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Carlos Alberto Mattos

Crítico, curador e pesquisador de cinema. Publica também no blog carmattos

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A terra onde todos se chamam Aïnouz

"O Marinheiro das Montanhas" é uma história de abandono que Karim Aïnouz rememora sem rancor enquanto faz suposições sobre sua vida em circunstâncias diferentes

(Foto: Divulgação)
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Foi em 2019 que o cineasta Karim Aïnouz viajou pela primeira vez à Argélia, terra de seu pai. Na ocasião, foi tomado pelo desejo de filmar uma jovem artista e militante da luta popular em Argel, o que resultou no longa Nardjes A.. Mas seu propósito principal era outro. Ele queria conferir essa faceta de sua origem. Estava na capital de passagem rumo à região da Cabília, no norte do país. Quem sabe descobriria naquela paisagem montanhosa algum parente, algum traço seu, alguma coisa que o ajudasse a compreender Majid, o pai.

O Marinheiro das Montanhas é essa viagem, traduzida em imagens de grande subjetividade já a partir do trajeto de navio até Argel, quando a câmera do celular de Karim traduz o mal-estar de uma travessia desagradável. Assim seguimos pelas ruas e bares de Argel, onde ele estabelece tênues relações com passantes. Imagens de um transeunte: velozes, imperfeitas, de várias texturas e suportes, comentadas pela narração incessante do diretor em primeira pessoa.

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O dispositivo do filme é uma espécie de carta póstuma a sua mãe já falecida. Vez por outra, Fortaleza invade a tela como memória e possível aproximação entre as terras da mãe e do pai. A história do casal vai sendo recontada pelo filho em trânsito. Majid e Iracema se conheceram durante uma residência científica nos EUA. Apaixonaram-se e ela voltou ao Brasil grávida de Karim, na esperança de que Majid viesse se juntar a eles ou vice-versa, o que nunca aconteceu. Majid foi lutar na guerra da independência da Argélia, e Karim só foi conhecê-lo em Paris aos 18 anos. 

Uma história de abandono que o cineasta rememora sem rancor enquanto faz indagações e suposições sobre o que seria sua vida em circunstâncias diferentes. Até que chegamos, enfim, à aldeia de Tagmut Azuz, onde Karim vai descobrir que Aïnouz é um sobrenome mais comum do que imaginava. O que se segue deve ficar preservado como surpresa para quem ainda vai ver o filme. Basta dizer que é emocionante, poético, divertido, e se instala num ponto difuso entre o acaso e a fabulação. 

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Não é a primeira vez que Karim se debruça em filme sobre sua ascendência. O lado cearense já mereceu um curta, Seams, de 1993, em que ele documentou as memórias de sua avó e tias-avós num contexto de machismo e patriarcalismo (veja aqui, acionando as legendas em português). O Marinheiro das Montanhas – cujo título se refere à "calentura", uma alucinação dita comum a marinheiros – é um dos mais belos filmes do diretor de O Céu de Suely, Madame Satã, A Vida Invisível, Aeroporto Central e Viajo Porque Preciso, Volto Porque te Amo.

Uma curiosidade adicional: a luta pela independência da Argélia, lembrada aqui como o fato heroico que foi, legou ao país uma dinastia de opressores contra os quais se insurgia recentemente a geração de Nardjes A. Ao mostrar essas duas faces, Karim faz jus às complexidades da nação que poderia ser sua, não fosse um capricho do destino. 

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>> O Marinheiro das Montanhas tem lançamento previsto para este ano.

O trailer:

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