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Pedro Simonard

Antropólogo, documentarista, professor universitário e pesquisador

92 artigos

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Autocrítica

A autocrítica enquanto elemento de ação política nunca deve ser descartada. Ela permite correções de rumo e reaproximação com militantes, eleitores e simpatizantes. Sendo bem feita, segundo objetivos claros e delimitados, ela gera uma ganho não só na imagem do partido como também na qualidade da militância que comunga da mesma causa política, além de atuar positivamente sobre a opinião pública.

Vladimir Ilyich Lenin (1870 - 1924), Russian revolutionary, making a speech in Moscow. Original Publication: People Disc - HG0194 (Photo by Keystone/Getty Images) (Foto: Chico Alencar)
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Durante o 11º Congresso do Partido Comunista da União Soviética/PCUS em março de 1922, Vladimir Ilitch Oulianov, mais conhecido como Lenin, defendeu a tese de que todos os partido operários que haviam perecido, pereceram porque tornaram-se presunçosos e temiam falar de suas fraquezas e que o PCUS não pereceria porque não temia falar de suas fraqueza. Falar nas fraquezas era para ele uma maneira de corrigir possíveis erros, rumos mal estabelecidos, decisões mal tomadas. Neste congresso Lenin já defendia o processo de autocrítica como fundamental para os partidos operários.

A ausência do exercício constante da autocrítica do PCUS sob Stalin levou a uma série de equívocos, entre os quais a instalação de uma ditadura burocrática e sanguinária, cuja uma das principais consequências foi manter o trabalhador alienado, dentro de um regime político pretensamente socialista. Uma contradição impensável para os pensadores de esquerda do século XIX.

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Avançando 34 anos ou nove congressos depois, em fevereiro de 1956 Nikita Khrushchov, durante o XX Congresso do PCUS, anuncia que pretendia recuperar os ideais bolcheviques de Lenin e critica Stalin, a quem havia sucedido em 1953, por causa do culto à personalidade e às perseguições violentas de membros dos altos escalões militares e dos altos quadros dirigentes do PCUS nos processos que fizeram parte daquilo que ficou conhecido como Grande Expurgo, ocorrido entre 1934 e 1939. Khrushchov propôs ao Partido realizar uma autocrítica que permitisse a correção de rumos que recolocasse o PCUS sob os ideais da Revolução Bolchevique. Neste caso, a autocrítica sugerida pelo dirigente máximo do Partido se devia ao fato de a burocracia dirigente do Partido e do Estado Soviético terem tomado certas decisões que contradiziam não só o pensamento de Marx, como também aquilo que os dirigentes revolucionários bolcheviques defendiam antes da Revolução de 1917.

A autocrítica é uma análise saudável que permite aos partidos populares corrigir qualquer tipo de resolução, ação ou comportamento que se afaste da defesa dos interesses populares e se aproxime da defesa dos interesses das classes dominantes, além de evitar desvios ideológicos. Ao fazê-la os partidos fortalecem sua unidade de luta, desenvolvem intelectualmente sua militância e melhoram suas análises de conjuntura entre outros ganhos possíveis.

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Há três tipos de autocrítica. A autocrítica interna, que deve ser mais profunda e contundente que discutirá questões fundamentais que se chegarem aos ouvidos dos adversários políticos podem dar armas a estes contra o partido popular. Este tipo de autocrítica deve ser realizada por um público restrito, pelos membros da direção do partido não porque um público mais amplo não seja capaz de realizar as análises que ela demanda, mas porque as questões discutidas podem comprometer a organização da instituição se chegarem a ouvidos errados.

Um segundo tipo de autocrítica deve alcançar a militância, um público mais amplo que deve participar de sua elaboração para adquirir elementos teóricos e práticos que balizem e norteiem suas práticas e análises políticas cotidianas. O resultado desta discussão contribuirá para a formação de militantes mais capazes e mais eficazes em suas práticas.

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O terceiro tipo de autocrítica visa a alcançar os eleitores fiéis e esporádicos, militantes de esquerda e simpatizantes do partido popular de maneira a servir como uma espécie de prestação de contas sobre os erros e acertos diante deste público. Serve, sobretudo, para afirmar “ok, erramos, reconhecemos os erros e, por reconhecê-los, não os cometeremos mais”. Desta maneira o eleitor/simpatizante perceberá que seu apoio não foi em vão.

Recentemente, várias lideranças do PT, Lula inclusive, têm se manifestado contra a ideia de uma autocrítica. Lula pergunta por que não solicitam ao PSDB, ao FHC que façam autocrítica ou por que não pedem ao Bolsonaro para fazer uma autocrítica ou mesmo por que não pedem às classes dominantes do Brasil para fazerem uma autocrítica sobre os 520 anos de dominação? Por que PSDB, Bolsonaro e as classes dirigentes do Brasil deveriam fazer uma autocrítica? O PSDB não fez nada diferente do que disse que faria durante as campanhas eleitorais vencidas por ele em 1994 e 1998. Seus programas de governo divulgados antes e durante as campanhas eleitorais mencionadas falavam claramente em privatizações, em diminuir medidas de protecionismo econômico às empresas nacionais, em austeridade econômica. Ninguém pode afirmar que foi enganado pelos tucanos porque estes deixaram claro o que fariam se alcançassem o poder.

