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Paulo Moreira Leite

Colunista e comentarista na TV 247

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Bolsonaro nem assumiu mas já é preciso falar de tortura

"Ao confirmar seu empenho para garantir a impunidade de policiais e militares acusados em crimes no 'cumprimento da missão', o futuro presidente prepara o caminho para a revogação do inciso III do artigo 5 da Constituição que diz que 'ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano degradante'", escreve Paulo Moreira Leite, articulista do 247; "Há dois meses, as denúncias de tortura e violência ligadas a intervenção no Rio de Janeiro já ultrapassavam 300 depoimentos. No caso mais grave, militares são acusados de espancar cinco detidos com pedaços de madeira e chicotadas com fios elétricos"; para PML, "embora a tortura sempre tenha sido tolerada e admitida ao longo da história, jamais foi liberada, como prevê uma 'retaguarda jurídica' defendida por Bolsonaro" 

Bolsonaro nem assumiu mas já é preciso falar de tortura (Foto: Agência Senado)
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Há vários aspectos -- econômicos, sociais e políticos -- no debate sobre a continuidade da intervenção militar no Rio de Janeiro. Do ponto de vista "operacional" -- vamos empregar o termo mais neutro possível -- a questão é simples e direta. Estamos falando da tortura.

Em setembro, as denúncias de tortura e violência ligadas a intervenção já ultrapassavam 300 depoimentos de moradores colhidos entidades ligadas à defesa de direitos humanos e à Defensoria Pública. Entre 30 tipos de violações cometidas por policiais e militares há casas invadidas sem ordem judicial, agressões físicas, alterações de cenas de crime.

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Na denúncia mais grave, na última sexta-feira o Ministério Público Federal abriu inquérito para investigar militares acusados de tortura numa operação no Morro Caixa d'Água, no Complexo da Penha. Segundo o "Extra, em agosto, durante uma investigação sobre tráfico de drogas,  sete adultos e um menor foram conduzidos a uma "sala vermelha" na 1a. Divisão do Exército na Vila Militar.

Mantidos 18 horas no quartel, cinco entre os sete detidos relataram em depoimentos em separado, que foram espancados com pedaços de madeira e receberam chicotadas com fios elétricos. Conforme o Extra, ao dizer que desconhecia o paradeiro dos traficantes um dos detidos contou que "apanhava com madeiradas na nuca e chicotadas de fio elétrico nas costas". Outro depoente registra que os militares "chegaram a colocar um preservativo num cabo de vassoura para assustá-lo".

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No mesmo dia em que o inquérito foi aberto pelo Ministério Público, Jair Bolsonaro anunciou a decisão de encerrar a intervenção no Rio de Janeiro. Ele deixou claro que há uma relação de causa e efeito entre as investigações policiais e a decisão de parar os trabalhos:

Disse:

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"Eu quero uma retaguarda jurídica para as pessoas que fazem a segurança em nosso Brasil", disse. "Não admito que integrante das polícias e das Forças Armadas, após o cumprimento da missão, respondam a um processo."

A "retaguarda jurídica" de que fala o futuro presidente é um eufemismo para a impunidade, num grau sem paralelo na história brasileira recente. Mais grave: ao procurar garantir que nenhum policial ou militar será obrigado a prestar conta de seus atos perante a lei -- como ocorre com os demais 210 milhões de brasileiros --, o presidente eleito tenta assegurar um sistema de impunidade pelo qual agentes que atuam em nome da lei não serão obrigados a prestar contas de seus atos. Na prática, podem atuar acima da lei, já que eventuais crimes sequer serão investigados. 

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A Constituição define a tortura como crime hediondo, inafiançável e imprescritível. Diz o inciso III do artigo 5o: "ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante". Redigida num balanço doloroso de uma ditadura de 21 anos, os constituintes conformaram-se em não mexer no passado. Não investigaram nem puniram tortura e os torturadores. Mas definiram um pacto para o futuro -- como se vê até pelo tempo do verbo: "ninguém será submetido a tortura". 

Durante a prolongada escravidão brasileira, a violência descontrolada do cativeiro levou o  Judiciário regulamentar os castigos aplicados pelos senhores. Os magistrados até consideravam que chibata podia ser forma justa de punição -- mas definiam o número de golpes que homens e mulheres escravizados iriam receber, que podia variar conforme a gravidade da falta cometida. 

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Tolerada e estimulada durante o Estado Novo e também durante o regime militar, a tortura nunca foi um segredo de Estado. Era admitida e jamais foi punida. Mas não liberada -- como sugere a "retaguarda jurídica" de que fala Bolsonaro, ao pretender que militares e policiais não serão processados quando estiverem agindo em "cumprimento da missão".

 Para dar um único exemplo. O general Ednardo d'Ávila Mello conservou seu posto de Comandante do Sudeste após a morte de Vladimir Herzog, em 1975. Mas foi afastado quando o operário Manoel Fiel Filho morreu em circunstâncias idênticas, poucos meses depois.

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A reação da população dos EUA após o 11 de setembro ajudou a fechar os olhos para decretos e previsões legais de George W Bush que abriam as portas para a tortura e sequestro de suspeitos de terrorismo. As revelações sobre o que se passava no interior de prisões, como a masmorrra de Abu Graib,  mudou a visão de muitas pessoas sobre o assunto. Morto em agosto, o senador John Mccain, republicano e conservador, foi enterrado como herói nacional justamente por seu combate à tortura na guerra do Iraque.

 Embora Donald Trump tenha sido capaz de declarar, logo depois da posse na Casa Branca, que em sua opinião a tortura "funciona", o aparelho de informações republicano não partilha a mesma opinião. Quando foi prestar depoimento para assumir a direção da CIA, o atual Secretário de Defesa, Mike Pompeo, falou sobre o assunto de forma clara. Disse "não concordar em absoluto"com as chamadas "técnicas aprimoradas de interrogatório" e acrescentou: "não imagino que o presidente fosse me pedir isso".

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