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Gustavo Conde

Gustavo Conde é linguista.

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Bolsonaro é o maior trauma de nossa história

O editor e colunista do 247 Gustavo Conde afirma que o bolsonarismo está em sua fase terminal e que se apresenta à história como a mais profunda ferida de nossa experiência enquanto nação; ele diz: "a devastação do bolsonarismo, simbólica, material, espiritual, é o acontecimento mais chocante jamais imaginado por nenhum brasileiro. É o horror inominável, o suicídio assistido, o blefe, a mentira, a covardia, a incompetência, a pusilanimidade, o grotesco, o escatológico, o câncer, a dor, o medo e a morte"

Bolsonaro é o maior trauma de nossa história (Foto: REUTERS/Jonathan Ernst)
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Catástrofe, desastre, horror, abominação, tragédia, barbárie, calamidade, descalabro, hecatombe, apocalipse, chaga, pesadelo, cataclisma, desgraça, flagelo, treva, devastação, calamidade, danação, agonia, arrasto.

É inútil tentar achar a palavra certa para definir o governo Bolsonaro. Ele transcende às significações estabelecidas. A rigor, o que vai se consagrando ao léxico é o nome próprio que leva seu sentido podre à gramática: bolsonaro já significa aquilo que é moralmente insignificável. 

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Não há hoje palavra na língua portuguesa que tenha sentido mais assustador do que este nome que não é mais um nome. Bolsonaro é um insulto. A rede de significados que se lhe impregna à carcaça sonora é uma amálgama de violência, ameaça e desejo de morte. 

Dizer Bolsonaro todos os dias é morrer um pouco todos os dias - mesmo que se o diga para denunciar atrocidades. A própria cadeia significante agoniza em companhia tão degradante. A subjetividade morre e a história se autoconsome.

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É grave e exige cuidados extremos.

Evidentemente, não é só pelo que essa criatura faz ou diz que sua presença vocabular açoite tanto o juízo e a civilidade. A estrutura do enunciado bolsonariano é única e ultrapassa a desumanidade do nazismo e do fascismo.

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Twitter, Facebook, fake news, “arminha” também são dispositivos secundários perto da gramática negativa do bolsonarismo. Trata-se de um protocolo de aniquilamento do sentido em sua expressão máxima.

Bolsonaro com seu dizer que não diz, com sua renúncia ao sentido, sua covardia pragmática, sua fuga dialética, seu infantilismo, sexismo e nanismo moral, ultrapassa todas as pústulas autoritárias de extermínio do humano.

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Sua catarse invertida, alimentada pelo ódio, pelo masculismo e pela sombra da tortura perene que ameaça, ganhou escala nas fobias e no medo e acabou por materializar uma voz monstruosa, falsamente simplória, que vaza o gesto purulento através de uma gramática interrompida.

Cada enunciado de Bolsonaro é uma espécie de ‘arminha’, um ícone tóxico em busca incessante da morte (do outro). Sua desarticulação não é só política: é verbal, gestual e espiritual.

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O que caracteriza essa usina subjetiva de aniquilamento da civilização e do humano é um desarranjo estrutural em sua máquina particular de produção de sentido – que não produz sentido, mas apenas imobilismo semântico, estancamento simbólico.

O bolsonarismo é o exemplo mais bem acabado da capacidade auto destrutiva do homem. É a transposição do egoísmo de classe e de todos os preconceitos para a dimensão do significante. Ele nega a partilha do sentido, assim como a elite nega a partilha da riqueza.

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E não há acúmulo, porque, no caso no caso do sentido, só o movimento é capaz de semear significações.

Por isso, Bolsonaro é zona obscura, é antítese ambulante, é a negação, o fosso, o ódio, o aniquilamento perpétuo que não cessa de se inscrever em nossa rotina simbólica.

Todo esse protocolo está saturado, ainda que ele recolha resíduos na esfera do desalento subjetivo (os bolsominions remanescentes).

O cansaço desse horror é boa notícia, mas por si só não basta.

