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André Luiz Furtado

Professor de matemática da UERJ

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Alckmin na Vice-Presidência: dez falácias e uma ilusão

Seu projeto de nação e visão do que deve ser o Estado brasileiro são a antítese daquele pregado e implementado pelo PT e por Lula quando este presidiu o país

(Foto: REUTERS/Adriano Machado)
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Falácias

As falácias rebaixam a qualidade do debate e obstaculizam o diagnóstico correto da tese discutida. Por isso, é fundamental conhecermos bem essas ardilosas inimigas do discernimento, sob pena de que paguemos, ou de que terceiros paguem, pelos enganos a que elas nos conduzem. 

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Falácias são falhas no discurso argumentativo. Em geral, são sutis e difíceis de perceber e, por isso, fazem parecer com que a tese defendida pela argumentação falaciosa foi provada, quando na verdade não foi. 

As falácias se apresentam em variadas formas e muitas delas, de tão comuns, já receberam nomes. Algumas das mais famosas são: a falácia do espantalho, a falácia da falsa causa, a falácia da falsa equivalência e a falácia do apelo à autoridade. Mas existem muitas outras.

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Contexto: Alckmin na vice-presidência

Atualmente existe um debate em torno da possibilidade de Alckmin vir a compor, como candidato a vice-presidente do Brasil, a chapa presidencial com Lula. 

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O tema é polêmico, pois Alckmin construiu sua carreira política, incluindo duas disputas presidenciais, como um destacado representante do campo político oposto ao de Lula e PT. Seu projeto de nação e visão do que deve ser o Estado brasileiro são, em aspectos essenciais, a antítese daquele pregado e implementado pelo Partido dos Trabalhadores e por Lula quando este presidiu o país.

No entanto, curiosamente, e para a perplexidade de muitos, parte significativa dos jornalistas, analistas políticos e políticos profissionais, que até recentemente criticavam e denunciavam as políticas, propostas e ações de Alckmin, agora apoiam de maneira entusiasmada a tese de que ele deve ser o vice-presidente do Brasil.    

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Análise de alguns argumentos que defendem Alckmin na vice-presidência 

Como alguém que julga que seriam graves as consequências de que se materialize a possibilidade de que Alckmin se torne o vice-presidente do Brasil, analisei cuidadosamente os argumentos mais frequentes e mais difundidos em defesa de tal tese.

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E o que concluí sobre o que li e ouvi é que todos esses argumentos são falaciosos. Sem exceção.

Abaixo, apresento algumas das falácias percebidas. Para cada caso, início com uma breve descrição genérica da natureza da falácia em questão e na sequência apresento um exemplo meramente ilustrativo seguido da apresentação e crítica do argumento falacioso utilizado na defesa da tese de que “Geraldo Alckmin deve ser o candidato a vice-presidente do Brasil na chapa com Lula”.      

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Falácia do Espantalho

Um debatedor incorre no uso da falácia do espantalho quando, ao invés de refutar a afirmação defendida pelo outro debatedor, ataca uma distorção, uma caricatura daquela afirmação. Funciona como se num embate entre dois oponentes, um deles criasse um espantalho, e no lugar de atacar o seu adversário de carne e osso passasse a destruir impiedosamente o pobre homem de palha.

Exemplo 1 

A: É importante ter o Dia da Consciência Negra. 

B: Discordo! É inadmissível o que vem ocorrendo nos dias atuais, a marginalização do homem branco é inaceitável!

Exemplo 2

A: Alckmin não deve ser o vice-presidente do Brasil.

B: Discordo! Temos que fazer política com realismo e sem purismos. Se não conversarmos com quem apoiou o golpe ou até com golpistas não conversaremos com ninguém e assim não se pode fazer política no mundo real.

Crítica: A não disse que não se deve conversar com ninguém nem nada parecido com isso. O que A disse foi, muito claramente, que Alckmin não deve ser o vice-presidente do Brasil. É uma afirmação muito bem delimitada e específica e que não foi contestada por B. O que B contestou foi uma afirmação que ele mesmo criou (um “espantalho”) e que implícita e sub-repticiamente imputou a A

Falácia da Causa Falsa

Estabelecer artificial e arbitrariamente relação de causa e efeito entre eventos somente porque eles ocorreram concomitantemente ou em sequência cronológica. 

Exemplo 1

Eu tive Covid, tomei cloroquina e me curei. Logo, eu me curei da Covid porque tomei cloroquina.

