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Leonardo Boff

Ecoteólogo, filósofo e escritor. Escreveu Ecologia: grito da Terra, grito dos pobres, Vozes 1995/2015; em espanhol por Trotta, Madrid 1996, Dabar, México 1996

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Bento XVI – um Papa da velha cristandade

Teólogo Leonardo Boff tece considerações sobre o teólogo Joseph Ratzinger e o Pontífice Bento XVI

Papa Bento XVI (Foto: Reuters/Tony Gentile)
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Por Leonardo Boff 

(Publicado no site A Terra é Redonda)

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Sempre que morre um Papa toda a comunidade eclesial e mundial se comove, pois vê nele o confirmador da fé cristã e o princípio de unidade entre as várias igrejas locais. Podem-se fazer muitas interpretações da vida e dos atos de um Pontífice. Farei uma a partir do Brasil (da América Latina), seguramente parcial e incompleta.

Importa constatar que na Europa vivem apenas 23,18% dos católicos e na América Latina 62%, o restante na África e na Ásia. A Igreja Católica é uma Igreja do Segundo e do Terceiro mundo. Provavelmente os futuros Papas virão dessas Igrejas, cheias de vitalidade e com novos estilos de encarnar a mensagem cristã nas culturas não ocidentais.

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Com referência ao Bento XVI convém distinguir o teólogo Joseph Ratzinger e o Pontífice Bento XVI.

O teólogo

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Joseph Alois Ratzinger é um típico intelectual e teólogo centro-europeu, brilhante e erudito. Não é um criador, mas um exímio expositor da teologia oficial. Isso transparecia claramente nos vários diálogos públicos que fez com ateus e agnósticos.

Não introduziu visões novas, mas deu uma outra linguagem às já tradicionais, especialmente fundadas em Santo Agostinho e São Boaventura. Talvez algo novo seja a sua proposição da Igreja como um pequeno grupo altamente fiel e santo como “representação” da totalidade. Não era importante para ele o número dos fiéis. Era suficiente o pequeno grupo altamente espiritual que está no lugar de todos. Ocorre que dentro desse grupo de puros e santos houve pedófilos e envolvidos em escândalos financeiros, o que desmoralizou sua compreensão de representação.

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Outra posição singular, objeto de uma interminável polêmica comigo, mas que ganhou ressonância na Igreja, foi a interpretação de que a “Igreja Católica é a única Igreja de Cristo”. As discussões conciliares e o espírito ecumênico mudaram o “é” por “subsiste”. Assim abria-se um caminho para que em outras Igrejas também “subsistisse” a Igreja de Cristo. Joseph Alois Ratzinger sempre afirmou que essa mudança era apenas um outro sinônimo do “é”, o que a pesquisa minuciosa das atas teológicas do Concílio não confirmou. Mas, continuou sustentando sua tese. Ademais afirmou que as outras Igrejas não são igrejas, mas possuem somente elementos eclesiais.

Ele chegou a afirmar, várias vezes, que essa minha posição se difundiu entre os teólogos como algo comum o que motivou novas críticas por parte do Papa. Contudo, ele ficou isolado, pois havia provocado grande decepção às demais igrejas cristãs, como a luterana, a batista, presbiterana e outras, ao fechar as portas ao diálogo ecumênico.

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Entendeu a Igreja como uma espécie de castelo fortificado contra os erros da modernidade, colocando a ortodoxia da fé, sempre ligada à verdade (seu tonus firmus), como referência principal. Não obstante seu caráter pessoal sóbrio e cortês, se mostrou como Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, extremamente duro e implacável. Cerca de cem teólogas e teólogos, dos mais proeminentes, foram sentenciados seja com a perda da cátedra, seja com a proibição de ensinar e escrever teologia ou, como no meu caso, com o “silêncio obsequioso”

Assim nomes notáveis da Europa como Hans Küng, Edward Schillebeeck, Jacques Dupuis, B. Haering, J. M. Castillo entre outros. Na América Latina, o fundador da Teologia da Libertação, o peruano Gustavo Gutiérrez e a teóloga Ivone Gebara foram censurados, bem como o autor destas linhas. Foram atingidos outros nos EUA como Charles Curran e R. Haight. Até de um teólogo já falecido da Índia, padre Anthony de Mello, foram proibidos seus livros, além de outro indiano Belasurya.

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Os/as teólogos/as da América Latina, decepcionados, nunca acabamos de compreender o porquê haver proibido a coleção “Teologia e Libertação”, em 53 volumes, envolvendo dezenas de teólogos e teólogas (publicaram-se uns 25 tomos) que se destinava a subsidiar os seminários, as comunidades eclesiais de base e os grupos cristãos comprometidos com os direitos humanos. Era a primeira vez que se produzia uma obra teológica de vulto, fora da Europa, com ressonância mundial. Mas foi logo abortada. O teólogo Joseph Ratzinger mostrou-se inimigo dos amigos dos pobres. Isso entrará negativamente na história da teologia.

São muitos os teólogos que afirmam ser ele tomado por uma obsessão pelo marxismo, mesmo depois da dissolução da União Soviética. Publicou um documento sobre a teologia da libertação, Libertatis nuntius (1984), cheio de advertências, mas sem uma explícita condenação. Um outro documento posterior, Libertatis conscientia (1986) realça-lhe os elementos positivos, mas com demasiadas restrições. Podemos dizer que ele nunca entendeu a centralidade dessa teologia: a “opção pelos pobres contra a pobreza e pela libertação”. Esta fazia dos pobres protagonistas de sua libertação e não meros destinatários da caridade e do paternalismo. Essa última era a visão tradicional e do Papa Bento XVI. Suspeitava haver marxismo dentro desse protagonismo da força histórica os pobres.

O Pontífice

Bento XVI como Pontífice inaugurou a “Volta à grande disciplina”, com clara tendência restauradora e conservadora, a ponto de reintroduzir a missa em latim e de costas ao povo. Causou estranhamento geral na própria Igreja quando no ano 2000 publicou o documento “Dominus Jesus”. Aí reafirma a velha doutrina medieval e superada pelo Concílio Vaticano II, segundo a qual “fora da Igreja Católica não há salvação”. Os não-cristãos corriam grave risco. Novamente negou o qualificativo de “igreja” às demais Igrejas, o que provocou geral irritação. Seriam apenas comunidades eclesiais. Com toda sua argúcia polemizou com os muçulmanos, com os evangélicos, com as mulheres e com o grupo integrista contra o Vaticano II.

Sua forma de conduzir a Igreja não era carismática como a de João Paulo II. Orientava-se mais pela ortodoxia e pelo zelo vigilante das verdades de fé do que pela abertura ao mundo e pela ternura para com o povo cristão como faz o Papa Francisco.

Foi um lídimo representante da velha cristandade europeia com sua pompa e poder político-religioso. Na perspectiva da nova fase da planetarização, a cultura europeia, rica em todos os campos, enclausurou-se em si mesma. Raramente mostrou-se aberta à outras culturas como as antigas da América Latina, da África e da Ásia. Nunca se livrou de certa arrogância de ser a melhor e em nome disso colonizou o mundo todo, tendência ainda não totalmente superada.

Não obstante as limitações, mas por suas virtudes pessoais e pela humildade de haver renunciado, em razão dos limites de suas forças, ao múnus papal, seguramente se contará entre os bem-aventurados.

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