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Carlos Fraga

Jornalista e mestre em Educação

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Bolsonaro já deu um golpe e teremos que lutar para vencer no 2º turno

Suas ameaças ao sistema eleitoral já produziram um dos efeitos esperados por ele, que é o de colocar as instituições democráticas de joelhos

Bolsonaro e urnas eletrônicas (Foto: REUTERS/Ueslei Marcelino | REUTERS/Rodolfo Buhrer)
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Por Carlos Fraga

Ainda há chances de Lula vencer a eleição no 1º turno. As desistências de André Janones (Avante) e de Pablo Marçal (Pros) e a tendência de parte dos eleitores de Ciro Gomes anteciparem sua adesão a Lula podem ajudar a resolver a eleição já em 2 de outubro. Mas as últimas pesquisas de opinião dão sinais de alterações no quadro eleitoral que vinha se mantendo estável. Bolsonaro conquistou intenções de votos em segmentos liderados por Lula e que representam contingentes significativos do eleitorado, entre eles, os que ganham até dois salários mínimos e as mulheres. E ampliou sua vantagem entre os evangélicos e os mais ricos. Há indícios que apontam para uma definição apenas no 2º turno. Não há motivos para pânico na campanha do ex-presidente Lula. Mas é preciso ter clareza de que vencer a extrema direita ainda apoiada por setores importantes das oligarquias liberais será bem mais difícil do que se imaginava.

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A recuperação de Bolsonaro pode não ter se dado apenas em razão do pacote eleitoreiro e ilegal que desmoralizou as regras eleitorais. Afinal, o novo Auxílio Brasil sequer havia chegado ao bolso das 20 milhões de famílias beneficiárias quando as pesquisas registraram essas acomodações nas intenções de voto. A pequena melhora nos indicadores econômicos, com a tímida redução no preço dos combustíveis e a diminuição no desemprego, já pode ter produzido algum efeito, mas não é suficiente para explicar o crescimento nas intenções de voto do presidente em segmentos importantes da população. Mudanças pontuais na conjuntura econômica costumam levar mais tempo para produzir alterações significativas no humor dos eleitores.

Por ora, é possível atribuir, pelo menos em boa parte, a movimentação de parcela dos eleitores a algo apontado por Rodrigo Vianna em artigo recentemente publicado no site Brasil 247 (Esgoto bolsonarista se espalha pelo 'zap' e pode dificultar vitória de Lula em primeiro turno). Vianna chamou a atenção para o que estava acontecendo no subterrâneo das redes sociais. Há cerca de dois meses se intensificou a disseminação de notícias falsas contra Lula nos mais variados aplicativos e plataformas digitais. 

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A associação de Lula ao PCC e a reedição da surrada suspeita de ligação do ex-presidente com a morte de Celso Daniel, ambas originadas em veículos da mídia tradicional, são alguns exemplos. Na última semana, vieram à tona mais alguns casos: a fake news grotesca de Damares Alves, que atribui a Lula uma cartilha que ensina jovens a usarem crack, o uso preconceituoso, por Michele Bolsonaro, de um vídeo que mostra Lula participando de evento de uma religião de matriz africana na Bahia, a disseminação criminosa da mentira de que Lula fechará templos evangélicos. Esses exemplos são os conhecidos por quem navega na superfície das redes. Não é possível saber tudo o que transita no fundo em tempo real. Quando esses ataques chegam à superfície, muitas vezes, o estrago já está feito.

Não podemos subestimar novamente o poder da extrema direita nas redes sociais nem o papel relevante que essas redes ainda exercem no processo eleitoral. É um erro imaginar que a conjuntura que levou a fome a 33 milhões de pessoas, produziu uma inflação elevada e mantém o desemprego ainda em alta caracteriza um contexto que, diferentemente da eleição de 2018, coloca a comunicação realizada nas redes sociais em segundo plano. 

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As tímidas tentativas do campo progressista observadas até agora para neutralizar a guerra suja travada no submundo dos aplicativos e plataformas digitais não têm se mostrado suficientes para fazer frente à abrangência e capilaridade das poderosas armas de destruição de reputação usadas por expoentes bolsonaristas e sua legião de robôs. 

