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Mauro Nadvorny

Mauro Nadvorny, é Perito em Veracidade e administrador do grupo Resistência Democrática Judaica". Seu site: www.mauronadvorny.com.br

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O antissemitismo nosso de todos os dias

o combate ao antissemitismo não unifica a esquerda e a direita judaica. O episódio Lúcia Helena Issa é um bom exemplo

Eleição em Israel (Foto: REUTERS/Ammar Awad)
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Se existe uma coisa capaz de unir a esquerda e a direita, é o antissemitismo. No entanto, o combate ao antissemitismo não unifica a esquerda e a direita judaica. O episódio Lúcia Helena Issa é um bom exemplo.

O negacionismo empregado pela jornalista no programa Um Tom de Resistência, em nada se difere de outros utilizados em programas de direita. São os mesmos termos, a mesma narrativa, o mesmo propósito. Só que desta vez, foi em uma mídia de esquerda.

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Como os antissemitas fazem isso, está descrito no meu artigo da semana passada, onde mesmo sem nominar o antissemita de ocasião, mostrei como eles se expressam, sempre generalizando e sempre procurando meios de parecerem empáticos. O método é conhecido.

Claro que não poderia faltar a solidariedade da Fepal, uma entidade palestina que sacrifica uma postura representativa dos palestinos brasileiros em nome da defesa das teses antissemitas e conspiracionistas que foram expostas por Lúcia. Mas não foram somente eles, também houve judeus que se manifestaram a favor dela. Talvez aqui a prova maior da diversidade comunitária judaica.

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Para quem não sabe, muitos judeus lamentaram a morte de Olavo de Carvalho, um antissemita notório. Ou seja, eles não são a regra, mas a exceção. Todas as entidades judaicas progressistas, ou não, até mesmo a Conib, a entidade máxima, foram unanimes na condenação do que foi ao ar.

O Brasil 247, depois de haver retirado preventivamente o programa do catálogo, manteve a decisão de não trazer de volta. Mais do que isto, além de publicarem as notas de repúdio das entidades judaicas, promoveram um programa com Michel Guerman e Beatriz Kushnir. Nele foram explicadas didaticamente as posições antissemitas que haviam sido colocadas por Lúcia no programa anterior.

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Como bem explicaram os convidados, os termos utilizados pela convidada eram antissemitas. Um mix de verdades com meia verdades. Uma confusão de números sem nenhuma prova de sua veracidade. Informações descontextualizadas e pérolas do preconceito contra judeus. 

O mote do programa original era uma suposta máfia judaica israelense com 150 anos de atuação no tráfico de mulheres. Aqui já se percebe onde isto vai dar. Se Israel tem 73 anos, como é que já existia uma máfia judaica israelense 77 anos antes? Tudo bem, ela se confundiu, mas onde? Na idade da máfia, na sua composição, na sua atuação, onde está a confusão? E dali em diante, tudo é uma trama conspiratória, digna dos Protocolos dos Sábios do Sião.

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Pelo que disse Lúcia, uma máfia judaica israelense formada por judeus russos que receberam a cidadania em Israel, seriam responsáveis pelo tráfico de mulheres com a finalidade de as prostituírem. Assim sendo teriam enviado ao Brasil as Polacas, judias polonesas trazidas para o Rio de Janeiro. E no sentido contrário, brasileiras para Israel. Tudo acobertado pela comunidade judaica brasileira e pelo governo de Israel. Em meio a isto e aquilo, nomeou dois judeus pedófilos, um brasileiro e outro americano, para mostrar que esta seria uma característica judaica.

Fora do tema do programa, mas dentro do conceito antissemita geral, adentrou para a questão do sionismo com exemplos de atrocidades cometidas contra os palestinos, cuja crueldade seria outra característica dos judeus. Nenhum antissemita que se preze vai deixar de atacar Israel, isto é uma norma.

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Claro que ela não poderia deixar de mencionar seus amigos judeus, outra norma em qualquer exposição antissemita. Também falou sobre o respeito pelos judeus mortos no Holocausto, afinal era preciso mostrar um pouco de humanidade. Pelos judeus vivos, nenhuma empatia, ou em outras palavras para quem ainda não compreendeu: judeu bom é judeu morto.

Cabe então um questionamento óbvio sobre os amigos judeus da Lúcia. Se eles não são religiosos, porque ela os chama de “judeus”? O antissemita é cheio de contradições. Elas existem por sua incapacidade de conectar suas ideias em mundo real. Seu mundo é constituído de uma visão distorcida da realidade que só faz sentido na cabeça deles. Neste mundo, os judeus são uma unidade na qual todas as mazelas humanas existem e por isso lhes deve ser negada a existência.

