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Carlos Castelo

Jornalista, sócio-fundador do grupo Língua de Trapo, um estilo sem escritor

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Boca (Junior) do lixo

Falas entre diretor e atriz - que descia uma escadaria com um decote enorme, inversamente proporcional ao tamanho da saia - me mostraram que o nosso cinema era um pouco diferente do “meu” modelo europeu

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Aos 19 anos, eu era tão fanático por filmes que mantinha uma caderneta com a ficha técnica de todos que assistia. Antes de cursar a faculdade de jornalismo passei no vestibular de Cinema.

Uma manhã, quando me preparava pra ir pra aula, vi algo que me intrigou. Bem ao lado do meu domicílio uma trupe com caminhonetes trazendo atores, atrizes, tripés, luzes, lentes, câmeras. E Kombis levando e trazendo comida.

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Não tive dúvida: toquei a campainha da casa vizinha, me identifiquei como aluno de Cinema, e pedi pra assistir às filmagens.

- Tudo bem. Só não vai trazer outros carinhas pra ver a mulherada – me rogou um dos técnicos.

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Apesar da euforia inicial, meu primeiro contato com a "coisa" cinematográfica terminou sendo traumatizante. 

Entrei no ‘set’ de filmagem da pornochanchada com a expectativa altíssima. Meus heróis eram Fellini, Orson Welles, Vertov. Não esperava ver nada menos que um Truffaut dirigindo. 

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Mas as primeiras falas entre diretor e atriz - que descia uma escadaria com um decote enorme, inversamente proporcional ao tamanho da saia - me mostraram que o nosso cinema era um pouco diferente do “meu” modelo europeu:

Diretor: Atenção! Câmera! Ação! Pode descer a escada, Ivete. Vem vindo. Na minha direção, olhando na lente. Isso. Bacana. Agora, aquela cara de sacana. Perfeito. Bem vagaba, Ivete. Isso...

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E depois de alguns segundos dessa verdadeira "aula" de direção

eisensteiniana, ele interrompeu a cena assim:

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Diretor: Para essa porra! Ivete, adianta fazer cara de vagaba sem mostrar os peitinhos? Ô, Edinho (o assistente de produção), vai lá e baixa a blusa dela. Mais. Mais. Uns três dedos pra baixo. Aí, peitão. Vamos rodar de novo!

Alguns meses mais tarde, após ajudar a carregar caixas e praticáveis como estagiário em outras produções, fui finalmente efetivado. 

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O primeiro filme em que atuei foi “O Artesão de Mulheres” na qualidade de terceiro assistente de eletricista. Na cadeia alimentar de uma equipe cinematográfica, esse profissional é o coliforme fecal do cocô do cavalo do bandido. Ou seja, manda menos que um maquinista júnior ou que um varredor de set sênior.

No primeiro dia de filmagem, fui chamado pelo segundo assistente de eletricista que explicou minhas atribuições de forma bastante pragmática:

- Só tem duas coisas pra você fazer. Um: subir em teto e puxar a fiação lá pra cima. Dois: botar umas luvas e ficar segurando estas lâmpadas aqui. Quando alguém te pedir uma lâmpada, você vem correndo e entrega. Falou?

Dito assim, parece prosaico. Mas as lâmpadas de refletor que eu deveria segurar eram de um tungstênio megatrônico. Se tocadas por uma mão sem luva, com o calor da pele, explodiam jogando estilhaços por muitos e muitos metros afora. Outro problema: cada uma custava um jantar no Fasano com direito à trufas, Brunello de Montalcino e ouro em pó no macarrão. 

Quanto à parte de subir em tetos, nem preciso dizer que foi tenebrosa. Morro de medo de altura. Mesmo assim tive de subir em campanários de igreja, tetos de arranha-céus e até num pára-raios. 

Quase pedi demissão quando me penduraram no pé direito de um restaurante altíssimo por uma corda. Foi um dia inteiro pegando as lâmpadas-bomba no chão e sendo guindado para cima para instalá-las nos refletores. Coincidência ou não, mas o restaurante pegou fogo meses depois.

Em razão disso, durante as filmagens, explodi sete lâmpadas.

Falei tanto de minha atividade como terceiro assistente de eletricista que quase me esqueço de comentar sobre o filme em si. 

Existem autores que afirmam existir apenas seis situações dramáticas possíveis no teatro clássico. No cinema pornochanchada só há uma possível: “homem quer comer mulher; sequências rapidíssimas de obstáculos a transa, homem come mulher”. 

Isso, é claro, entremeado por cenas de executivos bebendo uísque Old Eight e trajando ternos Garbo.

No geral, “O Artesão de Mulheres” não fugia à regra. Exceto que, como a verba era curta, os executivos bebiam cerveja quente.

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