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Emiliano José

Jornalista e escritor

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Bruxas, e povo na rua

"O caminho é seguir na luta, perseverança e ousadia. Torcer e lutar para a presença do povo nas ruas em contraposição às anunciadas hordas bolsonaristas. Nosso desafio é este: garantir mobilizações amplas, com forte participação popular nesse Sete de Setembro, tão decisivo", escreve Emiliano José

Manisfestantes protestam na avenida Paulista contra o governo de Jair Bolsonaro (Foto: Ricardo Stuckert)
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Quando ouço ameaças de golpe, penso nas bruxas. Coisa antiga, de criança talvez. Adulto, deixei de temer. Não creio nelas mais, e o digo até com alguma tristeza. Não as considerava tão assustadoras assim. Mas, esse pensamento me põe alerta, e é bom estar atento. Não existem, pero que las hay, las hay. Não é aconselhável tratar com desdém ameaças de golpe, sobretudo quando procedentes do presidente da República, e sem que as Forças Armadas do país não o desmintam de modo cristalino, façam ao contrário um silêncio ensurdecedor, e a ele continuem prestando continência. 

Dou crédito, e como, ao querido companheiro de armas, José Genoíno. Ele afirma: o golpe já foi dado. Numa entrevista, penso que ao Tutaméia. Coberto de razão. Em 2016, os golpistas mostraram suas armas, derrubaram a presidenta Dilma, disseram de seus projetos, com a cumplicidade ativa das chamadas instituições, do Congresso ao Judiciário. Arrumaram a cama para a chegada de Bolsonaro, criaram o clima para tanto, impediram Lula de ser candidato, e desde lá, militares às centenas incrustados no governo dele. Ilusão de quem pensou, inclusive militares, de domar o espírito trumpista do atual presidente, envolvido a cada minuto com a ideia de golpe, com a radicalização do modelo em curso, com o desmonte das frágeis instituições democráticas remanescentes.

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Nunca se aconselha simplificação. Há de fato movimentação de setores das classes dominantes, incomodados com os desatinos do presidente, o mesmo incensado por eles na eleição de 2018, sob o argumento da derrota do PT – tudo, menos o PT. Deu no que deu. Agora, o mundo desabou sobre a cabeça deles. Um presidente desatinado, negacionista, disposto a praticar genocídio. E esses setores são bem-vindos. No entanto, não devemos bancar o avestruz. Tais setores, qual Diógenes, buscam uma terceira via, outra vez tentando conter o PT, a força telúrica de Lula. Até agora, patinando nesse esforço.

De outro lado, toda a classe dominante, falo das forças econômicas nacionais e das internacionais, solidamente alinhada com as chamadas reformas de Bolsonaro, com a perversidade neoliberal, com a maior ofensiva de nossa história, ao menos nos últimos 80 anos, contra os direitos do povo brasileiro, especialmente contra os direitos trabalhistas, sem contar o fim de todas as políticas públicas inclusivas do presidente Lula e da presidenta Dilma. 

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O País convive hoje com metade de sua força de trabalho praticamente desempregada: coisa de 50 milhões entre desempregados, desalentados e aqueles trabalhando 20 horas por semana, o precariado do precariado. É contradição da terceira via: investir contra o negacionismo de Bolsonaro e permanecer ao lado dele, rente que nem pão quente, em relação à sua devastadora e cruel política econômica.

A Rede Globo, porta-voz entusiasmada da terceira via, viúva de Sérgio Moro, tenta equilibrar-se no fio da navalha dessa contradição: positivamente faz a crítica do negacionismo, defende medidas científicas em relação ao covid-19, e embarca na terceira via, esconde Lula, firme na trincheira antipetista, e apoia as chamadas reformas de Paulo Guedes, núcleo essencial do governo Bolsonaro, se puder quer radicalização delas.  

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Muita contradição, e é necessário à esquerda saber mover-se em relação a ela. Estar ao lado do resquício de iluminismo das forças do centro, porta-voz de nossas classes dominantes, e contra a atitude favorável de tais forças às políticas concentradoras de renda, excludentes de direitos, a favor sempre de uma democracia mitigada, apenas para consumo dos de cima. 

O programa da esquerda há de ser de combate frontal às políticas neoliberais, a favor da democracia compreendida como luta incessante pela igualdade e pela liberdade política e nisso não será possível transigir, por mais esforços sejam feitos para ampliar o leque de alianças, esforços absolutamente indispensáveis a requerer, no entanto, um olho no padre, outro na missa.

