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Paulo Moreira Leite

Colunista e comentarista na TV 247

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A sombra de Watergate mais perto de Temer

"A cada dia que passa a agonia de Michel Temer se torna parecida com a de Richard Nixon, o presidente norte-americano forçado a renunciar para evitar um processo de impeachment", escreve Paulo Moreira Leite, articulista do 247; "Até a divisão interna da Polícia Federal reproduz uma guerra interna no FBI", diz ele; para PML, a diferença é que na queda de Nixon "o sistema político dos EUA se encontrava intacto e foi capaz de encontrar uma saída negociada, enquanto o Brasil de hoje foi destruído pelo golpe que permitiu a chegada de Temer no Planalto e agora tenta prender Lula e impedir sua candidatura a presidência"; "Nesse ambiente, o que Temer pode negociar?", questiona

"A cada dia que passa a agonia de Michel Temer se torna parecida com a de Richard Nixon, o presidente norte-americano forçado a renunciar para evitar um processo de impeachment", escreve Paulo Moreira Leite, articulista do 247; "Até a divisão interna da Polícia Federal reproduz uma guerra interna no FBI", diz ele; para PML, a diferença é que na queda de Nixon "o sistema político dos EUA se encontrava intacto e foi capaz de encontrar uma saída negociada, enquanto o Brasil de hoje foi destruído pelo golpe que permitiu a chegada de Temer no Planalto e agora tenta prender Lula e impedir sua candidatura a presidência"; "Nesse ambiente, o que Temer pode negociar?", questiona (Foto: Paulo Moreira Leite)
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     Desde que foi empossado, no vergonhoso golpe de Estado que derrubou Dilma Rousseff, Michel Temer é acompanhado pelo fantasma de Richard Nixon, o presidente norte-americano forçado a renunciar em 1974, quando as investigações sobre o escândalo Watergate não puderam ser escondidas sob o espesso tapete de amigos influentes da Casa Branca.

  A entrada em cena do ministro Luiz Roberto Barroso, do STF -- responsável pela investigação sobre Porto de Santos na qual Temer aparece bem enrolado – permite analogias novas com Watergate. Indica um agravamento óbvio de uma situação que dia a dia torna-se mais difícil de sustentar, ainda que, no Planalto, Temer possua menos de um ano de vida útil  pela frente.

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   No auge da crise, a Suprema Corte dos EUA deu o golpe de misericórdia para a queda de Nixon, ao exigir que ele mostrasse gravações do circuito telefônico da Casa Branca. Como os diálogos demonstravam sua culpa além de qualquer dúvida razoável, Nixon chamou o helicóptero e voou para casa, depois de tomar uma providência decisiva: negociar uma anistia que lhe assegurou um fim de vida sem incômodos.

 

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   Nixon foi derrubado por um triângulo político, capaz de demonstrar um poder de fogo suficiente para inviabilizar seu segundo mandato, obtido numa reeleição consagradora quando o escândalo se encontrava na fase inicial e ninguém imaginava que iria tomar o caráter de uma avalanche sobre o mundo político dos Estados Unidos.  

    A primeira ponta do triângulo era o repúdio da juventude norte-americana a guerra do Vietnã, que formou um caldo de cultura gigantesco para a execração permanente de Nixon, numa versão pioneira do “Fora Temer” que anima e até diverte os brasileiros de 2016 para cá.

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   A outra ponta eram dois repórteres do Washington Post, que alimentaram os protestos contra Nixon desde o primeiro dia. A terceira era a menos conhecida e, em certa medida, a mais importante: o vice-diretor do FBI, Martin Felt, cujo papel decisivo no caso só foi reconhecido duas décadas depois, quando publicou memórias confirmadas por quem conhecia o caso por dentro.   

   Fonte das primeiras e decisivas informações que apontavam para a responsabilidade de Nixon e seus auxiliares na montagem de uma operação de espionagem contra o Partido Democrata, Felt atuou de modo incansável do primeiro ao último dia. Sempre que os aliados de Nixon conseguiam encontrar uma notícia favorável que prometia aliviar o desgaste presidencial, os vazamentos de Felt abasteciam o repórter Bob Woodward com informações confidenciais que mantiveram o presidente na defensiva até o final.

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    A atuação de Felt nos vazamentos  era tão óbvia, pela qualidade das informações publicadas, acessíveis a um número restrito de pessoas, que chegou a provocar suspeitas na Casa Branca. Ele chegou a ser interrogado oficialmente mas conseguiu despistar os colegas de trabalho. 

   O ponto de contato entre os dois casos reside na promiscuidade entre o primeiro escalão do FBI e da Polícia Federal com os governos de seus países. No Brasil, o poder de pressão – em alguns casos de  chantagem -- da Polícia Federal sobre o primeiro escalão do governo, inclusive o presidente da República, é um dado conhecido da cena política.

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   O delegado Paulo Lacerda usou todo seu talento de investigador competente na investigação de Fernando Collor.

   No governo Fernando Henrique Cardoso, o delegado Vicente Chelotti passou ao largo de qualquer apuração de denúncias que envolviam contas em paraísos fiscais depois da privatização de empresas estatais – mas ganhou estabilidade permanente depois que voltou de uma viagem ao Caribe com um disquete no bolso do paletó.

