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Mauro Lopes

Mauro Lopes é jornalista, editor do Brasil 247 e apresentador do Giro das 11 na TV 247. Fundador do canal Paz e Bem, de espiritualidade aberta e plural.

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Alckmin e guerra entre Rússia e Ucrânia: a esquerda brasileira e a degradação do debate

Mauro Lopes pondera sobre a degradação do debate na esquerda brasileira nos temas Alckmin e guerra e o risco dessa deterioração para o desafio de outubro

Alckmin e Putin (Foto: ABr | Sputnik/Sergey Guneev/Kremlin via REUTERS)
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Por Mauro Lopes

A esquerda brasileira vem se engalfinhando há meses em torno da, nesta altura, quase certa candidatura do ex-governador e ex-tucano Geraldo Alckmin como vice de Lula. A partir de 24 de fevereiro iniciou-se uma nova frente de debates, ainda mais agressivos, quando de maneira surpreendente, Vladimir Putin determinou a invasão da Ucrânia. 

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Quanto a Alckmin, ele deve se filiar ao PSB na próxima semana,  a 10 dias do prazo final de mudança de partidos pela lei eleitoral. O anúncio da filiação consagra sua presença na chapa de Lula e a aliança entre o PT e os socialistas, que foi (ainda é) uma novela com avanços e recuos quase diários.

Quanto à guerra, o cenário é confuso. Os dois lados falam de paz, mas Zelensky não para de pedir e receber armas e a ofensiva russa segue em frente. Analistas preveem fim da guerra próximo de manhã e de tarde falam em prolongamento.

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Em que contexto e em quais condições acontecem esses debates?

As divergências na esquerda sempre aconteceram. E o calor nunca faltou, é histórico.

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Mas há dois fatores recentes que têm caracterizado as polêmicas. 

O primeiro é o contexto global e brasileiro diante do avanço da extrema direita. No Brasil, o golpe contra Dilma e, a seguir,  depois a eleição de Bolsonaro, inudou o país numa dinâmica de ódio na esfera pública jamais vista, nem mesmo no golpe de 1964. Os xingamentos, ameaças, agressões tornaram-se o cotidiano da luta política. Todas, todos e todes lembram-se quando a esquerda foi obrigada a guardar suas camisetas vermelhas nos armários sob risco físico nas ruas. 

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Com a vitória do golpe e, depois, de Bolsonaro, a lógica do ódio contaminou a cena nacional, incorporando as relações no interior da esquerda. O nível de acusações e ataques exacerbou-se criticamente ao longo dos últimos anos. 

Recentemente, temos visto como os debates no interior da direita, especialmente da extrema direita, são ainda mais belicosos -mas a distância no tom dos embates entre eles e nós é cada vez menor.

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O segundo fator que contribuiu para a degradação do ambiente no interior da esquerda e da sociedade como um todo: as redes sociais.

As redes nasceram no fim do século 20, mas se tornaram fenômenos de massas e transformaram o universo da comunicação -e das relações- em meados deste século. Foi em 2004, quando surgiram o Facebook e o Orkut. O Linkedin, surgido pouco antes, é uma rede profissional, segmentada. 

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Eram tempos otimistas, utópicos. Acredita-se que as pessoas comuns, os comunicadores independentes, teriam espaço sem precedentes, num ambiente de liberdade e capacidade de iniciativa. Isso, de fato, aconteceu por um tempo e em determinados espaços.

Mas o cenário mudou com os anos. As redes passaram a aprisionar e, mais recentemente, firmaram alianças estratégicas com os meios de comunicação "tradicionais" para reforçar o controle. 

Paralelamente a esse processo, no “andar de cima” das redes, as pessoas foram empurradas no cotidiano das conversas para os chats dos sites e redes e nos grupos de whatsapp. Sem contato interpessoal, com a proliferação de perfis baseados em apelidos, o processo de descompromisso com o nível do debate, do respeito e das relações aprofundou-se. O fenômeno foi agravado pelo isolamento da pandemia.

Os debates foram sendo substituídos pelos xingamentos dos segmentos que enxergam-se mais à esquerda - no caso, os que são anti-Alckmin e pró-Putin.

Quem defende a aliança com Alckmin é “traidor” e desde já um “cúmplice” do golpe que, inevitavelmente, na visão desse grupo, virá depois da eleição Lula-Alckmin. 