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E a ameaça de golpe?

Vou e volto ao nosso Genoíno, a quem não me canso de reverenciar, por sua história e dedicação ao povo brasileiro, por sua capacidade de elaboração. Peço licença para uma ponderação. Na Bahia, no candomblé, pede-se licença aos mais velhos para falar. Aqui, pedir licença ao mais sábio. 

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Sim, já deram o golpe. Mas, podem redobrar a aposta. Fizeram isso em outras ocasiões, e não vou ensinar padre-nosso a vigário, e Genoíno é vigário antigo, experiente. Em 1968, com o AI-5. Já ocorrera o golpe em 1964, e os promotores daquele movimento sangrento, resolveram radicalizar. Claro, claro, Genoíno, velho marinheiro, pode me alertar: a conjuntura é outra. É, sem dúvida. Mas, é sempre bom dar uma olhada ao passado. A um golpe pode suceder outro, pondero.

O atual presidente não se cansa dia após dia de anunciar o golpe. Há quem diga: não terá apoio das Forças Armadas. A mídia tradicional tem batido nessa tecla. Eu, cá com meus botões, não diria com tanta certeza, pois tais forças foram desmoralizadas por Bolsonaro nos últimos meses, em episódios bastantes conhecidos, a envolver a saída dos três comandantes militares, a nomeação dos novos, o perdão de Pazuello e o desfile de obsoletos tanques pela Esplanada dos Ministérios em dia de votação do voto impresso. Ajoelharam, têm de rezar. 

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Avançando um pouco. Talvez quase certo o presidente jogue com pau de dois bicos: se não tiver o apoio das Forças Armadas num primeiro momento, pode contar com suas milícias e com parcelas das polícias militares, além de sempre estimular hordas vinculadas a ele de comprar mais e mais armas, como fez nas últimas horas, e mobilizá-las. Pode apostar num confronto que leve o País a uma situação caótica, e que obrigue as Forças Armadas a intervir, criando uma situação de fato, dando algum argumento e conforto a tais forças, evidentemente responsáveis e fiadoras da presença do capitão reformado à frente da presidência da República, disso ninguém duvida ou pode esconder. Tá legal: pode acontecer de tudo não passar de um blefe. Mas, blefe seja, perigoso. E é bom não ignorá-lo ou desconhecê-lo.   

Nada é simples, também, no entanto, para Bolsonaro e seu golpismo. Há uma situação internacional pouco propícia. Trump não é mais presidente. Os ventos na América Latina sopram a favor da democracia: Argentina, Bolívia, Peru, Chile são exemplos desses ventos. O flerte de Biden com endurecimento na América Latina pode sofrer algum recuo, especialmente diante do desastre do Afeganistão, com forte impacto interno. E o neoliberalismo não apresenta seu melhor momento. E a China vai assumindo dianteira na geopolítica mundial. Não há, assim, inevitabilidade do golpe, mas é sempre bom estar atento – volto: as bruxas não existem, mas que las hay, las hay.

E o caminho é seguir na luta, perseverança e ousadia. Torcer e lutar para a presença do povo nas ruas em contraposição às anunciadas hordas bolsonaristas. Nosso desafio é este: garantir mobilizações amplas, com forte participação popular nesse Sete de Setembro, tão decisivo. Aqui, eu e Genoíno estamos juntos, como sempre. Os golpes, e lembre-se o da Bolívia feito com o concurso sobretudo de milícias, só são contidos se houver presença do povo, e disposto a lutar. Grande desafio. Com a maioria da força de trabalho desempregada ou subempregada, há de crescer a indignação, e os partidos e movimentos podem ajudar nesse crescimento, sem nunca poder substituir a população, tentação voluntarista sempre presente. 

Conjuntura difícil, inegavelmente. Desafiadora de nossa criatividade e imaginação. Os índios, nas últimas horas, e escrevo antes do desfecho da votação do STF sobre a tentativa de volta atrás nos direitos dos indígenas, nos deram lições de ousadia e coragem, e de amplitude. A maior mobilização de todas até agora, resistindo a essa quebra de direitos. Dia Sete de Setembro, com todo seu simbolismo, pode ser um bom momento para seguir os passos deles – nosso povo nas ruas para garantir a democracia, os direitos das maiorias e minorias, e um clima civilizado e democrático de disputa eleitoral em 2022 para levar Lula novamente à presidência, e recomeçar outra história. Será, assim sendo, uma bela e forte e necessária contraposição às ameaças golpistas.  Tocando em frente, como diria nosso Almir Satter.

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