A reparação histórica que se nos apresenta agora, depois desse acúmulo inédito de vergonha e violência, é concernente à própria linguagem. Será preciso trazer o afeto de volta para os enunciados, para o cotidiano, para o discurso.

O segmento que sempre detestou a política achou que só conseguiria fazer política detestando. E esse ódio estrutural se alastrou por todo o território do dizer, provocando o crescimento da violência a níveis intoleráveis.  

Bolsonaro é isso. Bolsonaro significa isso. Bolsonaro demarca isso. Bolsonaro representa isso. Bolsonaro se alimenta disso.

A linguagem volta (porque ela é infinita). O ‘indizível’ morre (porque ele não pertence ao mundo dos significantes). Mas a lição fica e deixa um amargo recado a todos nós, que ainda acreditamos na vida e na democracia.

Não se pode brincar com a democracia, disse Lula. À época, esse enunciado parecia apenas mais um enunciado no meio de tantos. Mas o tempo mostrou que ele foi o mais certeiro e premonitório daquele conjunto.

E, então, nós o codificamos à luz da irresponsabilidade chã que nos arrastou para o lodaçal de lavajatismos e bolsonarismos.

É preciso dimensionar essa ferida.

É preciso significá-la para celebrar sua morte.

Quando se significa um trauma, ele deixa a zona da incerteza e passa a habitar o cemitério dos fracassos autoconsentidos. Nesses termos (históricos), uma significação é uma espécie de lápide, que lacra e enterra seu conteúdo tóxico com um aviso: não repetir.

Para esculpir a lápide do bolsonarismo-lavajatismo é preciso recorrer aos grandes traumas dos povos do mundo.

A maior ferida da Alemanha foi o nazismo.

A maior ferida da Itália foi o fascismo.

A maior ferida do Japão foi Hiroshima e Nagasaki.

A maior ferida dos EUA foi Hiroshima e Nagasaki.

Todos esses povos perderam o direito de olharem para si sem considerar a devastação humana que lhes corroeu parte da história. São povos que lidam com o binômio antes-e-depois.

O trauma brasileiro que irá perdurar por toda a nossa história atende pelo nome de Bolsonaro. Nós teremos de nos transformar em um povo mais generoso, mais afetuoso e mais humano do que jamais antes em nossa história.

A devastação do bolsonarismo, simbólica, material, espiritual, é o acontecimento mais chocante jamais imaginado por nenhum brasileiro. É o horror inominável, o suicídio assistido, o blefe, a mentira, a covardia, a incompetência, a pusilanimidade, o grotesco, o escatológico, o câncer, a dor, o medo e a morte.

Nós temos, portanto, o nosso trauma histórico, o mais absurdo desencontro com a civilização nem mesmo comparável ao genocídio indígena do século 16.

Talvez, a construção em sangue do Brasil, ditaduras assassinas em comissão de frente, continue sendo denegada pela historiografia justamente porque algo muito mais grave estaria por acontecer: Jair Bolsonaro.

Por quê? Porque o bolsonarismo nos atinge naquilo que estrutura a existência social de um ser humano: a linguagem.

A bomba semiótica bolsonarista, espontânea naquilo que a fez ser ainda mais destruidora, é muito mais devastadora que uma bomba nuclear ou que o extermínio em massa de populações.

Ela é mais deletéria e assustadora porque ela desencadeia a violência no interior das subjetividades possíveis. Ela mina a possibilidade do argumento, da reação e do próprio desejo. É o aniquilamento do humano em sua plenitude grotesca.

O Brasil jamais livrar-se-á dessa chaga. Tão melhor que seja assim.

Para aprendermos em definitivo que não se pode brincar com a democracia. Mas que não se pode brincar também com a civilização.

A ferida Bolsonaro se desenha no horizonte histórico ainda estreito, mas, superada, ela é a nossa chance de sermos finalmente uma nação não interrompida, que superou a mais hedionda manifestação de ódio e desprezo pela vida, germinada de suas próprias vísceras sociais.

Não é pouco.

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