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Nívea Carpes

Doutora em Ciência Política e mestre em Antropologia Social

27 artigos

blog

A luta pelo habitat nos tempos de democracia hackeada

Em pleno século XXI o Brasil se coloca em condições tais que tenhamos que lutar pela preservação das condições mínimas de existência do ser humano. Falo de sobrevivência, de preservação da Amazônia, de alimentos sem agrotóxicos, de desmatamento, de medicamentos, de campanhas de prevenção, de preservação de povos das florestas e da própria ciência

Amazônia: nível de desmatamento está próximo de levar a mudanças irreversíveis na floresta (iStock/Thinkstock) (Foto: Ildo Frazao)
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É impressionante que em pleno século XXI o Brasil se coloque em condições tais que tenhamos que lutar pelo que há de mais essencial, que é a preservação das condições mínimas de existência do ser humano. Estou falando de sobrevivência, de preservação da Amazônia, de alimentos sem agrotóxicos, de desmatamento, de medicamentos, de campanhas de prevenção, de preservação de povos das florestas e da própria ciência. Tudo isso está desprezado em muitos aspectos, primeiro pelo ser abominável que ocupou o poder, segundo pelos sujeitos que veem sentido na negação do outro, de um bem comum e de uma sociedade civilizada.

Enquanto vivemos esse movimento, de outra parte, estamos totalmente suscetíveis à tecnologia, de tal modo que há uma vida no mundo paralelo das redes sociais que projeta atitudes e comportamentos, que transforma nossa percepção sobre as relações, sobre o tempo e o espaço, e sobre nós mesmos. Não bastassem as perigosas projeções pela utilização desses meios de convivência, nossos dados tornaram-se o produto mais caro do mundo, por delinearem perfis psicológico que se tornam alvos de interesses diversos.

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Os dados e o comportamento das pessoas nas redes sociais são utilizados para múltiplas finalidades, do marketing de produtos à manipulação emocional. As interrelações vão da indução de necessidades, até a formatação de posturas políticas. Não temos qualquer controle sobre o que fazemos na internet, em termos de permissão de uso de nossos rastros e informações. O que já nos permite questionar se a democracia ainda existe ou se devemos repensar a democracia nesse contexto global.

O paradoxo também está no fato de o atual governo brasileiro apostar na tecnologia para manipular comportamentos, é o que está claro sobre a campanha presidencial de 2018, quando utilizou as redes sociais para disseminar fake News; mas negar a eficiência da tecnologia em termos de mapeamento de desmatamento, em termos de especialidades científicas, em termos de estatísticas do IBGE e em termos de ciência de modo geral. Esse governo nega todas as existências que contradigam os seus interesses. 

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A antítese que transita entre natureza e tecnologia não possibilita uma análise política assertiva dessa conjuntura, uma vez tratar-se da ascensão de um desgoverno, apoiado por uma multiplicidade de interesses diversos de natureza interna e externa ao país. O ódio, a intolerância, o autoritarismo, o belicismo, o terraplanismo, amparados pela negação do aquecimento global, da fome, da legalidade, do Estado de direito e incontáveis disparates diários dão a sustentação diária à Bolsonaro. Viver no Brasil é uma experiência de total incerteza e já não há parâmetros para as narrativas e para os acontecimentos. O que menos sabemos é como reagir nesse absoluto desconforto de uma realidade fugidia, pautada pelo retrocesso civilizacional.

As verdades e a realidade vão se tornando instáveis e flexíveis ao ponto de perderem contato. Tudo parece possível, em falas absurdas, de ampla ilegalidade e em atitudes de mesmo tom. É daí que qualquer leigo pode colocar em dúvida evidências científicas, sem qualquer constrangimento. É daí que se torna possível afirmar que o agrotóxico que ingerimos nos alimentos não nos diz respeito. Nesse caos, um líder indígena é morto a facadas na guerra dos garimpeiros e madeireiros para consumir com a Amazônia e o presidente responde duvidando do ocorrido. Dessa falta de lugar que o frio de maio na Espanha depõe contra o aquecimento global. Da irrelevância do Estado de direito que o nepotismo se reescreve pela familícia imperial. Do total nonsense que a explicação do estupro é a falta de calcinhas; que a ditadura passa a não existir, pois se tratava de uma reação ao terrorismo comunista; que uma pessoa desaparecida e morta pela ditadura é dada como morta por seus companheiros de resistência; que perder direitos é bom para o trabalhador; que a vida do empresário é pior que a de um desempregado.

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A fábrica vigorosa de pós-verdades está a pleno vapor, desnorteando a população e desarticulando a esquerda, uma vez que não é possível focar numa direção para se fazer oposição. As estratégias ou loucuras do governo trazem disparates tão grandes que saem da arena da razão e desorganizam a interpretação e as possibilidades retóricas. Ninguém se imaginaria tendo que discutir se a terra é plana ou se o desmatamento da Amazônia, medido por satélite, é verdade ou não.

Não somos um fato isolado, há muito por trás de tudo isso. O mundo está em guerra novamente, em decorrência do fracasso do “vitorioso” capitalismo de expansão que não tem mais para onde se expandir, nos velhos moldes. Os peões do tabuleiro voltam a se movimentar de maneira impetuosa, propondo novas direções para hegemonia mundial. Os americanos, pouco a pouco, sangram, perdendo domínios para um adversário que parece não ser mais possível de ser contido, a China. O Brasil está do lado de quem agoniza e foi conquistado, nas condições que se encontra, pelos EUA.

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Precisamos conhecer melhor a China, em termos estratégicos, no que diz respeito à ascensão da extrema-direita no mundo e proteção dos países aliados. Pepe Escobar costuma dizer quer a China é reativa, ao contrário dos EUA, que recorrem em projetos de ação e imposição de conjunturas.

Sabemos que Steve Bannon é um grande influenciador de Donald Trump, que acredita que é preciso destruir para reconstruir uma nova realidade, também um grande parceiro de Eduardo Bolsonaro. O Brasil estaria na fase da destruição? Estariam referindo-se à neocolonização e ao imperialismo americano? A nomeação de Eduardo Bolsonaro como Embaixador do Brasil nos EUA é a transcorrência do projeto de destruição? Esse é o resultado do vira-latismo brasileiro, de gente cheia de mágoas colocar no poder pessoas que possuem mais apreço aos EUA do que ao seu próprio povo. A soberania brasileira agoniza. 

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A maior ameaça à democracia é o totalitarismo das redes sociais, a chave desse processo, o espaço das manipulações que produzem emoções programadas, dando condições à entrega. Hoje, as redes sociais são o espaço onde nada mais parece absurdo. Há um farto incentivo à imbecilização coletiva no Brasil, como afirma o filósofo português Diogo Sardinha. As ambições não têm limites, nenhum movimento é aleatório, por mais que Bolsonaro pareça um louco, ele não passa de um mal necessário a outros interesses, muito maiores e bastante bem calculados.

O planeta está em risco pela destruição insana dos recursos naturais e a democracia está em risco pelo impedimento de escolhas genuínas. Para quem faz a resistência, é a luta contra um Estado autoritário que aposta na imbecilidade, no qual a crise contínua é utilizada como combustível para a revolta que o sustenta, garantindo a entrega do país.

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