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Roberto Bueno

Professor universitário, doutor em Filosofia do Direito (UFPR) e mestre em Filosofia (Universidade Federal do Ceará / UFC)

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Brasil, país ocupado: Rede Globo, EUA e Paulo Guedes

"A construção da resistência democrática e popular passa pela resistência ao modelo Paulo Guedes, e quem seja o seu executor é apenas um apêndice", escreve o professor de Direito Roberto Bueno

Jair Bolsonaro e Paulo Guedes (Foto: Marcos Correa/PR | Reuters)
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O Brasil historicamente luta pela afirmação de sua independência, finalmente comprometida a partir do golpe de Estado de 2016, realidade que setores da esquerda tardam em transferir do discurso e da compreensão teórica para a prática política cotidiana. O processo golpista não iniciou sem o envolvimento do poder militar que insiste em reclamar competência tuteladora das instituições, da elite financeira, judiciária e midiática que, no caso brasileiro, teve à frente todos os veículos das organizações Globo, conjunto todo ele organizado e orquestrado pelo império. Neste dia 15.09.2020 o editorial do jornal O Globo impôs críticas à política externa brasileira, mas é preciso ter claro que nenhuma placa tectônica realmente se moveu. 

O referido editorial do jornal O Globo apresenta linha refletida nos artigos de Bernardo Melo Franco e Míriam Leitão também publicados neste dia15.09.2020. Lapidar, o editorial da família Marinho afirma que “O governo Bolsonaro avança no projeto de demolição da política tradicional do Itamaraty: não subordinação aos Estados Unidos e equidistância diplomática”. Nada disto. O Governo dá curso à demolição anunciada bem antes da posse, durante toda a campanha presidencial de 2018, cenário absolutamente claro para analistas políticos experimentados que trabalham para as organizações Globo. 

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Está ainda fresca a tinta utilizada na impressão do jornal O Globo, mídia ideológico-financeira dos Marinho que serviu para alardear as (supostas) amplíssimas virtudes do governo neoliberal de Mauricio Macri, apontando-as como o horizonte ideológico e econômico para toda a América Latina. Literalmente, Macri afundou a economia do país como os militares sob o general Galtieri o fizeram com o cruzador General Belgrano durante o conflito nas Malvinas. Este resultado nefasto é a regra, sem exceções, da aplicação da política econômica neoliberal. 

O editorial dos Marinho aponta que a política externa de alinhamento automático adotada pelo Itamaraty possa decorrer de “engano” por parte dos EUA de que seja vítima a família Bolsonaro.

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Para os editorialistas, “Bolsonaro, filhos e seu grupo foram evidentemente logrados por Trump no negacionismo da Covid-19”, em suma, teriam caído na “conversa”, Bolsonaro teria sido “catequizado pela lorota da cloroquina”. Nada mais equivocado do que supor tratar-se de logro ou engano, o que não é um engano, mas uma notória tentativa de encobrir os fatos. A mídia dos Marinho tergiversa o fato de tratar-se de articulação política internacional de recolonização do país, para ocupá-lo em todas as suas esferas para drenar eficazmente as suas riquezas. A mídia dos Marinho pode criticar a política externa bolsonarista apenas na medida e força exata em que comprometa os interesses mais imediatos de seus sócios nacionais, mas não irá tão longe a ponto de comprometer o próprio sistema financista capitaneado por Paulo Guedes. A crítica das organizações Globo não pode ultrapassar os limites, pois os interesses da empresa coadunam com os da ocupação do Brasil pelos EUA. 

O citado editorial avança o suficiente na crítica aos efeitos da subserviência e ultraconservadorismo, mas não passa sequer próximo da conexão destes atores com os interesses do neoliberalismo e tipo fascista que conduzem. A submissão total do Governo é assumida pelos editorialistas ao revelar a “classificação às pressas, pelo Itamaraty, de telegramas enviados a diplomatas na ONU com instruções para trabalharem pela proibição do aborto e contra propostas não discriminatórias de mulheres e meninas”, o que demonstra que as ações governamentais apenas se revestem de formalidades, pois a sua substância é concebida à distância. São ordens provenientes da metrópole tão somente informando como a colônia deve proceder, autoridades classificáveis como meros apêndices e executores de políticas pré-determinadas. Somos levados a questionar se o Itamaraty está a receber tal espécie de instruções, acaso também outros ministérios mais relevantes do ponto de vista econômico não estariam a recebê-las? Não receberiam das ordens ministérios estratégicos para a consecução da política de destruição da indústria nacional que interessam tanto ao império quanto a liquidação de grandes empresas nacionais e de gigantes como a Petrobrás? 

