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Joaquim de Carvalho

Colunista do 247, foi subeditor de Veja e repórter do Jornal Nacional, entre outros veículos. Ganhou os prêmios Esso (equipe, 1992), Vladimir Herzog e Jornalismo Social (revista Imprensa). E-mail: joaquim@brasil247.com.br

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Cobertura da imprensa sobre a morte da rainha Elizabeth II explica o atraso brasileiro que deu em Bolsonaro

Ao promover a monarca britânica como mãe de todas as virtudes e Pedro I como Zé Ruela corrupto, mulherengo e violento, a velha mídia nos rebaixa como nação

(Foto: Roberta Namour)
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A cobertura da mídia corporativa — que entendo ser a velha imprensa — sobre a morte da rainha Elizabeth II em contraponto aos textos publicados sobre a Independência diz muito sobre nós, sobre a (de) formação do Brasil como nação.

Elizabeth II é apresentada como a rainha perfeita, discreta, símbolo das virtudes anglo-saxãs, uma heroína da Segunda Guerra, enquanto Pedro I foi mostrado com um mulherengo, marido violento, corrupto.

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Tanto Elizabeth II quanto Pedro I têm virtudes e defeitos, mas, ao realçar os supostos pecados de monarca brasileiro, a velha imprensa cumpre o papel que parece ser muito mais fruto de um projeto do que da incapacidade de jornalistas e inteelctuais de encomenda: rebaixar o Brasil como nação e, com isso, claro, tornar o território mais propício à exploração estrangeira.

Se não prestamos, melhor que sejamos colonizados, para ver se aprendemos algo com o virtuosos ingleses, que mantiveram seu poder no continente por meio dos Estados Unidos.

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Precisei ir a Portugal para conhecer outro face do imperador brasileiro — que fique claro: nem longe sou monarquista, mas entendo que a república foi um golpe cujas consequências sofremos até hoje, quando vemos no Exército traços do Poder Moderador que deveria ter sido extinto em 15 de novembro de 1889.

Pedro I é um herói reverenciado pelos portugueses por ter comandado a Revolução Liberal, a partir de uma resistência ao cerco do Porto — esta é a razão pela qual seu coração físico foi entregue para ser conservado em uma igreja da cidade portuguesa.

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E há razão de ser.

O imperador brasileiro era um monarca moderno para a época, entendia que a Nação tinha que seguir normas claras, expressas em uma Constituição. Era uma meia soberania. O poder emanava do povo, mas não só dele, também do imperador.

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De qualquer forma, era um avanço e tanto para a ocasião, o que gerou um conflito com seu irmão, Miguel, que era absolutista e usurpou o trono da sobrinha, filha de Pedro I, em Portugal chamado Pedro IV, já que foi rei lá também e, como no Brasil, abdicou em favor de um descendente, como parte de uma articulação política.

Morreu com 35 anos, desgastado com a guerra que venceu, como comandante de uma tropa que resistiu a um cerco que durou mais de um ano. Expulsou o irmão de Portugal, mas foi criticado pelos liberais mais radicais por não ter ordenado o fuzilamento dos usurpadores.

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Entre as virtudes pouco conhecidas de Pedro I, está o manifesto que assinou quando o Brasil ainda não tinha declarado a independência. 

O historiador Luiz Carlos Villalta, titular da Universidade Federal de Minas Gerais, conta que esse manifesto constitucionalista já apontava na direção da separação de Portugal e continha um artigo que é ultramoderno até os dias de hoje.

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“Havia uma cláusula que estabelecia o direito do povo à felicidade”, afirmou.

Pedro I também chegou a defender a abolição dos escravos, mas não teve coragem de levar adiante sua posição pessoal, compartilhada por José Bonifácio, outro que também não se empenhou para implementar a libertação dos negros trazidos da África ou nascidos aqui.

E por que não tiveram essa coragem?

Porque o Brasil, a rigor, sempre teve um poder maior que o de qualquer imperador ou o do voto republicano, o mesmo poder que se expressa nas mensagens veiculadas pela velha imprensa ou pelos intelectuais cuja obra nos nega identidade como povo valoroso, nos rebaixa e enaltece as virtudes de um povo estrangeiro.

É o poder do que no passado se chamava oligarquia, hoje elite. O poder que Machado de Assis chamou de “oligarquia absoluta”, em um texto publicado na véspera da chamada Lei Áurea, na Gazeta de Notícias do Rio de Janeiro.

Disse Machado, em seu estilo sarcástico, que a Lei Áurea representaria o fim da monarquia constitucional, que, a rigor, não existia plenamente. O que vigorava no Brasil era o “absolutismo” da elite.

Esse absolutismo que permanece, exercido em muitas situações com violência por parte de uma força que deveria ser republicana, mas que, na verdade, se afirmou como milícia do grande capital.

Nada disso ocorreria se veículos de comunicação mostrasse as coisas como elas são, e não promovesse a rainha Elizabeth II como a mãe de todas as virtudes e o nosso Pedro I como um Zé Ruela.

Algo que foi traduzido por Cazuza em versos:

“Transformam o país inteiro num puteiro, pois assim se ganha mais dinheiro”.

Ou:

"Eu vejo o futuro repetir o passado, eu vejo um museu de grandes novidades, o tempo não para, não para não, não para”.

Que a rainha Elizabeth II descanse em paz.

 



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