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Roberto Moraes

Engenheiro e professor titular "sênior" do IFF (ex-CEFET-Campos, RJ)

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A ‘indústria’ rentista de aluguel: caso de Barcelona

O colunista Roberto Moraes critica a "indústria de vampirização de rendas locais que impacta negativamente as economias regionais e seus moradores"

Barcelona (Foto: Reprodução (Youtube))
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Estive em novembro passado quase vinte dias entre Portugal e Espanha. Uma passagem rápida, mais de apoio e passeio do que de observações. Mas, num período como esse, de grandes transformações no mundo, ninguém vai a outros lugares deixando de lado as manias de pesquisador.

Nos meus estudos sobre os fundos financeiros e suas gestoras, eu tento acompanhar sempre e em mais detalhes como os investidores de “capital de risco”, capturam oportunidades de altos rendimentos e de curto prazo com os ativos da economia real que estão transformando a forma de intermediação financeira.

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Nesse movimento alguns setores e espaços (territórios) se alternam como atratividade para esses investidores que buscam ganhos e acumulação de capital. As plataformas digitais e empresas-aplicativos são cada vez mais instrumentos que auxiliam e ampliam essa captura.

É no meio desse processo que a renda da terra, desdobrada de forma resumida como “renda-imobiliária” vai se tornando ainda um maior atrativo para captura de excedentes econômicos em diferentes partes e regiões das nações, em especial, as capitais e metrópoles ao seu redor.

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É nessa direção que alguns pesquisadores têm falado sobre o rentismo da ‘indústria’ (sim, entre aspas) dos aluguéis. Um atrativo cada vez mais forte, mesmo que segmentado e organizado no interior desse setor, entre os fundos imobiliários (FII), mas também para fundos híbridos, multimercados (hedge) e outros.

No Brasil passa também pelos FIPs (Fundo de Investimento em Participações, uma composição de recursos que se destinam à aplicação em companhias abertas, fechadas ou sociedades limitadas) que também envolve a área de infraestrutura que direta e indiretamente se liga ao setor e ao rentismo-imobiliária, velho conhecido desde o início do capitalismo.

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Já vem sendo bastante comentado o aumento do custo de vida para moradores de cidades-metrópoles como Berlim, Paris e mesmo Lisboa e Madri no sul europeu, decorrentes do aumento do valor de moradias (pisos) em áreas mais centrais que empurram os moradores para as periferias cada vez mais distantes dos locais de trabalho e do centro.

Trata-se entre outros de fato ligado à migração de pessoas de maior renda de outras nações, mas também à destinação de moradias para aluguéis de temporada através de aplicativos tipo AirBnB. Isso também já é percebido no Brasil, em especial São Paulo e Rio de Janeiro, atraindo, investidores e gestoras de fundos para esses ganhos acima da média.

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Investidores estão sempre atrás de alta rentabilidade em curtos prazos. Assim, captam donos de poupança (excedentes) que como investidores se transformam em quotistas de fundos. Estes adquirem prédios mais antigos, reformam prédio e as unidades habitacionais, em especial de um ou dois quartos, que ganham tanto em valor de mercado quanto ampliam os ganhos com os aluguéis, contratados via aplicativos, mas com alta rentabilidade e dinheiro vivo. E uma razão alimenta a outra. Se produzem boa rentabilidade com aluguéis, também ganham valor de mercado para a venda.

Esses fatos já são conhecidos e bem estudados por pesquisadores que investigam a financeirização ligada ao setor imobiliário vinculado à moradia. Aluguéis de médio ou curto prazo que garantem grandes volumes de extração de renda e excedentes destas cidades que ficam com muito pouco ou nada dos ganhos deste processo, a não ser as consequências.

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Os municípios e as regiões se movimentam, impõem taxas para essas locações de curto prazo, mas são reações que não modificam o quadro geral de uma quase indústria de vampirização de rendas locais que impacta negativamente as economias regionais e seus moradores, porém, seguem trazendo lucros extraordinários àqueles investidores do andar de cima, em especial, após a pandemia.

Os lucros hoje já são superiores aos que se tinha em 2019, antes dos impactos da redução no fluxo de pessoas em todo o mundo. Hoje, as pessoas querem e estão circulando mais do que antes da pandemia.

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Os ganhos rentistas desses fundos nesse setor de locação de curto prazo dependem muito desse estímulo ao turismo (programas de TV e cadernos de jornais sobre viagens que parecem neutros), outro setor que se vende como ‘indústria’ e que depende muito da precarização dos serviços e das relações de trabalho.

Diante deste quadro, eu que me utilizei em algumas das cidades que passei destas locações - via aplicativos - e não de hotéis (porque hospedagem para três pessoas com esposa e filha é melhor), e assim foi possível entender um pouco mais do que se está passando.