Quem tem posição minimamente crítica à invasão russa é “pró-Otan”, “comentarista da GloboNews”, “traidor” (a palavra é recorrente), “agente da CIA”. 

Nas redes, quem defende as posições com as quais se concorda, é “profundo”. Quem não, é “raso”. Só se aceitar ouvir as vozes de confirmação daquilo que a pessoa pensa previamente. É a negação absoluta do diálogo, que pressupõe escuta aberta e permeável à outra pessoa.

Há ainda, diariamente, palavrões de todo tipo. 

Uma característica estrutural dos meios de comunicação de massa é o desenho da realidade como se fosse um conto de fadas. Sempre há um bandido, sempre há um herói. Quando pensávamos que as redes sociais admitiriam abertura à complexidade, elas acabaram reduzindo tudo à mesma lógica. Ponderação tornou-se peça rara. Os ouvidos fecharam-se. E a agressividade dirigida a quem é de esquerda e discorda é até maior ainda que a dirigida a Bolsonaro ou a qualquer personagem da extrema direita. Uma torrente.

Algumas pessoas são poupadas nesse pântano.

Lula. Ele é o idealizador e articulador da chapa com Alckmin. No início das conversações, inventou-se uma narrativa de que era tudo “invenção” e, depois, que Lula estaria “sendo forçado” à aliança. Como se viu com o tempo, ele é o roteirista e protagonista do enredo com o ex-governador. Mas é poupado dos xingamentos - quem vai querer se incompatibilizar com aquele que pode ser o próximo presidente da República? O que mostra que essa onda não é “irracional”. Tem ódio e cálculo.

Lula e o embaixador Celso Amorim são também poupados no caso da guerra. Desde o dia da invasão, ambos levantaram suas vozes contra a ação russa. Ambos, como todos as pessoas de esquerda que acompanham a evolução dos combates, são lutadores históricos contra as guerras e a virulência sanguinária com a qual os Estados Unidos fizeram seu poder imperial, agora decadente. Mas nem por isso Lula e Amorim deixaram de condenar Putin. Mais uma vez, poupados dos xingamentos. Não por coincidência. 

A questão é: a esquerda brasileira está diante de um desafio sem tamanho diante de si. A reeleição de Bolsonaro poderá ser um golpe de morte na democracia brasileira e um período ainda mais terrível que o vivido desde o golpe contra Dilma.

A pergunta que se faz é: a esquerda ficará se dilacerando até lá?

Como observou o professor Mathias Alencastro no Giro das 11 da pós-TV 247 na última terça-feira (15), “o preço de tantos conflitos pode ser o de chegarmos a outubro estourados”.

Retomar um diálogo minimamente respeitoso não quer dizer abrir mão de nada, de nenhuma ideia ou princípio, mas de olhar o cenário com realismo e não permitir que a esquerda renda-se à lógica destrutiva da extrema direita e das redes sociais. 

Quanto a Alckmin, agora que anunciou sua filiação ao PSB e, com isso, selou a aliança com Lula, os ataques brutais a ele e aos que no PT e na esquerda defenderam e defendem a chapa servirão de algo? Não seria mais produtivo entrar no que importa, o debate do programa de governo?

Quanto à guerra, Alencastro propôs uma plataforma mínima de quatro pontos que possa unificar a esquerda: 1) Condenação da Otan e da sua política; 2) denúncia do caráter ilegal da invasão da Rússia, que violou os conceitos básicos do direito internacional (posição que vale para condenar a ação de qualquer potência que realize ações como a russa e as que marcaram a história recente dos EUA, por exemplo); 3) assumir a  posição histórica do Brasil de defesa da Paz; e 4) fazer a defesa de uma solução pacífica democrática para todos os povos. Provavelmente nenhum dos lados em disputa concorda integralmente com esses pontos. Mas eles poderiam evitar a degradação cotidiana das relações. 

É um começo, diante da tarefa hercúlea de derrotar Bolsonaro. Ademais, cumpre alertar que: 1) se derrotarmos Bolsonaro, não será o fim do bolsonarismo. A oposição ao possível governo Lula será marcada por uma atuação golpista desde o primeiro dia. Será, efetivamente, uma guerra; 2) se Putin obtiver a rendição da Ucrânia, isso não significará o colapso final da Otan nem dos Estados Unidos. Haverá muito à frente.

La nave va. 

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