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Mas a cereja do bolo é sua crença de que não existe uma nacionalidade judaica, judaísmo é uma religião. Este é um ponto importante na narrativa dela, pois se assim fosse, Israel não poderia existir e todos nós, judeus ateus, somos uma aberração antropológica. Fora assim e os nazistas não teriam se dado ao trabalho de tentar extirpar o povo judeu da face da terra. E como judeus, entendiam como sendo aqueles descendentes de até 3 gerações, mesmo os convertidos a outras religiões, ou totalmente agnósticos. 

Somos apenas 0,2% da população mundial. Mas o antissemita nos faz parecer 99,8%. Para eles, este número ínfimo tem a capacidade e os meios para dominar o mundo. Nos atribuem uma importância desproporcional e disforme. Não existe precedente como este na história da humanidade.

Eu vivo em Israel e posso garantir que é um país como qualquer outro. Aqui existem coisas maravilhosas e outras nem tanto. Corrupção de políticos, temos. Assassinos, temos. Ladrões, temos. Pedófilos, temos. Tráfico de drogas, temos. Cidadãos de segunda categoria, temos. Racismo, temos. Extremistas de direita, temos. E a lista segue.

Mas existe muita coisa boa também. Eleições livres, temos. Preocupação com o meio ambiente, temos. Maior número de veganos no mundo por habitantes, temos. Invenções que beneficiam a humanidade, temos. Tratamento médico universal, temos. Saneamento básico e água tratada para quase toda a população, temos. Tratamento do lixo, temos. Educação gratuita, temos. ONGs e entidades civis por um Estado Palestino, temos. Judiciário independente, temos. E a lista segue.

Tudo isto para dizer que somos um povo como qualquer outro e um país com gente maravilhosa que vive e deixa viver, que se importa com o próximo, com a paz com justiça para o povo palestino e os árabes israelenses. Gente que é militante nos grupos pela conciliação e convivência entre todos os habitantes deste território.  

No imaginário da maioria das pessoas, o antissemita é quele sujeito branco, de cabeça raspada, de baixa escolaridade, supremacista que ataca judeus, negros gays etc. Tudo que não esteja de acordo com a sua visão de mundo. 

Escutar uma senhora letrada, que escreve para diversos jornais, viajada, escritora etc., falando dos judeus, deve ser verdade o que ela diz. No entanto, quando se presta atenção a suas falas, percebe-se que algo está errado, não se encaixa, não faz sentido. 

Um bom exemplo é o que fez o Estadão há poucos dias em seu editorial atacando Lula. O jornal atacou p ex-presidente de maneira torpe, senão vejamos um trecho:

“Considerando tudo o que o PT fez e deixou de fazer ao longo de seus 40 anos de existência –muito especialmente, no período em que Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff estiveram no Palácio do Planalto–, uma nova candidatura petista à Presidência da República não deveria suscitar entusiasmo na população. A legenda que supostamente seria progressista, ética e renovadora da política percorreu um caminho muito diferente, colecionando casos de corrupção, aparelhamento do Estado, apropriação do público para fins privados e políticas econômicas desastradas” ...

Vejamos agora desta maneira:

“Considerando tudo o que os judeus fizeram e deixaram de fazer ao longo de seus 3000 anos de existência –muito especialmente, no período recente em que foram aceitos para viver em diversos países–, um novo crime cometido por eles deveria suscitar repúdio na população. Os judeus que supostamente seriam progressistas, éticos e renovadores da ciência percorrem um caminho muito diferente, colecionando casos de corrupção, tráfico de mulheres, pedofilia, apropriação de bens públicos para fins privados a fim de tirarem proveito de políticas econômicas desastradas” ...

Como é simples manipular as palavras em proveito próprio. O Estadão “esqueceu” tudo de bom que aconteceu nos governos petistas, e a lista é longa. Poderiam até minimizar parte delas, mas nunca poderiam deixar de mencionar dados que são fatos comprovados. 

Da mesma maneira agiu Lúcia. Ela mirou em fatos por vezes verdadeiros, por vezes lendas urbanas para atacar os judeus. Não menciona o que pode ser tomado como algo positivo, e a lista também é longa, para fixar seu ódio na ação de um grupo judeu que representa todos os judeus do mundo. Ela faz com os judeus o que o Estadão fez com Lula e o PT.

Lúcia Helena Issa representa muito bem este papel de uma nova geração antissemita que se encontra na esquerda, mas que poderia muito bem estar do lado de lá. Faz muito tempo que o ódio aos judeus deixou de ser característico da direita e passou a ser parte da esquerda também. Nós, judeus de esquerda vivenciamos isto todos os dias. 

Temos os mesmos ideias de mundo e ansiamos por um Brasil livre de Bolsonaro. Lutamos por justiça social, contra as políticas neoliberais que aumentam o fosso entre ricos e pobres. Sonhamos retornar o país ao seio das nações em desenvolvimento. Mas ainda assim, não somos aceitos por uma parcela da esquerda.

Existe um longo caminho ainda a ser percorrido para que o antissemitismo seja compreendido como o preconceito mais antigo do mundo. 

 

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