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Marilza De Melo Foucher

Economista e jornalista. Colabora com o Brasil 247 e outros jornais no Brasil, é colaboradora e blogueira do Mediapart em Paris

75 artigos

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As esquerdas desunidas na França e seus eleitores desiludidos

(Foto: RFI)
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A maioria dos candidatos(as) está em campanha há vários meses na França, já tendo sido efetivadas as primárias no partido ecologista e na direita republicana. No Partido Socialista (social democracia), a escolha dos candidatos foi realizada por voto interno, outros partidos de esquerda também tiveram seus candidatos designados. Como costuma acontecer nas eleições presidenciais, a extrema esquerda será representada por candidatos que já se apresentaram em 2012 e 2017. Pela terceira vez, Nathalie Arthaud, porta-voz de Lutte Ouvrière (LO), e Philippe Poutou, sindicalista e Vereador, na cidade de Bordeaux, pelo Novo Partido Anticapitalista (NPA) estarão diante de seus fiéis eleitores. 

De acordo com as recentes sondagens, incluindo pesquisas de opiniões, os candidatos de esquerda, Jean-Luc Mélenchon, Fabien Roussel, Arnaud Montebourg (acaba de desistir), Anne Hidalgo, Christiane Taubira e Yannick Jadot, somando-se aos poucos votos da extrema esquerda não ultrapassam os 26%.  Se as previsões forem confirmadas, esta será a pior campanha presidencial da esquerda dos últimos pleitos eleitorais.

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Apesar das previsões, os grandes partidos de esquerda parecem não estar mais batalhando pela vitória, apostando tão somente na própria sobrevivência. Alguns de seus eleitores já parecem resignados, preparando-se para o “voto útil”. As opções oscilam entre votar em Macron mais uma vez, para bloquear a extrema-direita, desde o primeiro turno, ou possivelmente votar em Pécresse para destituir Macron. Alguns já internalizaram esta derrota. Na realidade, existe um desmoronamento das forças de esquerda. As pesquisas de opinião indicam apenas uma porcentagem muito baixa para a escolha de candidatos socialistas que anteriormente dominavam os territórios de esquerda. A candidatura da prefeita de Paris, Anne Hidalgo não decola, enquanto Christiane Taubira, ainda não causou o impacto necessário para remobilizar a esquerda. 

Dividida, a esquerda francesa desorienta seus eleitores, não conseguindo mais a adesão das camadas populares que nela sempre votaram. Segundo informações recentes do instituto de sondagem IFOP, a esquerda hoje só mobiliza 36% de votos nos redutos eleitorais históricos. Hoje os bairros periféricos das cidades francesas e outros bairros designados como populares estão marcados pelo desemprego, pobreza, insegurança e ausência de serviços públicos. Muitos eleitores residentes em bairros de classe trabalhadora que votavam no Partido Comunista foram atraídos pelos candidatos de extrema-direita que culpabilizam os migrantes pela desclassificação social, pela degradação do local de moradia, pela insegurança. Existe um desencanto pela República Francesa e o seu modelo social. O único candidato de esquerda que resiste em popularidade, nesses territórios abandonados da República Francesa é Mélenchon, seguido de outros da extrema esquerda. Todavia, até agora nada indica que Mélenchon chegue ao segundo turno. Hoje a disputa eleitoral ocorre entre o centro-direita (Emmanuel Macron (28%), a direita republicana Valérie Pécresse (18%) e os dois candidatos de extrema direita Marine le Pen (18%) e Eric Zemmour 13%. O candidato Mélenchon se encontra apenas com 9% de intenções de voto.

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Diante da falta de inciativa dos candidatos para buscar convergências entre programas e se unirem para frear o avanço dos concorrentes da extrema direita e da direita, em fevereiro de 2021, foi lançada a Primária Popular. O objetivo era definir uma base comum, coletivamente construída, inspirada nas demandas dos movimentos sociais dos últimos anos, entre os quais (os coletes amarelos, juventude pelo clima, lutas sociais, feministas, antirracistas, sindicatos etc.). Também organizações da sociedade civil, bem como os partidos políticos, reunidos no Conselho de Partidos com representação de todos os que se identificam com a esquerda e a ecologia. Esta Base Comum fundamentou-se numa simples constatação: Há mais coisas em comum do que aquilo que divide. Trata-se de 10 propostas inovadoras para mudar a vida das pessoas assim resumidas:

Uma grande lei de transição alimentar para a agricultura camponesa e ecológica; Uma verdadeira lei climática para converter nossa economia e apoiar nossas empresas na transição; Permitir que todos cubram suas necessidades essenciais; Um emprego e um salário justo para todos; investir massivamente no setor social, principalmente em saúde e educação; Resgatar o poder aos trabalhadores e trabalhadoras; Um “big bang” para uma tributação mais justa e ecológica; Restaurar a confiança em nossa democracia por meio de medidas de emergência; Caminhar rumo a uma sexta república ecológica com o fim da monarquia presidencial; A reconquista e expansão de nossas liberdades.