Esse arsenal subterrâneo associado ao volume de dinheiro distribuído para amplas parcelas da população com o pacote eleitoreiro aprovado pelo Congresso, que começarão a afetar mais efetivamente o humor da população nas próximas semanas, representam uma ameaça à candidatura Lula que não pode ser desprezada pelo comando de sua campanha nem pelos movimentos sociais e órgãos da mídia alternativa que lutam pelo restabelecimento da democracia e pela volta de um governo com um mínimo de compromisso com os trabalhadores e com a população mais pobre.

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É preciso reconhecer que Bolsonaro já deu um golpe. Suas ameaças ao sistema eleitoral já produziram um dos efeitos esperados por ele, que é o de colocar as instituições democráticas de joelhos, a ponto de não reagirem ao maior e desavergonhado atropelo das regras eleitorais do período pós-redemocratização. Bolsonaro aprovou um decreto que cria um estado de emergência artificial para distribuir dinheiro a milhões de pessoas fora do prazo permitido por lei, em uma flagrante compra de votos. 

O sistema de Justiça ficou de tal forma encurralado que se vê forçado a não impugnar a candidatura do presidente para não parecer que está agindo contra ele. Melhor dizendo, as instituições democráticas travaram para que Bolsonaro não dê o golpe anunciado. O presidente conseguiu assim o passaporte para o crime eleitoral, para os atentados contra as regras democráticas, entrando na disputa com o uso ilegal da máquina governamental, portanto, dispondo de recursos financeiros e propagandísticos muito superiores aos dos demais candidatos. Esse foi o golpe.

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Iniciativas como a plataforma digital Verdade na Rede criada pelo PT em 2020, as brigadas digitais e os comitês populares de luta montados pela sociedade civil organizada são muito importantes, mas insuficientes para combater as mentiras bolsonaristas e o pacote eleitoreiro se atuarem apenas na defensiva, limitando-se a tentativas de desfazer as mentiras propagadas e a denunciar o caráter temporário dos benefícios. Tudo isso é importante, mas, para diminuir ou estancar o ritmo da redução da distância entre Lula e Bolsonaro na corrida eleitoral, será necessário intensificar e ampliar a desconstrução do presidente e maior ousadia e clareza na proposição de medidas que irão de fato mudar a vida do povo. 

Diferentemente de Bolsonaro, a campanha de Lula não precisa de mentiras para desconstruir o líder da extrema direita. Basta dar abrangência e penetração às verdades. Muitas das atrocidades feitas ou ditas pelo presidente, seus filhos e auxiliares mais próximos não chegam a grandes contingentes de eleitores. Quando chegam, vão pelas mãos deles próprios e embrulhadas com artifícios que transformam vícios em virtudes. No pouco tempo que resta até o 1º turno e no decorrer do 2º, se houver, é preciso espalhar, em todas as redes possíveis, a verdade no intuito de desnudar o “mito” para aqueles que o apoiam por ingenuidade e aos que estão indecisos. 

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Achar que Bolsonaro se desconstrói sozinho com o simples abrir de sua boca é um erro. As leituras de seu discurso são diferentes nos diversos grupos sociais. É preciso disputar as narrativas de maneira mais eficaz. 

Outra frente que a candidatura Lula precisa dar mais atenção é a do programa de governo.  A ofensiva de Bolsonaro com as mentiras propagadas no subterrâneo das redes sociais e com as medidas que vão gerar alívio transitório no sufoco vivido pela população, com reflexos que ainda se intensificarão no humor dos eleitores, exigem de Lula propostas de governo mais efetivas e um discurso mais enfático e claro para comunicá-las. 

Se, por um lado, o amplo espectro das alianças costuradas pelo ex-presidente ajuda a isolar Bolsonaro e a conferir ao candidato petista uma áurea de confiabilidade pelas oligarquias dominantes, por outro, não pode podar a defesa de propostas que sinalizem de forma inequívoca a melhora radical e imediata das condições de vida da população. 

