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José Álvaro de Lima Cardoso

Economista

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Celso Furtado: refinamento e atualidade de pensamento

Celso Furtado, tido como um dos grandes intérpretes do Brasil, possivelmente é o economista mais importante da história do País

Economista Celso Furtado em 1962 (Foto: Arquivo Nacional)
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O Brasil enriqueceu, desenvolveu-se, mas mantém sua subordinação aos grandes centros, às decisões negociadas fora do país (Celso Furtado)

Do ponto de vista econômico e social a situação do Brasil é muito difícil, a começar pela previsão de crescimento da economia brasileira para esse ano,  em torno de 1%. Ademais, o país tem a taxa de juros mais elevada e é o que mais gasta com pagamento da dívida, em todo o mundo. É nesse quadro que o tema da necessidade de o Brasil retomar o crescimento e distribuir renda, voltou ao centro do debate, principalmente a partir das manifestações do presidente da República que, corretamente, tem criticado a política do Banco Central “independente”, que pratica juros escorchantes. Política que só interessa aos banqueiros, que já não sabem mais onde colocar o dinheiro ganho.  

No debate sobre a necessidade de o país retomar o crescimento, o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) tem papel fundamental, no financiamento das empresas e do crescimento, especialmente nesse quadro de juros “fora da curva” existente no país. Como é conhecido, o Banco foi muito criticado durante os governos golpistas, de Michel Temer e Bolsonaro, justamente porque o golpe foi contra qualquer pretensão de projeto de desenvolvimento nacional. 

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O certo é que o Banco foi muito importante na história econômica do Brasil, desde sua fundação, no início da década de 1950. O Plano de Metas, por exemplo, aplicado no governo Juscelino Kubitschek, teve papel decisivo do BNDES. Posteriormente o Plano Trienal, criado pelo economista Celso Furtado, já em meio às turbulências que levaram ao golpe de 1964, visava, dentre outras coisas, combater a inflação e fazer o Brasil crescer a uma taxa de 7% ao ano, além de iniciar uma política de distribuição de renda. Os conceitos desenvolvidos por Celso Furtado e outros, contidos no Plano Trienal, estão na ordem do dia até hoje: substituição de importações por produção nacional onde for possível, realizada gradualmente; industrialização do país, distribuição de renda, expansão do mercado consumidor interno etc. 

Celso Furtado, tido como um dos grandes intérpretes do Brasil, possivelmente é o economista mais importante da história do País. Paraibano de Pombal se dedicou à difícil (e complexa) tarefa de entender a economia e a sociedade brasileiras. A obra de Celso Furtado reflete a permanente tentativa de entender o Brasil, no contexto latino-americano, e propor saídas para o subdesenvolvimento crônico, que acomete toda a Região. O essencial da exuberante obra do autor, mesmo tendo sido formulado mais nas décadas de 1950 e 1960, é muito atual. Dentre outras razões, porque os problemas que ele catalogou não foram resolvidos (por exemplo, o Subdesenvolvimento e o fato de que as decisões estratégicas do Brasil são tomadas lá fora, pelos países imperialistas).

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O economista combinava fina inteligência mais o conhecimento de economia, com grande sensibilidade social. Sua abordagem, ainda mais para os anos de 1950, era heterodoxa, se opunha aos padrões estabelecidos pelas teorias dominantes. Celso Furtado defendeu em suas obras e palestras uma ideia fundamental para os dias atuais: os países que se sujeitam a divisão internacional do trabalho, aceitam-na tal como está colocada, estarão condenados ao subdesenvolvimento. Ou seja, não há desenvolvimento social e econômico sem postura soberana. Uma ideia chave, especialmente em anos de descarada capitulação, muitas vezes disfarçada de “patriotismo”, como nos dois governos anteriores.

A abordagem histórica perpassa as obras de Furtado, a ponto de no começo da carreira se considerar um historiador. Mas o economista estudava sobre muitos assuntos como ciência política, antropologia, filosofia, geografia, métodos quantitativos, além de história econômica, é claro. Levava muito a sério a ideia de que para ser um bom economista, tinha que olhar muito além da ciência econômica.

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A obra de Celso Furtado tem como preocupação central a questão do desenvolvimento e do subdesenvolvimento, incluindo a forma como as economias subdesenvolvidas e periféricas se inserem no sistema mundial. Ao contrário dos economistas da Escola Neoclássica, que destacavam as vantagens relativas da especialização produtiva dos países subdesenvolvidos, Furtado irá mostrar em seus textos que a natureza das relações entre países centrais e subdesenvolvidos, bem como a própria estrutura social interna dos países periféricos, impedem o desenvolvimento e as mudanças sociais.

O economista mantinha constante preocupação também com o planejamento e com o desenvolvimento regional. Tinha atenção  destacada pelo desequilíbrio regional do Brasil, tendo defendido praticamente em toda a sua vida a necessidade de um amplo incentivo para o desenvolvimento do Nordeste. Participou do Conselho de Desenvolvimento Econômico do Nordeste e, fomentou a criação de um órgão de planejamento regional – a Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene) em 1959. As formulações de Celso Furtado relacionam-se ao chamado enfoque Estruturalista Latino-Americano, que teve como centro os intelectuais e técnicos reunidos na Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL), instituição criada em 1948 pela Conselho Econômico e Social das Nações Unidas.

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A Economia Estruturalista é uma abordagem da economia que destaca a importância de levar em conta características tipicamente estruturais ao empreender a análise econômica. Essa escola surgiu basicamente com o trabalho da CEPAL e está associada principalmente ao seu diretor Raúl  Prebisch e Celso Furtado. Uma das preocupações centrais das formulações da Cepal era como o Estado poderia contribuir para o sistema de desenvolvimento econômico nas sociedades periféricas. Preocupação que se mostrou muito legítima, pois todo o desenvolvimento brasileiro desde então se deu a partir da coordenação e apoio do Estado.

