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Weiller Diniz

Jornalista especializado em cobertura política, ganhador do prêmio Esso de informação Econômica (2004) com passagens pelas redações de Isto É, Jornal do Brasil, TV Manchete, SBT. Também foi diretor de Comunicação do Senado Federal e vice-presidente da Radiobrás, atual EBC.

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A terceira via empoça

“A boia para salvar a canoa furada da terceira via pode ser jogada pelo centrão, que atraca em todas as marinas governamentais. Irrelevante se o vento sopra à direita ou à esquerda”, diz Weiller Diniz

Eduardo Leite e João Doria (Foto: Felipe Dalla Valle/Palácio Piratini | GovSP)

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As tempestades desabam torrencialmente por todo o Brasil. Pressagiam a repetição das tragédias anuais em um país amaldiçoado pelos naufrágios, pela incompetência de seus timoneiros e de suas tripulações medíocres, notadamente a atual. As previsões meteorológicas são mais agourentas para os políticos navegando na terceira via, curso até aqui traiçoeiro, traçado apenas nas cartas náuticas de alguns corsários mais renitentes.

As birutas eleitorais, desde a reabilitação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no porto legal do STF, não alteraram o rumo dos ventos, menos ainda a estabilidade da regata presidencial. Elas oscilam apenas em pontos percentuais, sustentando o petista na proa e o capitão adernando nas avaliações de governo e intenções eleitorais. A dita terceira via está toda acomodada na popa, empoçada, apesar do intenso rodízio de marinheiros e troca de velas, sempre enfunadas por armadores poderosos.

Os faróis das pesquisas vêm iluminando o desastre mortal do “bateau mouche” Bolsonarista, ampliando o favoritismo do petista e abrindo o tempo para a possibilidade de vitória em primeiro turno em 2022. As pesquisas registram um céu muito carregado para nau sem rumo do capitão, com desaprovações diluvianas: de 54% a 69% a depender do instituto. Fez por merecer. Outra convergência entre as bússolas eleitorais é que a terceira via, além da superlotação, permanece ancorada e não empolgou o eleitor. O ingresso formal de Sergio Moro, sempre testado nas pesquisas anteriores, pouco alterou a maré negativa.

Ora perde para Ciro Gomes o posto de terceiro colocado, ora o ultrapassa por percentuais próximos. Moro, inevitavelmente, roubará votos do comandante do “titanic” que ele ajudou a aportar no Planalto e a afundar o Brasil. Embora boiem nas vagas dos humores populares, a soma de votos da terceira via, em nenhuma das sondagens até agora, ultrapassou o segundo colocado.

A primeira manobra para juntar a armada soçobrou. Em abril de 2021, alguns deles redigiram o “manifesto pela consciência democrática” para agrupar a terceira frota. O exercício submergiu pela qualidade dos democratas, omissões, contradições e um atraso contra as teses golpistas de Bolsonaro. Hastearam a bandeira, tardiamente, Ciro Gomes, João Dória, Eduardo Leite, João Amoedo, Luciano Huck e Luiz Henrique Mandetta. Sérgio Moro, envergonhado, acenou do cais. Os mesmos marujos do manifesto democrático não davam tanta atenção às rotas golpistas quando estavam confortáveis em seus camarotes da primeira classe governista. Dois deles foram do almirantado de Bolsonaro: Sérgio Moro (Justiça) e Luiz Henrique Mandetta (Saúde).

Os dois governadores tucanos, que agora rivalizam, velejaram em vídeos eleitorais com o capitão em 2018. Os outros dois, João Amoedo e Luciano Huck, já deram baixa, mas batiam continência a Bolsonaro. Apenas Ciro Gomes é oposição. Porém, na tormenta que elegeu o malfeitor antidemocrático, o cearense optou por singrar as águas plácidas do rio Sena e lavou as mãos. Todos contribuíram para o

afundamento.

Pelo ritmo da remada atual é impensável a incensada unificação da terceira via e, mais inútil ainda, conjecturar que os votos magicamente se somariam. Todos aqueles que estão embarcados na terceira classe enfrentam suas próprias borrascas, desconfortos, incertezas políticas e eleitorais. Ciro Gomes, que não controla o leme do partido, quase afundou no voto amotinado do PDT, favorável à PEC do calote dos precatórios. A brusca manobra de reversão não desfez a mareada, notadamente entre os eleitores ideologicamente à esquerda. Se a emenda prosperar no Senado, o PDT será a legenda que quebrou a garrafa para batizar esse navio fantasmagórico do calote, o equivalente ao confisco da poupança e de contas correntes do náufrago Fernando Collor. O desempenho eleitoral de Gomes, comparado ao pleito de 2018, também emborcou e não se descarta um novo cruzeiro para Paris, já que as marolas não cessam na relação tempestuosa com o PT.

