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Rogério Puerta

Engenheiro agrônomo, atuou por doze anos na Amazônia brasileira em projetos socioambientais. Atuou em assentamentos da reforma agrária no Distrito Federal por dez anos e atualmente vive em São Paulo imerso em paixões inadiáveis: música e literatura. Escreveu diversos livros

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Brasília: "Sabe com quem está falando?"

Fachada do Congresso Nacional, a sede das duas Casas do Poder Legislativo brasileiro, em noite de lua cheia. 4 de agosto de 2020 (Foto: Pedro França/Agência Senado)
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Brasília e Distrito Federal. O DF é o retângulo todo, Brasília uma região administrativa central, a Praça dos Três Poderes, Congresso, asas Sul e Norte e outros. Na placa dos carros tudo é Brasília, no remetente das cartas, uma excrescência, ao que dizem, o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios. Só quem nasceu lá antes ou pelos anos 70 lembra os territórios: Rondônia e outros.

Brasília, o Plano Piloto, se assemelha a uma redoma de vidro, mas não consegue esconder tudo, a rodoviária central, nem um quilômetro do Congresso, nos mostra dia e noite meninos dormindo sobre as grades aquecidas por bafo do metrô abaixo, fumando crack, mais vexatório a uma capital de País impossível. Que os estrangeiros vejam bem, o país onde Deus está cima de tudo e todos.

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Somente na visão míope militar quanto a administrar um País inteiro. Ceilândia pois CEI: Campanha de Erradicação de Invasões. Como se fosse sequer possível erradicar um fenômeno social. Eliminar o tráfico de drogas, os roubos, estelionatos, o adultério. Formiga-saúva e capim não se elimina, não se erradicam. Há de se conviver, controlar, combater. Naturalmente aparecem, assim o fluxo e ciclo de vida no planeta.

Você ouviu que em Curitiba é assim também. Nunca lá esteve, mas colega sim, e disse que assina embaixo o diagnóstico. Sobre Brasília viu vídeos de denúncia, caseiros, um com balconistas e outro com uma vigia de banco. Uma mulher, com o uniforme da empresa e armada, nítido que a ameaça de um cliente estressado se motivou ao sexo da trabalhadora. Outras duas vezes, balconistas, um sujeito novo no aeroporto e um outro mais velho e menos letrado em repartição pública, um porteiro atrás de balcão. Profissionais achacados por clientes autodeclarados semideuses. "Bote-se no seu lugar! Aqui fala o...".

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Incoerente taxar que a arrogância e prepotência são coisas localizadas. São Paulo, multidiversa, megalópole, lá também você viu e ouviu. Um ônibus lotado, como sempre no horário de pico, em geral gente voltando de uma jornada de trabalho exaustiva. Logo se via que em determinada parada embarcam vários operários de uma enorme fábrica avistável pelas janelas do coletivo. Logo se repara em seus sotaques carregados, todos nordestinos.

Mais gente do que deveria transportar, aperto, lotação, sempre assim no horário. Nem embarcou direito, um operário segue para a catraca do ônibus, passa por gente espremida, em pé, entre estes um sujeito de terno e gravata, suando em bicas, este olhou pra lá e pra cá e logo concluiu se direcionando a uma moça ao seu lado, bem bonita, com a qual mais provável quisesse puxar conversa: "Não fala nada, não reage, estou de olho".

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O operário, doutor formado no cotidiano das ruas, logo percebe e desaforo não leva não: "Qual é o problema, não posso passar não?". O paquerador: "Não fala mais uma palavra que te dou voz de prisão". Pra quê? Escutou um monte e nem conseguiu mais argumentar, a estória da voz de prisão era ridícula por si só.

Mesmo em terras de além-mar. Sempre que você encontra alguém que esteve na Alemanha pergunta o mesmo, virou um hábito: "Verdade que lá latino-americano é mal tratado, que lá querem lhes dar lições de moral?". Poderia ser turco, historicamente, mas estamos no século XXI. "Igualzinho, bem assim, amiga morou lá, fala alemão, até loira natural é, disse que não aguenta mais a vizinhança do bairro reparando em tudo dela, o jeito de se vestir, de andar, de ficar em fila no comércio, de cumprimentar os outros".

