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Eric Nepomuceno

Eric Nepomuceno é jornalista e escritor

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Anotações de um confinado (III)

"Desta vez, a angústia extrema não se deve à vida real, palpável, mas a algo que ninguém vê, ninguém sabe como derrotar. É uma sensação que nunca tive", escreve Eric Nepomuceno, sobre suas percepções durante a quarentena

(Foto: Reprodução)
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A vida oscila como nunca, e de uma forma inédita. 

Desta vez, a angústia extrema não se deve à vida real, palpável, mas a algo que ninguém vê, ninguém sabe como derrotar. Como tentar evitar, sim: a única saída é ter lucidez e ficar em casa. Mas derrotar, impedir, não tem como, ao menos por enquanto.

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É uma sensação que nunca tive. Uma coisa é escapar de uma ditadura como a de Videla na Argentina de 1976, uma coisa é estar numa lista de condenados por um esquadrão da morte de um país da América Central em plena guerra civil, e outra, muito diferente e distante, é o que enfrento e enfrentamos agora.   

Pois já que alguma coisa tem de ser feita para aliviar a monotonia do isolamento e a agonia deste país náufrago, devo confessar que ando tendo alguma sorte. E por várias razões. 

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A primeira delas é que há mais de vinte anos trabalho em casa. Portanto, estou acostumado com essa rotina. 

Alivia, é verdade, mas não resolve. 

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Dia sim, dia não, saio para caminhar, respirar um ar de uma pureza absoluta, ver o verde e agradecer o sol (quando ele aparece). E duas vezes por semana vou até o centrinho de Araras, aqui em Petrópolis, comprar frutas, verduras e algum vinho. 

Isso ajuda, mas não ver amigos e amigas não porque não vejo, mas porque não posso, tem um peso estranho, inédito para mim.

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Outros alívios: um fraterno amigo cineasta está escrevendo um livro no refúgio de seu apartamento do bairro de Laranjeiras, lá no Rio, e me manda as 18 primeiras páginas do que chama de “rascunhão” e pede observações. “Leia sem piedade, meu irmão”, diz ele. 

E foi o que fiz. Não uma, e sim três vezes. 

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É um texto duro, vertiginoso. Mandei minhas observações, e agora estou à espera de que ele despeje mais material no meu correio eletrônico. 

Uma atriz amiga, casada com um artista visual também amigo, me pede que leia uma peça do formidável, imenso dramaturgo espanhol Sanchis Sinisterra. 

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Conheço o autor há quase trinta anos, traduzi três peças dele, estou lendo com redobrada atenção. Por sorte, o texto é longo.

Um outro amigo se refugiou em Itaipava, há uns vinte minutos aqui de casa. Não sei se anda trabalhando, e se estiver não sei em quê. 

Com ele ando trocando receitas de cozinha. Dia desses mandou uma de um pesto que deve ser de altíssimo nível. Dia desses experimento fazer.

E de repente, não tem como escapar, volto a lembrar de uma outra realidade, terrível, espantosa, a que ora paira sobre nós, ora nos rodeia e sufoca.

O cenário tenebroso mundo afora, amigas e amigos na Espanha, em Portugal, na França, nos Estados Unidos, amigos espalhados por toda essa nossa América, um sobrinho no Canadá, uma sobrinha em Luxemburgo. 

São distâncias que num átimo se estenderam ao infinito. 

E aí, claro, torno, todo dia, a me assombrar com um desastre ambulante chamado Jair Messias, e pronto: sou coberto por uma onda de iracunda indignação, que vem salpicada de angústia.

Então, a saída para a alma é começar a preparar o jantar. Noite dessas foi pasta i fagioli. Perdi a mão, foi um desastre. 

Hoje, nem ideia. Amanhã, menos ainda...  

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