O fim do teto dos gastos e a revogação da reforma trabalhista são fundamentais, mas, além de estarem sendo anunciadas de forma vacilante, são bandeiras pouco compreendidas pela maioria das pessoas. Defendidas de forma genérica, não são palpáveis, tangíveis. 

Lula precisará sinalizar de maneira mais contundente à população mais pobre e à classe média sobre como vai mudar o quadro atual, demonstrando quais serão os resultados concretos de cada medida anunciada. 

Terá que defender com mais ênfase e clareza medidas como a transferência de renda dos muito ricos para os pobres, por meio, por exemplo, da taxação dos lucros e dividendos dos grandes empresários, rentistas e das grandes fortunas e da adoção de um sistema tributário progressivo, deixando claro que os trabalhadores pobres e de classe média pagarão menos impostos e os grandes empresários, os contribuintes muito ricos pagarão mais. 

O ex-presidente precisa dizer com todas as letras que vai promover o aumento progressivo do salário mínimo acima da inflação, estabelecendo como meta a aproximação do valor que será estipulado pelo DIEESE daqui a quatro anos (o atual é de R$ 6.527,67, calculado com base no custo da cesta básica de junho); precisa defender a retirada dos trabalhadores precarizados da desproteção total, reinserindo-os no arcabouço da CLT, traduzido por direito a férias, 13º salário, indenizações por acidente de trabalho, hora-extra etc. 

Lula precisa anunciar o mais rapidamente possível que vai adotar um programa amplo de moradia popular; que vai liderar a construção de uma política de segurança pública não só para ajudar os estados a enfrentar o crime organizado em torno do tráfico de drogas a partir de seus braços financeiro e político, mas principalmente para enfrentar com firmeza a matança de negros e pobres nas periferias urbanas pelos aparatos do Estado e pelas milícias. Ou seja, uma política de pacificação radical desses territórios.

O ex-presidente precisa anunciar a melhoria significativa do sistema de saúde pública, não só com a defesa enfática do SUS, mas sobretudo com propostas para o seu aperfeiçoamento, que requer, entre outras medidas, a qualificação e valorização de médicos e enfermeiros e a reestruturação das unidades de saúde com equipamentos modernos. Precisa anunciar mudanças de regras e o controle efetivo dos planos de saúde para impedi-los de continuar escorchando a classe média, assim como apontar uma solução para o alto custo das escolas particulares.

A campanha de Lula está diante de desafio complexo de conciliar um discurso apaziguador para atrair setores liberais, portanto voltada para o restabelecimento da normalidade democrática, com uma postura antissistêmica que sinalize o enfrentamento dos poderosos para melhorar as condições de vida da grande maioria da população. 

A esquerda e os setores progressistas precisam recuperar o discurso antissistêmico que vem sendo manipulado pela extrema-direita para enganar o povo. Bolsonaro busca uma ruptura com a democracia liberal para aprofundar o neoliberalismo econômico, que aumenta a concentração da riqueza e as desigualdades. Trata-se de uma farsa antissistêmica, porque reforça e aprofunda as relações econômicas atuais por meio do autoritarismo político. Isso precisa ser melhor explicado à população.  

Por outro lado, é necessário deixar claro que, para construir um desenvolvimento distributivo estruturante, reduzindo drasticamente as desigualdades, é necessário enfrentar interesses econômicos poderosos, com os quais Bolsonaro está comprometido até o último fio de cabelo.

A tentativa de golpe com a força das armas empunhadas por parcelas das Forças Armadas e das polícias militares, pelas milícias e clubes de tiros é o plano B de Bolsonaro. A campanha de Lula e as forças que a apoiam precisam enfrentar com mais vigor o plano A, que é a tentativa do presidente de conquistar de forma ilegal e suja o voto dos eleitores. Essa disputa assimétrica não pode ser enfrentada com meias palavras e meias propostas, nem sem uma comunicação direta e efetiva sobre os problemas concretos, imediatos e urgentes da maioria da população. 

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