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O editorial da família Marinho deste dia 15.09.2020 conclui que o Governo Bolsonaro “fere preceitos constitucionais, entendimentos do STF e a tradição da diplomacia brasileira”, mas não menciona que esta exceção foi tornada a regra da vida nacional desde o momento em que as organizações Globo utilizaram as suas antenas e toda a sua força midiática para destruir o regime democrático e as bases da Constituição de 1988. A partir de então, quem poderia legitimamente não ter suspeitado que este cenário de transgressão de preceitos constitucionais hoje criticada pelos Marinho não seria a realidade? O neofascismo era o caminho óbvio e determinado, cuja ascensão ao poder as organizações Globo notavelmente apoiaram. Reconhece O Globo que, hoje, “O governo vai assim executando seu projeto obscurantista e se afastando do mundo moderno, democrático, progressista”. Podem reclamar das consequências do fascismo aqueles que elegem um fascista? 

A política externa brasileira é alvo da consideração do editorial ao alertar para que a eleição de Trump é irrelevante quando se tem em vista avaliar o quão lesivo é para os interesses nacionais o atrelamento automático da política externa brasileira a dos EUA. Para os Marinho, isto é uma “armadilha”, mas nada mais. Efetivamente, não é uma armadilha, mas um genuíno ato de entrega da soberania nacional exemplificado por tantos atos de autoridades nacionais, e bater continência para a bandeira do EUA foi apenas o símbolo e estética mais bem acabada possível. Para esta política as organizações Globo sempre colaboraram, e de forma decisiva, em diversos momentos históricos, em prejuízo dos mais caros interesses do povo brasileiro. Acaso algum arroubo nacionalista dos Marinho? Mesmo a ingenuidade tem limites. 

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Em artigo de Míriam Leitão publicado neste dia 15.09.2020 resta evidente o absoluto alinhamento, terminológico e conceitual, com o editorial do jornal O Globo publicado páginas antes. Neste artigo intitulado “Política externa contra o Brasil” Leitão reforça a ideia da “subserviência aos Estados Unidos, [como] marca maior da política externa do governo Bolsonaro, [que] produz prejuízos concretos”. A análise da empresa revela a preocupação com manter o tom da crítica em nível de intermediária intensidade, pois a empresa omite tratar do âmago da questão, que não reside na “imposição de prejuízos ao país”, mas sim de projeto de poder que alinha a elite interna do Brasil às ambições de domínio total do império norte-americano. A elite interna é mera contratada. Nesta dimensão é preciso compreender a inexistência de governo orientado pelo propósito de velar pelos interesses nacionais, pois países ocupados tem como seu exclusivo critério de êxito a consideração sobre o a amplitude das políticas adotadas em proveito da metrópole. 

A orientação do Governo brasileiro não é de “ceder” aos interesses do império, pois os diversos segmentos da elite interna estão absolutamente associados ao projeto de drenagem das riquezas nacionais. O que está em causa é a implementação lisa, rasa e completa das estratégias de drenagem das riquezas nacionais, e a política externa de isolamento do Brasil dos seus grandes parceiros comerciais cumpre o papel de deslocar poder político e econômico para o império. Não está em causa, como sugere Leitão, que o Governo brasileiro adota posição de “subserviência”, pois ocorreu a sucumbência, e logo se tornou parte integrante subordinada da administração da metrópole. Leitão argumenta que o país poderá pagar preço por sua subserviência, desprezando e omitindo o fato de que já houve a entrega completa do poder, e que a sua riqueza não mais é gerida internamente, mas concebida e enviada pronta desde os gabinetes do império.

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O editorial do jornal O Globo e o texto de seus articulistas expõem suposto enfrentamento entre a elite. O que está em causa é, de fato, tão somente briga pela captura de maiores fatias da economia, e de poder. Está em causa a disputa por nacos de poder para implementar políticas mais favoráveis a cada um dos setores em disputa, e isto explica o embate entre os Marinho e Bolsonaro, ambos diletos seguidores de Paulo Guedes. A linha editorial das organizações Globo não está a defender a soberania nacional, mas apenas mobiliza argumentos para enfrentar seus inimigos pontuais, dentre os quais não se inclui a política econômica encarnada em Paulo Guedes. As organizações Globo estão visceralmente alinhadas com os interesses financeiros transnacionais, disposta a sustentar ideologicamente os interesses do império. Esta análise não pode constar em qualquer setor da mídia ideológico-financista dos Marinho, que desde sempre controla tão bem o que publica quanto aquilo que omite de seu manipulado público. 

