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Moisés Mendes

Moisés Mendes é jornalista, autor de “Todos querem ser Mujica” (Editora Diadorim). Foi editor especial e colunista de Zero hora, de Porto Alegre.

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Bolsonarismo criou a Síndrome de Zanotto

"Os Zanottos são quase sempre da área da saúde, mas estão espalhados por todas as atividades. Dão suporte moral, científico e retórico ou apenas dão palpites e apoio de forma anônima ao que o bolsonarismo pensa e defende em relação à Covid-19", escreve o jornalista Moisés Mendes

Virologista Paolo Zanotto, que defendeu a criação de um "gabinete das sombras" na gestão da pandemia pelo governo (Foto: Reprodução)

 Por Moisés Mendes

Todos têm hoje um Paolo Zanotto por perto, por vínculos familiares, convivência no trabalho, demandas profissionais ou de informação ou apenas porque os Zanottos espalharam-se por toda parte. 

Paolo Zanotto, o biólogo virologista que sugeriu a Bolsonaro a criação do gabinete das sombras, tem similares em todo o Brasil

O país tem grupos de palpiteiros de elite, com bons diplomas e históricos, que trabalhariam voluntariamente para Bolsonaro com sugestões para o enfrentamento da pandemia. 

Zanotto, professor da USP, considerado brilhante, é apenas o mais vistoso desses palpiteiros. Teve seu momento de celebridade efêmera ao discursar em evento com Bolsonaro em setembro do ano passado. Foi quem resumiu ao líder a posição do grupo que estava ali: pode deixar que nós vamos bordar seus desatinos com belos argumentos científicos. 

É como se um professor respeitadíssimo, agora acolhido pelo bolsonarismo, se submetesse aos protocolos do submundo da extrema direita. Agora é nóis, mano.  

Os Zanottos são quase sempre da área da saúde, mas estão espalhados por todas as atividades. Dão suporte moral, científico e retórico ou apenas dão palpites e apoio de forma anônima ao que o bolsonarismo pensa e defende em relação à Covid-19. 

Paolo Zanotto, respeitado no meio acadêmico, é talvez a figura mais talentosa recrutada por Bolsonaro para exaltar os milagres da cloroquina. 

Por isso a surpresa de colegas e amigos, como mostrou reportagem da Folha no sábado. Como o Zanotto que sempre admiramos virou defensor das teorias científicas de Bolsonaro? 

Olhe em volta e constate que o nosso entorno de classe média está cheio de Zanottos. Não são necessariamente pesquisadores e cientistas, mas são os que propagam o que os ‘cientistas’ de Bolsonaro dizem. 

O próprio Zanotto é de alguma forma um desses Zanottos, porque nem ele fez pesquisa alguma sobre a pandemia, muito menos com a cloroquina que defende. Zanotto reproduz o que diz ter ouvido ou lido de outros Zanottos. 

Um Zanotto é diferente de um bolsonarista mediano, de raiz, que fala bobagens sem qualquer lastro. Um Zanotto não é o tio tucano do pavê que virou de extrema direita, ou já era e agora se revelou. Nem o empreendedor suburbano neopentecostal que defende tudo que Bolsonaro diz. Nem o chato e reaça amigo do nosso amigo. 

Um Zanotto verdadeiro não é um inculto que fala como papagaio, dando eco aos que os Zanottos dizem. A Síndrome de Zanotto é um fenômeno seletivo. 

Ataca médicos, engenheiros, professores, advogados, juízes, arquitetos, promotores, artistas, gente de todas as áreas, mas com alguma base intelectual. Um Zanotto é um cara com diploma, nunca será um ogro. As melhores famílias têm Zanottos. 

O sujeito contagiado pela Síndrome de Zanotto não precisa ser entendido em saúde. Precisa apenas ser um cara com boa formação, bom discurso, respeitado na família, na universidade e entre amigos, que de repente vira um pregador bolsonarista. 

A Síndrome de Zanotto, que transforma inclusive pessoas pós-doutoradas em negacionistas, sofisticou a extrema direita e tem vários níveis e cepas. 

Os contagiados podem aderir apenas às teses ditas sanitárias, como podem ir adiante e defender alguma coisa da política e dos costumes. Os Zanottos são os que dão suporte de credibilidade ao que o bolsonarista raso prega. 

O médico sanitarista Claudio Maierovitch, ouvido na CPI do Genocídio essa semana, observou que teses contra o isolamento, a vacina e a máscara sempre têm de plantão alguém da área científica que as sustentem. 

São os Zanottos que passaram para o outro lado e legitimam Bolsonaro. Tudo o que eles pregavam como base para a verdade científica é contrariado por Bolsonaro. Eles aderem a quem pisoteia o que fizeram até aqui. 

Alarmados e constrangidos, os colegas, amigos e parentes exclamam: mas como o Zanotto está dizendo e fazendo o que faz? O que deu no Zanotto? 

Pode ser um esforço para finalmente chegar perto do poder, talvez a única chance de chegar. Pode ser um jeito de enfrentar grupos divergentes e, quem sabe, obter uma vitória improvável e espetacular com a cloroquina? 

Pode ser uma demonstração de fragilidade intelectual, num vacilo provocado por desalento com a profissão, por cansaço e por desilusões acumuladas. 

Pode ser por dinheiro, por um cargo ou uma consultoria bem paga. E pode ser tão somente a liberação de um bolsonarismo reprimido, o que talvez seja o caso da maioria.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.