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Igor Corrêa Pereira

Igor Corrêa Pereira é técnico em assuntos educacionais e mestrando em educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Membro da direção estadual da CTB do Rio Grande do Sul.

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A poderosa máquina de desigualdade e miséria

A injustiça secular, a desigualdade brutal de nossa sociedade, produziu esse traço de perversidade na psicologia social brasileira, que vem a tela com o bolsonarismo.

(Foto: Reuters | ABr)
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A bomba atômica disparada pelos Estados Unidos na cidade japonesa de Nagasaki, no Japão, no final da segunda guerra Mundial em agosto de 1945, teria matado de 60 a 80 mil seres humanos. Pois chegamos no Brasil de 2020 a 80 mil vidas retiradas pelo COVID 19. Uma bomba atômica explodiu no país. A grande pergunta que perturba o pensamento progressista: por que, depois dessa hecatombe, Bolsonaro continua crescendo nas pesquisas?

Faço aqui algumas reflexões. A primeira delas é sobre a importância do pensamento irracional como estratégia de sobrevivência em condições extremamente precárias num país desigual como o nosso. A segunda, que está a ligada a primeira, é o impacto da extrema desigualdade de nosso país na nossa psicologia social. 

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Quando o feijão do almoço não está garantido, torna-se impossível manter o isolamento social. É preciso sair para ganhar o feijão. Essa é a realidade de milhões de brasileiros. A única política que chega a quem está nessa situação, mesmo assim precária, é o auxílio emergencial, que foi capturado maldosa e eficientemente por Bolsonaro. Ele aumentou a popularidade entre os mais humildes a partir daí, com a mentira de que é dele o auxílio emergencial, mesmo ele tendo sido contra. Não importa a verdade, importa o que chega até as pessoas.  

Ainda pensando a dura realidade de quem não pode ficar em casa, concretamente isso significa enfrentar um risco de morte. Vale a pena ser racional quando a racionalidade diz que você pode morrer? As pessoas formulam e acreditam em ideias que favoreçam a sua existência. Neste sentido, a negação é o que mais favorece quem enfrenta a morte diariamente. Negar que existe esse risco. 

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Se eu nego o vírus, ele deixa de existir, e isso me protege. É irracional? Sim. Mas é funcional, para quem está num lugar onde o progresso da ciência não alcança. Se eu não for infectado nem ninguém que eu me importe, é porque funcionou. Dane-se a ciência, dane-se a empatia, eu preciso tocar minha vida. A sobrevivência é pragmática. Quem morreu, morreu. Antes eles do que eu. 

Mas é claro que esse pensamento é precário e eventualmente uma das 80 mil pessoas pode ser alguém que importe. Como resolver esse impasse? Tem uma solução! A cloroquina! Esse é o remédio milagroso que resolve a COVID-19 num passe de mágica. O presidente avisou que tem pessoas más que querem impedir que a Cloroquina chegue até nós. Se meu irmão morreu, de quem é a culpa? Dos médicos comunistas, dos políticos comunistas que não fizeram a cloroquina chegar no hospital! 

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Ou seja, em qualquer das hipóteses o bolsonarismo está protegido para essa parcela da sociedade. Se não for infectada, valeu a pena ter negado o vírus, como disse o presidente. Se for infectada, tem a cloroquina. Então, está liberado continuar apoiando o mito. 

Outro aspecto do pensamento de extrema direita que precisa ser considerado tem também relação com essa profunda desigualdade social, que é maior no Brasil do que era na Europa no século XIX, segundo aponta Thomas Piketty. É preciso entender pensamento de quem conseguiu algum tipo de benefício nessa sociedade, ou aspira a isso. Aqueles que, sendo a farinha pouca, arrebanharam sacos e sacos de farinha. Isso explica o comportamento do "cidadão não, melhor do que você" que ficou célebre pelo comportamento do casal parado na blitz do Rio de Janeiro ou o desembargador abordado pela guarda civil de Santos. 

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A injustiça secular, a desigualdade brutal de nossa sociedade, produziu esse traço de perversidade na psicologia social brasileira, que vem a tela com o bolsonarismo. Esse desejo de arrumar para si um lugar no camarote, a casa grande contemporânea. Temos uma multidão de pessoas seduzidas pela ideia de ter sua pulseirinha VIP. Só que nem todas que acham que tem, efetivamente a possuem. O casal já citado perdeu o emprego, ser melhor do que cidadão não se encaixa a eles, como eles pensavam. Já o desembargador, esse ficará impune, provavelmente. Sua pulseirinha parece garantida.

Onde existe miséria de um lado e privilégios de outro, há um conjunto de ideias perversas que justifiquem essa condição. A engenharia bolsonarista teve o mérito de fabricar uma máquina que fizesse esses pensamentos que já estavam na sociedade serem ativados em proveito do projeto do presidente. O blog de Luiz Muller tem um artigo baseado em Rosana Pinheiro Machado que informa um levantamento assustador. Um monitoramento analisou 2513 grupos bolsonaristas de Whatsapp, que reúnem 93886 usuários e mais de 5 milhões de mensagens conspiracionistas sobre coronavírus compartilhadas desde fevereiro. É uma máquina robusta e que se movimenta mesmo que hoje o gabinete do ódio seja desmontado.

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Para finalizar, alguns comentários sobre o desafio que temos a frente. Ampliar me parece a palavra chave. Explico. O exercício que a esquerda vem fazendo de vídeos ao vivo, as já famosas “lives”, bem como os sites de esquerda como o Brasil 247, tem um papel de formação e organização das pessoas que já estão convencidas de que Bolsonaro é fascista e o Coronavírus é um risco que exige isolamento social. Isso é importante, precisa ser mantido. Mas é insuficiente. Como ampliar? Como chegar em quem não nos lê ou não vê nossas lives? É necessário um investimento de outro tipo, que parta do entendimento de que a disputa de ideias é permanente, não ocorre só nas eleições, e que a revolução tecnológica cria outros campos de batalha que precisam ser ocupados. 

Outra dimensão da palavra amplitude é a dimensão política. A esquerda precisa se pautar menos pelo passado e mais pelo futuro. Isso implica esquecer mágoas e construir unidade. Nenhuma diferença do campo progressista deve ser mais importante do que essa desigualdade, que guarda grande semelhança com o apartheid enfrentado na África do Sul por Mandela. Mais uma vez a palavra ampliar é usada por este escritor. Ampliar para derrotar a poderosa máquina da desigualdade e da miséria.

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