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Tarso Genro

Advogado, político filiado ao Partido dos Trabalhadores, foi governador do Rio Grande do Sul, prefeito de Porto Alegre, ministro da Justiça, ministro da Educação e ministro das Relações Institucionais do Brasil

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A marcha dos enganados

As mentiras que estão pregando, a miséria que estão semeando e a dor que consolidam – com as suas reformas sem quaisquer sacrifícios dos ricos e com sua lavagem cerebral destinada a colocar os corruptos em posições de mando – como reféns das reformas, não garantem este presente como perpétuo. Garantem apenas o seu bem-estar momentâneo, pois o ódio dos enganados é sempre mais potente e rebelde do que a repulsa dos derrotados. Não é agora que veremos este estouro de inconformidade, mas ele virá

Presidente Michel Temer durante cerimônia, em São Paulo 08/08/2017 REUTERS/Leonardo Benassatto (Foto: Tarso Genro)
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Tenho a "A Marcha" de E. L. Doctorow – vencedor do Prêmio PEN-Faulkner de 2006 – como um dos mais poderosos romances americanos de língua inglesa das últimas décadas. O grande autor de "Ragtime" narra a caminhada de guerra do General William Sherman, com seus 60 mil homens, saqueando plantações sulistas, "pondo abaixo cidades e vilarejos", com negros emancipados e brancos fugitivos do sul, cujo desfecho é a vitória do humanismo portado das tropas da União. Mas também é a saga dos vencedores e derrotados, tanto como espoliados como vencedores – sem rumo e sem destino – naquele futuro americano em direção à derrota do racismo e da opressão do escravismo.

O que Doctorow critica não é a guerra ou a revolução em abstrato, mas a dor concreta dos atingidos pelo que é fatal na História. Para Doctorow, o rumo pessoal dos indivíduos não pertence à escolha deles, mas a milhares de circunstâncias não escolhidas, que se derramam como uma dor infinita, compondo o mundo real. Nele, o presente é o centro de tudo: não a narrativa, não o futuro, não utopia desejada pela consciência. A dor é o significado presente, tanto dos vencidos sem razão, como dos vencedores inocentes. Ambos são apenas peças do fluxo da história soprado pela ideia.

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Albion Simms, numa das muitas batalhas, com seus olhos arregalados, diz que estão atirando nele, mas não lembra o próprio nome. Nem porque está ali, nem porque esqueceu de ontem, mas simplesmente sabe que a sua "cabeça dói". Ao ser lembrado do seu nome Simms diz "não saber lembrar", pois tudo o que ocorre "é sempre agora". É "por isso que está chorando ?", pergunta-lhe Albion, seu companheiro de batalha: "Sim. Porque é sempre agora (...) É sempre agora".

As pessoas não vivem na História, mas no cotidiano, parece dizer Simms, pois seu agora é um presente perpétuo.

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Não para o grupo ou para classe, mas para o indivíduo concreto que embarca numa determinada narrativa e faz dela o seu destino de dor ou de glória efêmera. A narrativa é um coletivo em guerra, em marcha, com a dor de cada um transformada em dor épica despersonalizada. Sua aparência é de apenas um parêntese sem cor definida, mas a dor do indivíduos soma-se por encanto – em determinados episódios – para se tornar destino de todos.

Para Temer, para os fascistas do MBL, para a Globo e seus partidários, o presente é a própria Historia, que se tornou destino de todos. É preciso reiterar sempre – e eles o fazem – que só existe o "agora": que a dor de viver esta infinita canalhice do golpismo e da reformas sem povo e sem diálogo, é a História perpétua, que jamais será rompida.

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É o "destino final", o fim da História, o paraíso que fez da violência privada a violência estatal, no universo dos ricos e famosos, cujo Macron é João Dória, cujo Trump é Bolsonaro e cujo Mussolini – sem discurso emocional e sem coragem de fazer uma marcha sobre Roma – é Michel Temer. Até o fascismo eles tornaram caricato.

As mentiras que estão pregando, a miséria que estão semeando e a dor que consolidam – com as suas reformas sem quaisquer sacrifícios dos ricos e com sua lavagem cerebral destinada a colocar os corruptos em posições de mando – como reféns das reformas, não garantem este presente como perpétuo. Garantem apenas o seu bem-estar momentâneo, pois o ódio dos enganados é sempre mais potente e rebelde do que a repulsa dos derrotados. Não é agora que veremos este estouro de inconformidade, mas ele virá. Nesta ou noutra geração. E será muito mais duro, forte e impiedoso, do que "A Marcha" de Doctorow.

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Tarso Genro foi Governador do Estado do Rio Grande do Sul, prefeito de Porto Alegre, Ministro da Justiça, Ministro da Educação e Ministro das Relações Institucionais do Brasil.

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