Exemplo 2

Alckmin deve ser o vice-presidente do Brasil porque sempre que os candidatos do PT à presidência do Brasil perderam as eleições seus candidatos a vice eram de centro-esquerda ou esquerda e quando os candidatos do PT ganharam as eleições seus candidatos a vice eram de centro-direita ou direita.

Crítica: as variáveis que fizeram com que os candidatos do PT perdessem/ganhassem as eleições que perderam/ganharam são infinitamente mais complexas e variadas do que o campo político dos candidatos à vice naquelas ocasiões. Por exemplo, as conjunturas políticas e econômicas, nacional e internacional, à época das eleições.  

Falácia da Falsa Equivalência

Equiparar pessoas, eventos ou objetos que compartilham algumas características, mas que são essencialmente distintos. 

Exemplo 1

Lula e Bolsonaro cativam corações e mentes, logo podemos equiparar Lula e Bolsonaro. 

Exemplo 2

Zé Alencar foi um político centrado, cordial no trato pessoal, mantinha fortes conexões com a classe dominante nacional e foi um excelente vice-presidente de Lula. Consequentemente, como Geraldo Alckmin é um político centrado, cordial no trato pessoal e mantém fortes conexões com a classe dominante nacional, ele também seria um excelente vice-presidente de Lula.

Crítica: muito além das poucas e superficiais peculiaridades em comum citadas acima, estão as diferenças entre Zé Alencar e Geraldo Alckmin. Por exemplo, 1) Zé Alencar, ao contrário de Alckmin, não tinha como projeto pessoal de vida tornar-se presidente do Brasil; 2) Zé Alencar, ao contrário de Alckmin, não passou toda a sua vida política atacando Lula e o PT e 3) Zé Alencar, ao contrário de Alckmin, não dedicou sua vida política a implementar no Brasil um projeto nacional oposto àquele defendido e realizado por Lula e o PT.   

Falácia do Apelo às Consequências Desejadas

Argumentar que uma afirmação é correta a partir da pressuposição de que o que ela expressa traria consequências desejáveis sem que se tenha dados confiáveis de que essas consequências de fato ocorrerão.  

Exemplo 1

A comercialização da cocaína deve ser legalizada, pois isso fará com que se diminua a violência nas grandes cidades. 

Exemplo 2

Geraldo Alckmin deve ser o vice-presidente do Brasil, pois isso quebraria a resistência contra Lula dos setores da sociedade que são potencial e historicamente golpistas.  

Crítica: não há nenhuma informação que demonstre de maneira minimamente objetiva que os setores golpistas da sociedade abrandarão sua resistência ao Lula (que conhecemos), caso Alckmin seja o primeiro na linha sucessória presidencial. Não há, por parte dos representantes desses setores, nenhuma declaração, direta ou sutil, nesse sentido. 

E pior, quando se olha para o passado bem recente, o que vemos? Quando tivemos um vice-presidente que possui várias daquelas características de Alckmin, e que supostamente quebrariam a resistência contra Lula, o que vimos? Isso serviu de resistência contra os golpistas? Ou, pelo contrário, os instigou em sua sanha por retomar o controle do Estado brasileiro?

Falácia do Apelo às Emoções

Ocorre quando, em um discurso argumentativo, em vez de se centrar a defesa de uma tese em argumentos racionais se apela primordialmente, ou exclusivamente, para as emoções do ouvinte/leitor.

Exemplo 1

O José deve ser o próximo presidente do Brasil porque estou com medo. Fazia tempo que eu não tinha esse sentimento e eu sinto que se o Luiz ganhar essa eleição vamos perder tudo que já foi conquistado.  

Exemplo 2

Pelo povo e pelo país, contra o fascismo, devemos aceitar que Alckmin seja o próximo vice-presidente do Brasil. Vivemos uma situação muito triste e ele será um escudo de Lula em 2022. 

Crítica: Aqui tem-se um caso de discurso argumentativo que apela unicamente às emoções. Em particular, ao medo. Nesse pequeno discurso, em nenhum momento foi dito contra o quê Alckmin seria um escudo e tampouco de que maneira ele seria esse escudo, justamente ele que tem um denso histórico como adversário ferrenho de Lula, do PT e do projeto nacional que eles representam.

Falácia do Falso Dilema

Consiste em defender uma afirmação contrapondo a ela uma segunda afirmação, indesejável, absurda ou impraticável, como se fosse a única alternativa àquela afirmação que se defende.   