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    No governo Lula, a Polícia Federal chegou a realizar uma vexaminosa operação de busca na residência de um dos irmãos do presidente – quando Lula se encontrava do outro lado do planeta, em viagem oficial na Índia.

     No governo Dilma, o espírito politizado dos delegados e agentes que dirigem a Lava Jato ficou claro depois que a repórter Julia Duailibi divulgou uma troca de e-mails ofensivos  contra a presidente e Lula, mas nenhuma medida disciplinar foi tomada.

    Nos Estados Unidos, uma situação semelhante já marca o governo de Donald Trump e na verdade tornou-se uma fratura exposta desde que John Edgard Hoover, manda-chuva do FBI por meio século a partir de 1930, acumulou um monumental arquivo de fichas comprometedoras de artistas, intelectuais e políticos que investigava secretamente – além de lideranças populares e escritores engajados, John Lennon e Marilyn Monroe se encontravam na lista.

     Atuando na mesma linha, quando investigou um grupo de estudantes de extrema esquerda, o próprio Felt foi acusado de exibir um comportamento desrespeitoso em relação aos direitos dos acusados, a tal ponto que a Justiça anulou as principais provas apresentadas contra os réus e todos foram absolvidos. Uma das explicações mais consistentes para a  atuação de Felt contra Nixon reside nas velhas lutas e ressentimentos que movem a alta burocracia de Estado em qualquer parte do mundo – ele teria ficado desgostoso quando foi preterido pela Casa Branca na sucessão de Hoover como número 1 do FBI.

     Mesmo que todas as suspeitas e insinuações do Planalto venham a ser confirmadas, há uma diferença importante entre Felt e o delegado Cleyber Lopes, acusado pelos aliados do governo de fazer uma investigação destinada a incriminar Temer de qualquer maneira.

      Cleyber não atua de maneira encoberta -- é o responsável oficial da investigação e tem o dever profissional de apurar as informações que surgem a sua frente.  Se isso o torna mais visado, também o faz mais protegido. Mesmo na baderna geral que o golpe produziu nas instituições brasileiras, nada seria mais complicado do que pressionar um policial que tenta fazer seu trabalho. O fato do diretor-geral Fernando Segóvia ter conhecidas ligações com a família Sarney, herança dos tempos que serviu no Maranhão, só ajuda a complicar as coisas, por motivos que seria ocioso explicar aqui.  

    A diferença essencial entre as duas situações é política. Apesar do escândalo, que teve muitos desdobramentos, o sistema político norte-americano estava preservado durante o Watergate. Não havia dúvidas sobre a linha sucessória. Embora tivesse maioria no Congresso, as provas reunidas  tornaram a permanência de Nixon uma batalha impossível, o que explica a ação da Suprema Corte.

     A saída foi negociar:  Nixon só deixou o cargo depois que o vice Gerald Ford concordou em assinar, como primeiro ato depois da posse, um decreto impedindo qualquer investigação futura sobre o antecessor. Os anos seguintes levaram muitos auxiliares da Casa Branca ao banco dos réus, na Justiça e no Senado. O próprio Nixon foi preservado.

      Um debate semelhante já se encontra no horizonte dos círculos políticos que especulam sobre o destino de Michel Temer caso a investigação sobre o porto de Santos seja tão definitiva como se diz. O ponto de partida envolve a extensão do foro privilegiado para ex-presidentes da República.

      Até agora Temer foi protegido pela capacidade de agradar os patrões do golpe pelo empenho de levar em frente um programa de reformas gigantesco e destrutivo. Para azar de Temer, a maior parte do serviço já está feita e ele tem pouco a oferecer em troca de proteção. Aliados por interesse, seus patrocinadores carecem de motivação real para demonstrar lealdade.

      O esvaziamento da Reforma da Previdência só contribui para reforçar a desimportância de garantir os últimos meses de Temer no Planalto. 

    Parece fácil achar o caminho para uma negociação mas não é. Após o golpe que deu posse a Temer, o país encontra-se com seu sistema político destruído. O Legislativo não tem moral para coisa alguma. O Executivo abriga aquilo que já se definiu como a Seleção Brasileira de Corrupção. E o Judiciário perde autoridade em decisões fora de sua competência, ao sabor da vontade de cada interesse de momento.  

     O mesmo processo político que poderia ter interesse em perdoar Michel Temer para que ele seja alijado do Planalto também exige, durante 24 horas por dia, que a cabeça de Luiz Inácio Lula da Silva seja ofertada numa bandeja de prata para seus adversários, impedindo um retorno triunfal anunciado pelas pesquisas.   

      Embora uma balança com dois pesos e duas medidas seja uma tradição da Justiça brasileira, a proteção a Temer e a perseguição a Lula, na mesma fotografia, no mesmo noticiário de tele-jornal,  podem constituir uma afronta corrosiva demais para um sistema de poder fragilizado como o nosso. 

    Ninguém pode saber como a população iria reagir no dia seguinte, concorda?  

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