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Você foi ao hipermercado e ouviu ao longe um funcionário de empresa de segurança terceirizada conversando com outro colega ao lado. Em certas ocasiões só tapando os ouvidos para não ouvir. Disse o sujeito que é um patriota, que ama o Brasil, a bandeira, que é capaz de morrer pelo País. O diálogo com o colega avançou, pouco movimento havia no mercado, aos poucos se revela que o país amado é um meio país amado. Revela-se que, sim, o sujeito é capaz de morrer pelo Brasil, um guerreiro, patriota, mas tão somente por uma parte do Brasil escolhida a dedo. O País que ele ama não é a Nação, o que ele ama é a porção com a qual se identifica. Se pudesse botaria nordestinos, metade das favelas, índios, quilombolas, moradores de rua, quem traje vermelho, usuários de drogas, corruptos, todos em um país isolado, uma subnação. algo a sequer merecer o brilho dos brasis.

Segregação, uns acima de outros, cada qual em seu nicho, Deus acima de todos, ao que dizem. Ateus e agnósticos seriam taxados portanto a uma casta inferior, pseudocidadãos, nem gente direito seriam. "Você sabe com quem está falando?". "Aqui fala um ente superior". Esta arrogância social cotidiana é um perfeito reflexo de democracias imperfeitas: agrupamentos desprezando as vozes alheias.

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Ocorre muito em cidades provincianas, áreas de novas colonizações, no planeta Terra ocorre, brancos caucasianos explorando a África estabelecem seus nichos, suas comunidades, pouco se misturam ao povo. Centro de Tradição Gaúcha: ótimo aos sulistas existirem, bom churrasco, gente bonita, há CTG em cidades dentre as mais inusitadas Brasil afora, até no estrangeiro. Pouco se misturam ao povo local, quando muito apenas por negócios ou demanda de mão de obra. Que se comprove, se alguém de fora quiser frequentar as reuniões e saborear os churrascos de um CTG necessariamente deve possuir algum refinamento, purificação, ao menos algum apuro intelectual. Apuro de intelecto em definição muito peculiar. Acreditar ao fundo do coração em criacionismo e negar a ciência de Darwin eventualmente aí inclusos.

Brasília uma plutocracia provinciana? Convergência, um ímã, salários duas, três, quatro vezes superiores em mesmo cargo de outras regiões. Haveria identidade ou único critério a optar por determinado concurso público? Ouve-se muito. "Por que escolheu a carreira?". "Pelo salário e estabilidade".

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Você ouviu muito a respeito, foi confirmar, quando encontrou o primo tirou a dúvida: "Zeca, quando você trabalhava como representante comercial aconteceu isto quando esteve em Brasília?". "Olha, naquela época eu achava bom, pegava da firma diária cheia, pra ficar em hotel três estrelas, eu gastava nem a metade e fica em muquifo, fiquei em um na Asa Sul que só depois fui saber ser clandestino, era uma casa, eu corria o risco de a polícia vir e fechar tudo. O que lembro bem e nunca esquecerei é que foi lá em Brasília que, pela primeira vez na vida, vi claramente uma senhora puxando bolsa pra junto de si quando me viu andando lá naqueles jardins da Asa Sul, olhou assustada pra mim e tentou esconder a bolsa, eu do meu jeito, era de manhã e ainda não estava com traje social de representante da firma, estava de chinelo e camiseta, fui a uma padaria pois a pensão nem café da manhã servia, isto me marcou muito. Lembro também que, naquela época sem celular ágil, fui a uma lan house passar e-mail pra firma, não deu nem vinte minutos percebi um sujeito que devia estar lá pra checar algo sobre os resultados das dezenas de concursos públicos que lá sempre têm. Do nada o sujeito retrucou um 'Aqui fala o Ministério Público, reponde logo'. Criou uma tensão no lugar, depois ele foi se explicando, tinha acabado de ver no computador que tinha passado em concurso do MPDFT e já se achava o cara. É mole um troço destes?".

Eleições à vista. Em escolha, a opção por um País que reflita a Nação, maiorias sociais respeitando a voz das minorias, ou um País descolado da Nação, apenas a fração do país que exiba tons e nuances cuidadosamente selecionados.

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