Também fundeado na terceira via está Sérgio Moro, um corsário da lei, saqueador do Estado Democrático e salteador da honra. Deveria estar na prancha por crimes já confessados: vazar conversas da ex-Presidente Dilma Roussef, grampear advogados de defesa dos alvos que ele próprio elegeu para condenar, atuar em férias para evitar a soltura de Lula e interferir ilegalmente na eleição pondo fim ao sigilo da delação fajuta de Antônio Palocci. A pretensão já é um escárnio com a democracia que suporta muito, menos bucaneiros da legalidade. A notoriedade dele é o fruto da transgressão na Lava Jato. Diálogos mostraram Moro coordenando a força-tarefa, sugerindo inversão de fases da operação, escalando procuradores, ditando notas ao MP para desacreditar o “showzinho” da defesa, blindando políticos de sua preferência e indicando fontes para encorpar a acusação.

Moro encarnou as figuras de acusador, investigador e juiz, corrompendo todos. Foi tudo, menos magistrado. Nas escotilhas da Justiça fechou as cortinas para o golpismo de Bolsonaro, os crimes dos filhos do presidente, perdoou o confesso Caixa 2 de Onyx Lorenzoni e ignorou a tocaia contra a vereadora Marielle Franco. O “democrata” ainda defendeu âncoras fascistas, como prova ilícita e a licença para matar. Os fatos mostram que Moro é nocivo à democracia. Substituir Bolsonaro por ele é como represar águas podres e evitar que elas se renovem.

Em 2004, ainda um anônimo arrais amador, Moro teorizou tudo em um artigo, traçando a rota da delinquência e aquecendo as caldeiras para vaporizar a operação “Mãos Limpas” e o promotor Antônio Di Pietro. O diário de bordo de Moro, buzinando uma “legitimidade” fantasiosa, tornou-se o astrolábio dos lavajatistas. A síntese é um tsunami contra o Estado democrático de direito: presunção de inocência pode ser relativizada para encarcerar suspeitos indefinidamente, a prisão preventiva pode ser usada para forçar delações e deslegitimar a classe política e a publicidade opressiva serve para constranger investigados.

Di Pietro encerrou a vida pública com as mãos sujas. O levante imoral de Moro e seus faroleiros do MP, além de nauseantes, expõem abusos e ilegalidades como denunciação caluniosa, fraude processual, falsidade ideológica, prevaricação e outras. A parcialidade e a incompetência são desonrosas, mas não são punições. É fundamental responsabilizar penalmente essa gente pelos crimes cometidos contra o Estado. É indispensável atirá-los no porão dos culpados. É um escárnio perfilarem no convés institucional depois da avaria que causaram no casco do sistema judicial em uma trapaça irreversível. Eles não fraudaram apenas uma eleição, mas a história brasileira.

Três outros aspirantes navegam nas águas revoltas do tucanato para representar a legenda na caravela da terceira via. Dois deles, João Dória e Eduardo Leite, surfaram na onda Bolsonaro em 2018 e o ex-prefeito de Manaus, da velha guarda da esquadra, Arthur Virgílio Neto, se anuncia como oposição. O que une a trinca é a falta de lastro junto ao eleitor. O

balanço das pesquisas é enjoativo para o PSDB, até porque um dos camareiros de Bolsonaro é o deputado Aécio Neves que tenta amotinar parte do grupo. Todos os pré-candidatos da terceira via flutuam em índices indigentes e ancoram a rabeira do grupo que ambiciona chacoalhar a calmaria reinante entre o bombordo petista e o estibordo Bolsonarista. Remando na mesma raia ainda são testados outros nomes como Rodrigo

Pacheco, presidente do Senado, a senadora Simone Tebet, Alessandro Vieira, Luiz Henrique Mandetta e o apresentador José Luiz Datena. Muitos, na verdade, ficariam muito honrados em ser imediatos.