Exemplo 1

Não devemos adotar medidas de restrições sociais para a prevenção contra a Covid-19 pois, se o fizermos, a economia será destruída e o número de pessoas mortas será muito maior. 

Exemplo 2 

Como no momento não há condições de se fazer uma revolução popular no Brasil, então devemos aceitar que Alckmin seja o nosso vice-presidente.

Crítica: Existe uma amplíssima gama de possibilidades sensatas entre os dois extremos que são revolução popular e Alckmin vice-presidente.  

Falácia Anedótica 

Para defender uma tese de caráter objetivo, coletivo, geral ou impessoal utiliza-se primordialmente, ou exclusivamente, experiências e sensações pessoais ou subjetivas.

Exemplo 1 

Meu vizinho, que é criacionista e acha que a Terra é plana, me trata muito bem e parece ser uma pessoa muito cortês e por isso eu acho que ele deve ser o diretor pedagógico do colégio onde meus filhos estudam porque os ânimos estão um tanto agitados por lá e acredito que ele vai acalmar o pessoal. 

Exemplo 2 

Alckmin deve ser o vice-presidente do Brasil, pois ele é uma pessoa polida e cordial que se parece com meus amigos.  

Crítica: embora louváveis, qualidades como polidez, amabilidade e cordialidade são absolutamente insignificantes para se avaliar se alguém deve ou não ser o vice-presidente de um país. O importante é levar em conta o que pensa e defende sobre temas como projeto de país, soberania nacional, política internacional, desigualdade social, etc.

Falácia da Genética

Argumento que consiste em fundamentar a defesa de uma tese na origem da mesma e não nas suas virtudes.

Exemplo 1: O processo de colonização das Américas e da África foi extremamente positivo, pois foi conduzido pelos países mais desenvolvidos à época.

Exemplo 2: A ideia de que Alckmin seja vice-presidente do Brasil é boa porque surgiu no PT.

Crítica: Todos erram. 

A tempo: o que veio a público foi que a ideia de conversar com figuras do PSDB e do PDT surgiu no PT. Repito: conversar. Ainda não veio a público a informação de que a ideia de que Alckmin seja o vice-presidente tenha surgido no PT. 

Falácia da Pergunta Carregada 

Ao invés de refutar a tese do oponente com argumentos racionais, inquire-se o mesmo com uma pergunta do tipo retórica que visa constrangê-lo. 

Exemplo 1 

A: O impeachment de Dilma foi golpe.

B: Então você acha que sabe mais de leis que o STF, que acompanhou e aprovou todo o processo?!

Exemplo 2

A: Alckmin não deve ser o vice-presidente do Brasil.

B: Então você acha que tem mais faro político que Lula?!  

Crítica: muito provavelmente, os que acham que Alckmin não deve ser o vice não se julgam mais sabedores de política que Lula, somente ainda não se depararam com argumentos suficientemente consistentes para provar-lhes que estão equivocados. 

A tempo: até o momento não veio a público nenhuma declaração de Lula dizendo que apoia que Alckmin seja o seu vice. 

Falácia do Apelo à Autoridade 

Constitui-se em, para defender uma tese, se restringir à exaltação do autor ou de um defensor da mesma sem deter-se na análise da tese em si.

Exemplo 1 

Foi correto manter Lula preso por 580 dias, pois os juízes que assim decidiram possuem um alto saber jurídico.

Exemplo 2   

Alckmin deve ser o vice-presidente do Brasil, pois Lula sabe o que faz.

Crítica: Todos erram. 

A tempo e mais uma vez: até o momento não veio a público nenhuma declaração de Lula dizendo que apoia que Alckmin seja o vice.

Conclusão

Depois de tudo isso dito, e em respeito à honestidade intelectual, é preciso salientar que ainda que o argumento que defende uma tese seja falacioso, isso não significa, necessariamente, que a tese seja falsa(*). É preciso mais para concluirmos pela falsidade de uma tese, sob pena de, fazendo o contrário, incorrermos na falácia da falácia. 

Mas, no caso da tese analisada aqui, isso já foi explorado em artigos anteriores.

Por fim, sigo na mesma posição desde que se iniciou esse debate: aguardando que se demonstre de maneira minimamente consistente que acreditar que seria bom termos Alckmin como nosso vice-presidente não seja uma perigosa ilusão. 

(*) A lua é um grande queijo e os humanos são peixes. Logo, o Brasil é um país com grande desigualdade social.  

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