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Ronaldo Lima Lins

Escritor e professor emérito da Faculdade de Letras da UFRJ

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Antes de partir

Michelle e Jair Bolsonaro (Foto: Reprodução)
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Situações trágicas às vezes se transformam em cômicas, levando o público a rir como se estivesse cansado de sofrimento e desejasse se livrar dele. É assim no filme norte-americano, de 2007, Antes de partir, na tradução brasileira, com Jack Nicholson e Morgan Freeman, nos papéis de doentes terminais, presos pela distração de formular uma lista que lhes preencha os desejos. Com as devidas proporções, a cena lembra o episódio de Bolsonaro e Michele, despedindo-se do Palácio do Alvorada, do qual devem se mudar, agora com urgência, para liberar a moradia com vistas a seus novos ocupantes. Ela se ajoelha e chora; ele, igualmente, invadido pela comoção, não consegue secar as lágrimas que escorrem em seu rosto em cascatas de tristeza. Nada poderia haver de mais patético, considerando que fizeram de tudo, inclusive manipular as verbas do país, para garantir mais quatro anos de boa vida. Da parte dos dois, não se trata de um rompimento absoluto com o passado, pois ainda prometem aprontar aqui e ali para esticar a corda das antipatias com as quais, como num rosário, infernizaram a paciência da nação. 

Os caminhões de mudança, carregados de tralhas de arte de quinta categoria (quadros com a própria figura do ex-presidente ostentando a sua beleza ao lado dos olhos de um Cristo perplexo), foram sem deixar saudades. Concluída a fase, impõe-se a pergunta: como nos revelamos capazes de aguentar tipos de tal vulgaridade, nós que já tivemos Villa Lobos, Oscar Niemeyer, Portinari, Heitor dos Prazeres e tantos outros? E não venham dizer que essas excrecências fazem parte da democracia... Um homem como Lula, simples torneiro mecânico, crescido com oito irmãos e filho de mãe solteira, muito inteligente, exibe rios caudalosos de boa educação e sensibilidade. Também não se pode culpar a força dos infortúnios que nos acometeram de uns tempos para cá. Numa Caixa de Pandora se escondem monstros, há muito sabemos. Ao golpe contra Dilma Rousseff, uma política honesta, sucederiam inevitavelmente aventureiros e ignorantes. É a ordem natural das coisas...

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No filme de Rob Reiner, acima citado, os dois hospitalizados se agarram a seus desejos porque sabem que a existência lhes escapa. É a compensação que imaginam usufruir, enquanto não desaparecem. Jair Bolsonaro e Michele caminham para trás, para as névoas densas do passado. Não conseguem imprimir rastros em nossa mente, pois remetem a fatos doloroso, como a morte de cerca de setecentas mil pessoas que foram objeto de riso e abandono, condenadas ao desenlace por escandalosa negligência. Parece tarde demais, hoje, para remover tais fragmentos da memória. 

Como dizia Lawrence, o escritor inglês, a respeito dos massacres de povos originários na América, um dia os mortos se erguerão e obcecarão os vivos. E então não adianta frequentar igrejas e ajoelhar mil vezes, ou provocar manifestações nas portas dos quartéis. Os fantasmas girarão em torno dos culpados e pedirão justiça. Felizmente, o ministério que se insinua no novo governo pode ser o bastante para virar a página. Como diz Gabriel García Márquez, “é a vida, mais do que a morte, a que não tem limites”.

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