A boia para salvar a canoa furada da terceira via pode ser jogada pelo centrão, que atraca em todas as marinas governamentais. Irrelevante se o vento sopra à direita ou à esquerda. Indispensável é inflar as velas rumo ao mapa da mina dos tesouros públicos. No ancoradouro petista, o centrão capturou confortáveis camarotes e contava com torpedeiros poderosos, como os ministérios da Agricultura, Cidades, Transportes e Indústria e Comércio. Com a embarcação adernando, abandonaram o navio.

Na atual capitania o centrão começou a embarcar sutilmente pela popa. Ocuparam cabines internas em andares inferiores da segunda classe: Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação, Banco do Nordeste do Brasil, Fundação Nacional de Saúde, Departamento Nacional de Obras contra a Seca, Companhia Brasileira de Trens Urbanos, Itaipu etc. A inibição, típica dos dias iniciais do cruzeiro, são águas passadas. Agora estão refestelados nas suítes do transatlântico com apetite e sede imoderadas e mandam em vários ministérios. O sonho sempre foi a primeira classe. Costumam usufruir e trair.

O embarque do capitão vem sendo mercantilizado pelos corsários mais ancestrais dos mares do sul. Dois velhos lobos do mar, Ciro Nogueira (PP) e Valdemar Costa Neto (PL), presidentes de possíveis atracadouros para disputa a reeleição, vêm regateando a filiação por temer deserções nos litorais do nordeste e/ou perda do controle da tripulação. Há partidos menores, portos livres como PRTB ou PTB, do imorredouro pirata Roberto Jefferson. A correnteza é bem diferente de 2018, quando Bolsonaro não precisou se expor, evitou debates, avançou nos ambientes digitais e Sergio Moro atirou o favorito aos tubarões. Dessa vez, o capitão necessitará de estruturas partidárias, recursos para campanha e cais seguros nos estados diante da histórica dianteira de Lula, sobretudo no voto espontâneo. Os náufragos crescem com a ruína econômica, inflação avassaladora, a volta da fome, o desemprego superlativo, a fuga de investidores, o aumento da dívida pública, expansão dos juros, dólar, escândalos de corrupção, o morticínio na pandemia, o golpismo e a extinção de vários programas sociais, entre eles o Bolsa Família.

Até aqui, os candidatos da terceira via, estão à deriva, fundeados na calmaria angustiante, sem ventos favoráveis e na seca de votos. Em um dos últimos testes na Câmara dos Deputados em 2021, envolvendo o calote dos precatórios, repetiu-se a fidelidade destes partidos ao capitão Jair Bolsonaro, já verificada durante todo o ano de 2020. Patrocinados por um tesouro pirata – o orçamento secreto – os deputados de partidos que buscam o tombadilho da terceira via (PSDB, PDT, DEM, PSD e Podemos) votaram em peso para enriquecer o estaleiro governista no ano reeleição explodindo a âncora fiscal.

Do PSD de Rodrigo Pacheco, 83% votaram com o governo, do PSDB 75% da bancada, do DEM 70% e do PDT 62%. Depois da ressaca provocada por essa ancoragem eleitoreira, os números mudaram no segundo turno de votação, mas o calote foi aprovado. Entre os campeões de fidelidade a Bolsonaro em 2020, após o PSL (97%) e Patriotas (94%), estavam no DEM (93%), no Novo (92%), no PSDB (92%) e no Cidadania (87%).

É impróprio falar de motim contra as candidaturas, já que o retrospecto é transparente. Os tucanos, com dois governadores e um ex-líder e ex-ministro na disputa, se bicam e tentam afogar Aécio Neves, um dos nomes soprados para vice de Bolsonaro. Já o ex-governador Geraldo Alckmin namora com a candidatura Lula. Ainda está no PSDB, mas ensaia pular no barco do PSD. João Dória perdeu dois duelos pela expulsão de Aécio Neves e, igualmente, engoliu a recondução de Bruno Araújo no timão do PSDB. O DEM, de Luiz Henrique Mandetta, tem ministros no governo e o presidente da sigla, Antônio Carlos Neto, fortaleceu Bolsonaro ao bombardear o candidato de Rodrigo Maia na disputa pelo leme da Câmara. Recentemente pilotou a fusão do DEM com o partido que elegeu Bolsonaro, o PSL. Ciro Gomes depende basicamente da boia de Carlos Lupi. Moro, igualmente, não comanda o Podemos. Os aspirantes da terceira via, como se vê, têm pouca ou nenhuma influência no curso de suas embarcações. A terceira margem do rio é apenas uma metáfora de Guimarães Rosa e quem a busca está na “vagação, no rio no ermo”.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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