acadêmicas comprovam que as fogueiras da inquisição já foram acesas pelos setores conservadores de nosso país. Não podemos aguardar sentados até ver qual será a próxima bruxa queimada nas chamas da intolerância, do ódio e do conservadorismo obscurantista.

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A convivência com a diversidade e o respeito integral à cultura e à opção do próximo são e devem continuar sendo valores inegociáveis da nossa jovem e golpeada democracia. Menos ódio e mais amor, por favor.

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