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Ricardo Nêggo Tom

Cantor, compositor, produtor e apresentador do programa Um Tom de resistência na TV 247

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Anielle Franco e o racismo ambiental que a branquitude finge não conhecer

A injustiça ambiental no Brasil tem cor e a opressão e exploração do capital tem um alvo bem definido

Ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco (Foto: Divulgação)
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As chuvas que castigaram o Rio de Janeiro neste final de semana evidenciaram um problema que há anos se arrasta sem solução e sem vontade do poder público para solucioná-lo. Os moradores das áreas mais pobres do estado, que são majoritariamente pessoas pretas, são as principais vítimas das enchentes. Regiões onde o Estado abandona a própria sorte, por não se tratarem de localidades resididas por quem possa ser considerado gente, de fato e de direito, dentro da concepção estruturalmente racista que temos em nossa sociedade. O racismo ambiental é uma realidade que atinge as populações mais vulneráveis, que são aquelas que mais sofrem com os efeitos dos problemas ambientais em função da desvantagem econômica e, consequentemente, racial, uma vez que a parcela mais pobre da população brasileira é preta.

Quando o reverendo protestante e ativista afro-americano, Benjamin Franklin Chavis Jr, que foi secretário de Martin Luther Kink durante a luta pelos direitos civis dos negros nos USA, cunhou a expressão “racismo ambiental”, ele denunciava que a degradação ambiental tinha um alvo preferencial, que era a população negra norte-americana, negligenciada pela falta de investimentos em saneamento básico nas regiões onde eram maioria. Essas áreas também eram utilizadas para despejos de resíduos tóxicos e nocivos à saúde daquela população. Quando falamos em grilagem ou exploração ilegal de terras indígenas, por exemplo, também estamos falando de racismo ambiental. A omissão do Estado diante do aumento das comunidades em regiões periféricas e a sua ausência administrativa frente a construção de casas em área de risco, também é racismo ambiental, pois ignora as consequências que tais edificações podem trazer ao meio-ambiente e às pessoas que nelas irão habitar.

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Observemos com atenção qual a cor predominante das pessoas que aparecem nas imagens, praticamente submersas, sendo arrastadas pelas águas das chuvas ou desabrigadas após uma enchente no Rio de Janeiro. A explicação é simples e continua sendo reflexo da política escravocrata que aqui vigorou por quase quatro séculos, culminando com um pós-abolição onde os africanos escravizados tiveram que se abrigar em regiões precárias e distantes dos grandes centros, por não ter havido uma política de reparação aos danos sociais e humanos que a escravização lhes causou. É inegável que algumas comunidades sofrem mais com a crise climática do que outras, e os impactos dos desastres ambientais provocados por essas mudanças acabam pesando sobre elas. Qual o número de desabrigados em Copacabana, Leblon e adjacências, em comparação com bairros da Zona Norte e Baixada Fluminense? Quantos moradores ou lojistas das ruas da zona sul carioca perderam seus móveis ou tiveram suas propriedades invadidas pelas enchentes?

Ainda sob a égide das causas naturais, os danos ambientais são desiguais entre as classes. Algo que escracha a desigualdade socioambiental e racial na estrutura do país. Quando as escolas municipais e colégios estaduais das zonas mais pobres e periféricas das cidades deixam de receber investimentos do Estado, provocando um sucateamento proposital na educação pública dessas localidades, isso é racismo ambiental. Basta observarmos a diferença de tratamento destinado às escolas públicas situadas em áreas mais nobres. O mesmo vale para hospitais e outros serviços públicos que funcionam melhor em regiões onde o IPTU é mais alto. Quantas ruas sem asfalto temos na Zona Leste de São Paulo e quantas temos em Alphaville? Quantos postes sem lâmpadas temos em Nova Iguaçu e quantos temos em Ipanema? Quantos aterros sanitários ou indústrias poluentes temos em São Conrado e quantos tempos em Queimados? Como a Polícia trata os moradores dos jardins e como ela trata os moradores da periferia?

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Embora a branquitude bolsonarista tenha atacado a Ministra Anielle Franco, após ela citar o racismo ambiental como o responsável pelas enchentes nas áreas mais pobres, essa mesma branquitude é quem fomenta esse racismo territorial por não querer coabitar na mesma região da classe trabalhadora. O máximo de proximidade que admitem com os mais pobres em “seus espaços”, é tê-los como os serviçais que mantêm suas privadas limpas e o seu comércio funcionando e faturando. Com a forte intervenção do capital financeiro na natureza, destruindo bens naturais e expondo o meio ambiente a uma ação mais forte das intempéries, a degradação ambiental se agrava nessas áreas mais pobres e resulta em um número cada vez maior de vítimas desses acontecimentos. A necropolítica estatal acaba por legitimar e legalizar novos métodos de exploração de terras em áreas que deveriam ser ambientalmente preservadas, para expandir fronteiras econômicas e produzir novos mecanismos de injustiça social e racial, que afetam diretamente o habitat e a vida das pessoas.

Enquanto deveriam estar preocupados com o número de desabrigados em função das fortes chuvas, muitos estão preocupados em questionar a existência do racismo ambiental na sociedade ou classificá-lo como mais uma forma de vitimismo identitário. Precisamos debater certas questões de modo mais sério, abrindo mão da infantilidade ideológica que a quinta série deixou em nossa capacidade de interpretar textos e respeitando os fatos que estão bem diante dos nossos olhos. A injustiça ambiental no Brasil tem cor e a opressão e exploração do capital tem um alvo bem definido. É importante demarcar essa questão para que não caiamos no mito da democracia racial (e também ambiental) que visa esconder a natureza do racismo produzido no país. É preciso também falar do processo de gentrificação de alguns bairros e localidades urbanas, de onde as populações pretas e indígenas são retiradas para que o branqueamento da área a torne mais valorizada. O racismo ambiental é mais uma maldita herança do colonialismo nesse país estruturalmente racista.

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