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Jean Menezes de Aguiar

Advogado, professor da pós-graduação da FGV, jornalista e músico profissional

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A sentença judicial versus a vontade popular

Esse ame-o ou odeie-o polarizado a que o fenômeno Lula (involuntariamente?) alcançou gera legitimação democrática aos dois lados. Poder-se-ia dizer que há um lado lutando pela manutenção da sentença, e um lutando pela vontade popular que possa (pudesse…) ‘atropelar’ as sentenças do Judiciário

Lula  (Foto: Jean Menezes de Aguiar)
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Quando não se consegue perceber algum efeito social pela simples observação ou convívio, pode-se utilizar o método do exagero. Com um cenário aumentado muitas vezes, ainda que de modo irreal, é possível visualizar, ou compreender, o que é difícil em condições normais.

Há uma clara movimentação social dos muitos eleitores de Lula antagonizando à condenação penal que ele sofreu, o fato de estar em primeiro lugar nas pesquisas para presidente da república. Uns dizem que eleição sem ele é ‘golpe’. Outros, que é um afronta à democracia. Outros que há uma perseguição para tirá-lo do páreo. A história mundial mostra que essas hipóteses têm nada de absurdo. O difícil é saber se estão vivas aí no caso Lula.

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Em épocas sociais de torcidas de futebol precisando ser contidas por batalhões de choque para não se digladiar e se matarem efetivamente uns aos outros, o que antigamente era mera ideologia polarizada, para muitos virou ódio rácico e étnico. Nesta esteira agudizada, tudo será uma ‘ameaça à democracia’, à estabilidade econômica, à normalidade institucional e outras equações profundas prometendo o caos eterno.

Não é o caso, mas imagine-se que Lula, condenado criminalmente, mesmo assim chegasse a 80 por cento da preferência nacional como candidato a presidente da república e os vinte restantes não nutrissem a rejeição-asco – que existe e não é pouca-, à sua figura. Ou mesmo que ele já tivesse sido votado maciçamente numa porcentagem como esta de cima, tendo então que se ‘desvencilhar’ da sentença penal condenatória.

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Como seria um cenário social com esta configuração quantitativa? O que valeria mais – perdoe-se a truculência do questionamento-, a sentença judicial ou a vontade popular?

Tanto o método do exagero – quantificativo-, como o da polarização maniqueísta – o que vale mais?-, são válidos, mesmo que apenas como instrumentos de percepção e conhecimento do problema.

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Negar-se a diplomação de um candidato eleito com 80 % dos votos, no exemplo laboratorial, seria – diretamente- retirar a vontade do povo. Por outro lado, solapar uma sentença judicial havida em processo regular – admita-se que seja regular – também é retirar um naco de legitimidade do mesmo povo, só que indiretamente, no processo judicial. É coisa perigosa tratorar uma sentença, já que ela é um produto da Constituição e se presta como segurança jurídica do próprio processo judicial. Este, por sua vez, tem a natureza jurídica de garantia constitucional ao cidadão de não ser preso sem um processo regular.

Vê-se que tanto a vontade popular direta, no voto, como o processo judicial são ‘modelos’ ou ‘escolhas’ sociais da democracia, inseridos na Constituição.

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Quando se entra efetivamente no caso Lula veem-se variantes disformes, algumas trágicas, outras apenas interessantes. Há juristas seniores dizendo que este processo penal foi perfeitíssimo, no plano formal das garantias. Há outros, igualmente respeitáveis, dizendo que o processo é um festival de horrores materiais e processuais. Ou seja, só por aqui já se percebe que há analistas para ‘atender’ a ambos os lados.

Esta imensa variância faz a questão entrar na difícil valoração dos princípios jurídicos, fazendo com que o assunto não se restrinja a um somente parecer ‘técnico’, como se as instâncias da ‘objetividade’ e da ‘razão’ não pudessem ser lascivamente seduzidas. O espetacularmente odiado filósofo Paul Feyerabend, na obra Adeus à razão, ensina, pedagogicamente: ‘A abordagem teórica é convencida, ignorante, superficial, incompleta e desonesta’. Bingo.

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Formalistas de plantão, e por isso mesmo funcionalistas e legalistas, jamais conseguirão questionar a sentença judicial por meio da vontade popular. Isso ser-lhes-á um estupro. Mas é assim exatamente porque sobrecarregam à formalidade da Constituição uma sacrossanta legitimidade que não pode ser atacada.

Já outra banda de gente, mais uterina ou conteudista, talvez bem representada por intelectuais, historiadores, sociólogos e cientistas políticos, aceite discutir movimentos ou ondas sociais, mesmo que saídos do Supremo Tribunal Federal, perante uma nítida e concreta vontade popular – não um arremedo dela-, sem que o questionamento pusesse em risco o sistema social. Aliás, aqui, não discuti-lo é que seria um risco.

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O caso Lula ‘ainda’ não chegou a tanto. Perto de inacreditáveis 40% de intenção de voto, considerando-se estar condenado por crime infamante em segundo grau de jurisdição, é um retrato de imensa vontade popular. Ocorre que sua tal rejeição-asco também é proporcional à sua aderência, o que legitima o lado inverso, de autênticos odiadores de Lula.

Esse ame-o ou odeie-o polarizado a que o fenômeno Lula (involuntariamente?) alcançou gera legitimação democrática aos dois lados. Poder-se-ia dizer que há um lado lutando pela manutenção da sentença, e um lutando pela vontade popular que possa (pudesse…) ‘atropelar’ as sentenças do Judiciário.

Há pouco, minha filha Victoria recebeu um zap dizendo que Lula acabara de ser preso. Zombou do vírus que mandava ‘clique para ver’. Mas a esta hora a crença da prisão já terá mutilado muitos celulares e computadores por aí. São os lados opostos e bem opostos de uma mesma realidade.

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