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Os jovens militantes que foram os protagonistas desta inciativa se proclamam independentes de partidos políticos da esquerda. Hoje eles confirmaram 467 mil inscritos para uma votação de "investidura", prevista para 27 a 30 de janeiro, que deve decidir entre sete personalidades pré-selecionadas. Jean-Luc Mélenchon, Yannick Jadot e Anne Hidalgo recusaram-se, no entanto, a participar e viram-se sujeitos ao voto contra sua vontade. Ressalta-se que esta iniciativa se encontra longe da Primária Cidadã de 2017 do Partido Socialista e aliados (2 milhões) ou daquela organizada pela direita e pelo centro no mesmo ano (4,4 milhões).

Falta um pouco mais de 3 meses para a eleição presidencial que acontecerá nos dias 10 e 24 de abril de 2022. Dia 4 de março as inscrições se encerram. Cada candidato deve obter o patrocínio de 500 personalidades eleitas (prefeitos, deputados, senadores, conselheiros regionais e departamentais etc.) para ter direito a participar do processo. Posteriormente, os candidatos serão oficializados pelo Conselho Constitucional.

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Como reacender das cinzas as chamas dos valores de esquerda

A questão que hoje se coloca é a seguinte: Por que os porta-vozes dos grandes partidos de esquerda deixaram de ir ao encontro das camadas populares? Como mobilizar os jovens moradores de bairros populares que mesmo sendo próximos dos ideais da esquerda, não tem nenhuma motivação para ir às urnas?  

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O interessante de observar nesta última pesquisa de opinião é que as principais preocupações das camadas populares são: poder aquisitivo; proteção social; segurança; imigração, meio ambiente, emprego, desigualdades sociais, educação e formação. Outros itens, como a luta contra o terrorismo, fiscalidade, dívida e déficit do Estado, moradia, Europa, mundialização são demandas menos importantes. As temáticas de maiores prioridades são muito mais próximas da esquerda do que as da extrema direita e da direita conservadora, com exceção da abordagem sobre a imigração.

Todos os eleitores de esquerda clamam por união, mas ela parece longínqua, dia após dia. O pior é que nenhum desses candidatos está obviamente em condições de se classificar para o segundo turno, notícia que não é favorável para a esquerda. 

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Não é a primeira vez que a morte da esquerda é decretada! Para reacender a chama de suas cinzas, a esquerda francesa deve reconquistar os territórios onde se encontram hoje os invisíveis da República Francesa, os eleitores que desistiram de exercer sua cidadania por decepção com a política. Os partidos de esquerda devem procurar entender por que os símbolos mais fortes da República Francesa (liberdade, igualdade e fraternidade) perderam o sentido nesses territórios que hoje acumulam pobreza, desemprego e desespero. Daí o descontentamento político e o desencanto que aumenta a cada eleição. 

A reconstrução de laços rompidos com seu eleitorado, não se faz com think tanks, mas por meio do contato direto com a realidade.  A cada derrota da esquerda, as escolhas políticas são contestadas, mas o mea-culpa coletivo para mudar a estrutura vertical do funcionamento dos partidos é sempre um debate adiado. De fato, a reflexão intelectual, o aprofundamento do debate político, bem como a formação de executivos e ativistas foram substituídos por “think tanks”! Os líderes dos partidos políticos depositaram o futuro da política nesses laboratórios "think tanks" que compartilham o mercado de ideias baseadas na produção de ferramentas para o exercício cotidiano da política.

O desafio da esquerda é ao mesmo tempo resistir à ideologia neoliberal e criar novos valores, novas dinâmicas sociais, novas alternativas econômicas e ambientais. A esquerda tem a obrigação de estimular a participação do maior número de cidadãos nas decisões políticas, porque não é possível inovar a política, transformar o mundo, excluindo os principais atores da política e eliminando a construção da inteligência coletiva.

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