Ao estudar o subdesenvolvimento do Nordeste, Furtado percebeu que o drama da Seca integrava um contexto de atraso, concentração de renda, baixa produtividade, e dominação econômico-política por parte das oligarquias locais. Juntamente com outros estudiosos Furtado irá transformar a perspectiva sobre os problemas do Nordeste. Tanto a Sudene quanto o Banco do Nordeste representavam a nacionalização da questão nordestina, relacionando essa com a necessidade de uma integração regional. A Sudene e o planejamento estatal tornaram-se ferramentas centrais para o desenvolvimento nordestino.

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Um dos pontos fundamentais dessa proposta de reformulação trazida pela Sudene foi o combate ao que se convencionou chamar de “indústria da seca”, ou seja, o uso dos recursos federais em proveito da estrutura de poder tradicional, das oligarquias, sobretudo nas regiões mais secas do semiárido nordestino. A ideia de Celso Furtado era transformar um grave problema - a pobreza e a desigualdade do Nordeste em relação ao resto do país - em uma solução, com o desenvolvimento da Região. Para tanto, defendia a realização de uma reforma agrária, que desse outro destino ao excedente rural, que não o uso improdutivo, e possibilitasse um vigoroso incentivo à industrialização da Região. O que, no entender do economista, contribuiria para o desenvolvimento do país como um todo.

Furtado percebeu que o futuro do Brasil como nação dependeria da transformação do Nordeste, pois as divisões regionais e sociais acabariam por comprometer o desenvolvimento, e a própria unidade política do País. Celso Furtado tinha consciência que suas propostas de industrialização, desenvolvimento, combate à pobreza e às desigualdades regionais, entravam em colisão com os setores conservadores e com a burguesia nacional, especialmente a mais atrasada e ligada aos interesses dos países imperialistas. 

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Aquele era um período de muita ebulição política e social. O país tinha sofrido um golpe de Estado em1954 (que levou ao suicídio de Getúlio Vargas), uma tentativa de golpe em 1961 (os militares não queriam deixar o vice, João Goulart, assumir) e os mesmos conspiradores e golpistas, sob coordenação novamente dos EUA, estavam articulando outro golpe, que viria a ser sacramentado em 1964.

Em 1963, já como ministro de Planejamento de João Goulart, Furtado lança o Plano Trienal, elaborado em apenas três meses por uma equipe coordenada por ele. Era uma situação na qual as políticas econômicas iniciais de João Goulart não tinham funcionado. O objetivo do Plano Trienal era controlar a inflação (51,6% em 1962, 79,9% em 1963, e em rota de elevação) retomar o crescimento, e distribuir melhor a renda. O Plano previa uma política de substituições das importações feita de forma gradual, aumento dos investimentos do Estado e crescimento rápido da indústria.

Um dos objetivos do Plano era criar condições para que os frutos do desenvolvimento se distribuíssem de maneira cada vez mais ampla pela população. Para isso os salários reais deveriam crescer com taxa idêntica à do aumento da produtividade do conjunto da economia, após os ajustamentos decorrentes da elevação do custo de vida. Dessa intenção os golpistas de 1964 não perdoariam Celso Furtado: melhorar a vida dos trabalhadores e distribuir renda aos mais pobres é demais para a direita brasileira (como constatamos mais uma vez no período histórico recente).

Suas propostas à época (e ainda hoje), eram “subversivas”: reforma agrária, mudança na estrutura tributária, distribuição de salários conforme a produtividade. No Brasil (é assim também países dependentes e periféricos em geral), todas essas reformas capitalistas assumem um caráter revolucionário, dado o conservadorismo da burguesia brasileira e à forma subordinada de inserção do país na economia internacional. A própria proposta de industrialização do país e da região nordeste assumia um caráter transformador muito forte – como assume até hoje. Para parte da burguesia nacional o Brasil deve apenas pagar juros da dívida e vender produtos primários para os países ricos. O certo é que as mudanças sugeridas por Furtado não conseguiriam ser implementadas apenas pela argumentação, porque alteravam estruturas da economia brasileira, não eram medidas cosméticas. 

É claro que as medidas propostas no Plano Trienal continham problemas e lacunas, como ocorre com 100% dos planos econômicos. Haveria muito o que debater tanto no Plano Trienal, quanto no conjunto da abordagem de Celso Furtado sobre outros temas. Mesmo porque, a crítica fundamentada é vital ao desenvolvimento da ciência e da reflexão. Mas não se tratava de deficiências técnicas do Plano Trienal, e sim da viabilidade política de sua implementação. O golpe de 1964 mostrou que, naquela conjuntura, não havia correlação de forças para implementar um plano que, mesmo que moderadamente, atendia ao grosso dos interesses nacionais e do povo pobre.

Após o golpe de 1964 a ditadura militar reconfigurou a Sudene, mantendo o poder dos coronéis e implementou mecanismos autoritários de planejamento na utilização dos recursos vindos do governo federal. Com o golpe, Celso Furtado é exilado. Ele não poderia ser mesmo suportado pela ditadura: gostava do Brasil e do seu povo e era nacionalista. Além de tudo era um sujeito extremamente culto e autor de quase 40 livros. Isso tudo são defeitos insuportáveis para uma ditadura repressora do seu povo e puxa sacos do imperialismo, como foi a de 1964.

Celso Furtado dizia que os países que se sujeitam a divisão internacional do trabalho, que a aceitam tal como está colocada, estão condenados ao subdesenvolvimento. Mais de 100 anos após o nascimento de um dos pensadores mais refinados do Brasil, suas preocupações centrais seguem mais atuais do que nunca.

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