Bernardo Melo Franco também publica artigo em tom incisivo neste dia 15.09.2020, reforçando a posição da linha editorial de O Globo ao afirmar que “Desde a vitória do capitão, o Brasil diz ao mundo que aceita ser submisso à Casa Branca”, sendo notáveis e repetidas as declarações neste sentido tanto através da figura presidencial como de seu Ministro de Relações Exteriores, assim como de figuras do segundo escalão, todas elas comprometidas com construções ideológicas alheias ao mundo real. Em retrospectiva, Melo Franco analisa que “Outros governos já haviam se ajoelhado diante dos EUA, mas nem a ditadura militar foi tão servil nas relações com o país”, e se a ditadura não o foi se deve a que os militares de então se dispuseram a verter o sangue de seus opositores, mas não o das gerações vindouras, enquanto que o teor nacionalista dos atuais militares ganha expressão na linha editorial do citado jornal. 

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Qual a real perspectiva que as organizações Globo e demais patrocinadores do golpe de Estado de 2016 poderiam ter nutrido relativamente ao encaminhamento do poder quando escolheram o seu candidato militar? Não há qualquer novidade quanto ao desenvolvimento dos fatos, e se hoje alguma surpresa há, diz respeito ao desacerto interno entre os grupos políticos que realizaram o golpe, em luta para apropriar-se do maior naco do butim. Rigorosamente, a elite nacional e sua mídia corporativa conta com o esquecimento geral de tudo quanto realizaram para afastar o Brasil do caminho da democracia sob o regime constitucional de 1988, cujas diretrizes socialmente concebidas e gravadas na Carta a elite nunca foi capaz de digerir em face das previsões assecuratórias de básicos direitos sociais. Nem isto os companheiros de caminhada das organizações Globo estiveram dispostos a suportar, pois não tem fim a ambição de gente de coração escravocrata que continua a tensionar para concentrar ainda mais as riquezas em poucas mãos. O Governo que a família Marinho auxiliou a derrubar era eminentemente popular e democrático, e aquele que apoiou decisivamente em sua ascensão, declaradamente fascista, e a perseguição aos grupos anti-fascistas apenas o atesta. Isto causa estupor e mobiliza campanha nas mídias dos Marinhos como o ataque aos servidores públicos e ao Estado brasileiro? 

A política externa brasileira é analisada por Melo Franco segundo o mesmo tom incisivo do editorial da empresa ao sublinhar que “Bolsonaro tem jogado no lixo décadas de política externa independente”, mas também alinhado com os Marinho, omite nomear o Presidente Lula e Celso Amorim, seu Ministro de Relações Exteriores, como grandes coordenadores da política de soberania nacional. Melo Franco afirma que “Em vez de defender o interesse nacional, a diplomacia brasileira passou a defender o interesse de Washington”, e isto é cristalino. Mas qual fundada dúvida que poderia remanescer a partir de todas as manifestações do então candidato Bolsonaro e de seus acólitos em prol dos EUA desde o período eleitoral? Qual razoável dúvida de que governos títeres não passam de sucursais executivas da metrópole incumbida somente de implementar as medidas enviadas por “ordenanças”? O que são governantes que coadunam com a disseminação de vírus mortal entre o povo e se omitem em face da propagação do fogo na floresta? 

O que são governantes que desprezam a persecução de poluidores dos mares e de águas internas assim como de assassinos de políticos representantes do povo brasileiro? Podem ser nominados mais do que como vassalos do império? Rigorosamente, quando isto incomodou as organizações Globo? Hoje tampouco incomoda, e a disputa entre os Marinho e Bolsonaro não passa de raso enfrentamento pelo poder, permanecendo de mãos dadas com o que representa Paulo Guedes e seu publicamente admirado General Pinochet, reconhecido corrupto que derrotou o povo chileno à ferro, fogo e assassinatos em massa. Este é o ponto. A política externa brasileira tem o rosto oculto da política econômica financista, violenta e ditatorial de

Paulo Guedes com quem as organizações Globo não tem qualquer ponto de divergência, como resta claro do editorial e dos textos de seus articulistas aqui citados. A crítica das organizações Globo é endereçada tão somente a Bolsonaro. A construção da resistência democrática e popular passa pela resistência ao modelo Paulo Guedes, e quem seja o seu executor é apenas um apêndice. 

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