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O mesmo ocorre com o Bolsonaro. Durante a campanha de 2018 ele afirmou que ia acabar “com tudo isso que está aí, talkey?” E o que era “tudo isso que está aí” senão o Brasil. Disse que iria acabar, “metralhar a petralhada”. Disse que ia reduzir os direitos trabalhistas e flexibilizar as leis de defesa do trabalhador, disse que indígenas e quilombolas não iriam ganhar nada do governo dele, que a educação era ideológica e seria modificada. Ele declarou tudo isto durante a campanha eleitoral. Só não acreditou quem não quis.

As classes dominantes brasileiras vêm fazendo a mesma coisa desde 22 de abril de 1500 e já deixou claro que sua solidariedade não está voltada para o Brasil nem para os brasileiros. O território brasileiro é o local onde ela ganha dinheiro para gastar no exterior e parte do povo brasileiro é quem produz esta riqueza para ela. A outra parte não tem serventia e é sumariamente eliminada.

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Sendo assim, por que o PSDB, Bolsonaro e as classes dominantes brasileiras fariam uma autocrítica? Só se fosse para dizer que as mudanças estão sendo implementadas mais lentamente do que eles gostariam.

Por outro lado, um partido de esquerda que nomeou Crivella para o Ministério da Pesca e da Aquicultura, que apoiou sua eleição e sua reeleição para o Senado, que nomeou Joaquim Levy para Ministro da Fazenda, que apoiou Sérgio Cabral duas vezes, que interveio na própria regional do partido no Rio em 1998, impedindo Vladimir Palmeira de sair candidato a governador para eleger Anthony Garotinho, este partido precisa fazer autocrítica, sobretudo para pessoas que são militantes de esquerda, que sempre votam no candidato mais à esquerda e que não são membros do PT. Não são poucos os militantes de esquerda que não são filiados a partido algum. É para estes que a autocrítica tem que ser dirigida uma autocrítica do terceiro tipo listado mais acima, voltado para eleitores e ampla militância.

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É possível que internamente o PT já tenha realizado esta autocrítica e o mesmo tenha ocorrido nos fóruns internos de militantes, mas precisa reconquistar parte do eleitorado e dos militantes de esquerda que, por exemplo, nas últimas eleições municipais ou nacionais se abstiveram, votaram nulo ou em branco e não estão mais dispostos a dar carta branca para o PT fazer o que quiser sem prestar contas de suas ações políticas. Para isto parece ser necessário uma autocrítica pública. 

Ouço muita gente afirmar que uma autocrítica pública daria armas para os adversários da esquerda. Depende de como for feita. Por exemplo, uma autocrítica sobre o apoio ao Crivella poderia ser realizada mostrando que foi um equívoco porque permitiu ao bispo se apropriar do Estado para favorecer o crescimento de sua linha religiosa mostrando o quanto isto foi pernicioso para a democracia, para a cultura, para a geração de empregos, além de ter permitido o fortalecimento das milícias, enfatizando o perigo de misturar religião com política. Desta maneira, além de afagar e de se reaproximar dos eleitores e militantes de esquerda decepcionados com as políticas de aliança estabelecida pelo PT ainda se aproximaria dos setores cristãos que se posicionam contra os chamados “coronéis religiosos” midiáticos que são criticados por muitos cristãos, sejam eles de esquerda ou não.

Uma autocrítica concernente ao apoio ao Sérgio Cabral e à aliança com o PMDB poderia demarcar uma ação política muito clara, delimitando os campos políticos, além de agradar àqueles que creem que uma crítica moral deva ser realizada.

Mas a autocrítica deve ser feita também pelo PSOL por ter apoiado de maneira apressada a Lava Jato, por não ter percebido a importância da luta dos bolivarianistas contra o imperialismo dos EUA, por não ter apoiado a causa palestina algumas vezes e, sobretudo, por ter repetidamente afirmado que a prisão do Lula e o processo político contra ele era um tema que não unia a esquerda.

O PCdoB também precisa fazer autocrítica sobre a sua posição na entrega da Base de Alcântara para os estadunidenses, colocando os interesses do Maranhão acima dos interesses do povo brasileiro. 

O PDT também precisa fazer autocrítica da sua atuação no processo do impeachment e pela sua postura no segundo turno das eleições de 2018.

A autocrítica enquanto elemento de ação política nunca deve ser descartada. Ela permite correções de rumo e reaproximação com militantes, eleitores e simpatizantes. Sendo bem feita, segundo objetivos claros e delimitados, ela gera uma ganho não só na imagem do partido como também na qualidade da militância que comunga da mesma causa política, além de atuar positivamente sobre a opinião pública.

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