O caso do rentismo imobiliário em Barcelona

barcelona-capa
Foto: Reprodução

A percepção geral desse quadro me aguçou o olhar. Vi e  ouvi, pessoas (jovens que atuam nas oficinas) que ajudam os FII a gerirem essa relação de serviços de locação e tive a sorte de ler num café, uma matéria no jornal regional de Barcelona La Vanguardia e depois no El País, seção da Cataluña, em 19 de novembro de 2002, p. 20, sobre o tema cujo título era: “El 36% de los pisos de alquiler son de grandes tenedores” (36% dos apartamentos de aluguel são de grandes proprietários). [1] [2] [3] [4]

A reportagem traz dados da terceira edição (2021) do estudo sobre “Estrutura e concentração da propriedade de moradias em Barcelona” que foi realizado pelo Observatório Metropolitano de la Vivienda de Barcelona.

Os dados chamam a atenção: a) o percentual de moradores que vive de aluguel em Barcelona subiu cerca de 40% desde 2000, quando se situava em torno de 30% e que a maioria das moradias (pisos) alugados (51%) são de proprietários que possuem três ou mais moradias; b) 38,5% das moradias de Barcelona são atualmente de aluguel, que em números absolutos chega a 290 mil moradias do total de 754 mil existentes; c) A maioria (+de ¾) são dos grandes proprietários com dez ou mais moradias está nas mãos de pessoas jurídicas (77,3%), possivelmente, em boa parte, gestora de fundos de investimentos que enxergam no setor imobiliários ótimas possibilidades de boas rentabilidades de dinheiro vivo e a curto prazo.

Os responsáveis pelo estudo quantificaram em 720 mil pessoas vivendo de aluguel em Barcelona, dados que equiparam a região com Berlim e Paris que vivem problemas semelhantes e já implantaram algum tipo de controle para regulação de preços dos aluguéis.

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Foto: Reprodução

Como se vê, o estudo traz indicadores claros sobre as razões da grande magnitude de moradias em situação de aluguel num momento de crise habitacional local decorrente com altos preços que estariam levando o governo provincial a propor um lei sobre a questão como vem sendo feita em algumas metrópoles do norte da Europa, em especial Belim e Paris.

Na maioria dos países da Europa, o governo não dá a titularidade de habitações públicas para moradores de menor renda, como no Brasil. Elas se mantêm públicas e moradores de menor renda, usufruem o direito de morar. Em Barcelona, as moradias de titularidade pública são apenas 12 mil, 1,7% do total e 4,4% do universo que estão em situações de aluguel e se situam todas em bairros periféricos.

Renda imobiliária alimentando os fundos, a lógica de investidores e as desigualdades sociais

Esses dados reforçam essa interpretação da ‘indústria’ dos aluguéis que se reforça com a demanda daquelas demandas por baixa temporada, em especial de turistas, que se dispõem a pagar valores maiores por menor período. As plataformas digitais e empresas-aplicativos de aluguéis e estadia se tornaram instrumentos indispensáveis para o crescimento dessa realidade.

Assim, os investidores ganham duplamente. Primeiro, com a valorização do imóvel e sua área, onde normalmente possuem e investem em outros prédios e apartamentos, mas com a sua alta rentabilidade, isenta da maior parte dos impostos. Perdem, os moradores locais que acabam impactados pelos turismo.

Tem-se aí um conjunto de problemas de ordem social e política. Surgem daí vários estranhamentos e incômodos que ajudam a explicar as reações e o surgimento de movimentos de extrema-direita (fascistas) que se apresentam como antiestablishment.

É um movimento paradoxal e contraditório, até porque os que mais ganham com tudo isso são os que controlam esse setor, os investidores que se situam no andar de cima, exatamente, os que mais faturam com esses processos e estratégias. Porém, esse já é outro assunto, embora, fortemente vinculado.

Referências:

[1] Matéria no jornal La Vanguardia, Barcelona, em 18 de novembro de 2022. El 36% de los pisos de alquiler de Barcelona son de grandes propietarios. VIVIENDA: El parque de alquiler representa el 38,5% de los tres cuartos de millón de viviendas de la ciudad. Disponível em: https://www.lavanguardia.com/local/barcelona/20221118/8611837/36-pisos-alquiler-barcelona-son-grandes-propietarios.html

[2] Matéria do El País, Madri, em 19 de novembro de 2022, Seção Cataluña, p. 20. (Edição Online em 18 de novembro 2022). El 365 de los pisos de alquiler son de grandes tenedores. Disponível em: https://elpais.com/espana/catalunya/2022-11-18/el-36-de-los-pisos-de-alquiler-en-barcelona-son-de-grandes-tenedores.html

[3] Prefeitura (Ayuntamento) de Barcelona repercute estudo e matéria dos periódicos. Disponível em: https://ajuntament.barcelona.cat/ciutatvella/es/noticia/los-grandes-tenedores-son-propietarios-del-36-de-los-pisos-de-alquiler-habitual-de-la-ciudad_1229148#:~:text=de%20la%20ciudad-,Los%20grandes%20tenedores%20son%20propietarios%20del%2036%20%25%20de%20los%20pisos,alquiler%20habitual%20de%20la%20ciudad

[4] Link para baixar a síntese da apresentação dos resultados do estudo Estructura i concentració de la propietat d’habitatges a Barcelona. Conjunt del parc i segment de lloguer 2021. Disponível em: https://www.ohb.cat/wp-content/uploads/2022/11/O-HB-Presentacio-Laboratori-Propietat-2022.pdf

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