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Pedro Simonard

Antropólogo, documentarista, professor universitário e pesquisador

92 artigos

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Colonialismo digital na conjuntura brasileira

Sem investimentos científicos e sem uma formação escolar que incentive a curiosidade e a pesquisa torna-se muito difícil gerar tecnologia de ponta. Com estas reformas, o Brasil está fadado a produzir operadores de programas sofisticados, meros apertadores de botão

iPhone 12 (Foto: Divulgação)
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 Colonialismo digital é o uso da tecnologia digital para a dominação política, econômica e social de outra nação ou território. No colonialismo “clássico” os países imperialistas deslocavam tropas e todo um aparato burocrático para ocupar nações e povos e ter acesso a minérios, a florestas, a grandes extensões de terras férteis, a mercado consumidor para seus produtos industrializados e mão de obra barata. Investiam dinheiro na construção de infraestrutura – portos, estradas de rodagem, ferrovias, aeroportos, saneamento – para facilitar o escoamento do butim extorquido dos povos ocupados para as metrópoles ou para os mercados com quem estas negociavam. Todo o território ocupado era controlado pela burguesia metropolitana ou por seus prepostos na burguesia neocolonial local. Era necessária toda uma estrutura grande e cara que levava algum tempo para ser construída e explorada.

O colonialismo digital está assentado no domínio de softwares e aplicativos sofisticados com os códigos fontes fechados, obrigando os usuários do mundo todo a se adaptarem à lógica tecnológica e cultural dos países onde eles foram criados, quase sempre os EUA.Poucas grandes empresas como Amazon, Google, Facebook e Microsoft, conhecidas como big techs, desenvolveram grandes nuvens de armazenamento de dados, alimentadas por seus servidores, que obrigam ou condicionam os usuários a aceitarem as condições impostas pelas empresas, se quiserem utilizar os serviços disponibilizados nelas e por elas. Essas condições permitem às big techs extraírem e monopolizarem uma quantidade gigantesca de dados que ou elas próprias utilizam para gerar lucro ou geram lucro vendendo dados para seus parceiros comerciais. Desta maneira, bilhões de dólares são canalizados do mundo inteiro para o Vale do Silício na Califórnia, onde ficam as sedes destas empresas, repetindo o processo de transferência de riqueza para os países imperialistas. Este processo não é novo, já havia sido desenvolvido pelo colonialismo “clássico”, mas assumiu um nível de sofisticação e amplitude muito maiores, além de proporcionar uma exploração mais discreta e só perceptível por poucas pessoas.

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O colonialismo digital é mais concentrador de riqueza do que o colonialismo “clássico”. Se este favoreceu cinco ou seis impérios, aquele favorece aos EUA e, em menor grau, a China. Analistas políticos e econômicos enfatizam o crescimento da economia chinesa frente à estadunidense. Porém, no que concerne ao colonialismo digital a China encontra-se em uma posição muito inferior aos EUA. Entender isso permite compreender por que os EUA tentam impedir que países mundo afora utilizem os 5G desenvolvido pela chinesa Huawei. Querem evitar que a China também controle o fluxo de informações e dados, concorra com a economia estadunidense e ameace toda a estrutura de vigilância e informações que favorecem os EUA.

A base do colonialismo digital são os algoritmos que permitem às big techs e ao governo estadunidense, parceiro íntimo dessas empresas, espionarem governos e cidadãos e controlarem gostos para induzir consumo, bem como controlar a opinião das pessoas, como o fez a Cambridge Analytica nas campanhas eleitorais que elegeram Donald Trump, Jair Bolsonaro e no referedum do Brexit.

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A internet das coisas, conhecida como IoT, é outro componente fundamental do colonialismo digital. Para que uma pessoa possa, de seu carro ou escritório, ligar as luzes ou o ar-condicionado de sua casa, ela precisa se conectar a uma conta para a qual ela informou milhares de dados pessoais, a maior parte deles sem mesmo ter consciência que foram informados. 

A fantástica quantidade de informações compartilhadas por bilhões de seres humanos em todo o globo terrestre (sim, a terra é redonda!) é canalizada para menos de dez big techs no mundo. Estes dados também servem para desenvolver inteligência artificial, cada vez mais utilizada para controlar pessoas e desenvolver robôs que substituirão mão de obra, gerando desemprego e desespero junto aos trabalhadores e aumentando ou mantendo as margens de lucro do capital.O colonialismo digital consolida uma divisão desigual de trabalho. Os países imperialistas, capitaneados pelos EUA, utilizaram sua infraestrutura digital, centros de produção de conhecimento (universidades, laboratórios etc.) e controle dos meios de computação para manter os países em desenvolvimento, e, mesmo, alguns desenvolvidos, em situação de permanente dependência. Esta divisão desigual do trabalho evoluiu. Se a manufatura era o instrumento de dominação e transferência de riquezas para os países imperialistas durante o colonialismo “clássico”, este quadro mudou. A manufatura foi deslocada para a periferia do capitalismo e passou a ser controlada à distância pelos acionistas dessas empresas graças à tecnologia disponibilizada pelas big techs. Uma sofisticada tecnologia que gerou uma economia mais pujante que possui instrumentos mais refinados de transferência de riqueza para as big techs e os EUA.

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O aparato digital integrou-se aos instrumentos de exploração capitalista e hoje é utilizado pelo colonialismo digital no controle do trabalho vivo, aumentando sua produtividade e a extração de mais valor absoluto e relativo. Também é utilizado na captura de políticas e políticos, no planejamento econômico, na espionagem e controle e na publicidade e na propaganda. O resultado é um círculo virtuoso no qual as empresas e os países que mais investem no desenvolvimento e exploração de produtos e serviços digitais, concentram mais informações. Isso atrai mais usuários que geram mais dados e informações que permitem melhorar os serviços e produtos oferecidos e assim por diante. Os dados transformaram-se em matéria prima. Capital investido resulta em mais capital acumulado. O principal produto vendido é o ser humano, seu íntimo e seus desejos.

As big techs desenvolvem programas e aplicativos que acabam condicionando seus usuários a só utilizá-los e a rejeitar os concorrentes. Como estratégia de fidelização de mercado, muitas delas disponibilizam seus produtos de maneira gratuita para governos e populações carentes. Podem fazer isso porque mais importante do que as poucas centenas de dólares que cada produto deste rende por cada usuário, as big techs estão mais interessadas nos bilhões de dados que estes futuros usuários disponibilizarão para elas.Os softwares possuem código fechado o que faz com que todo o lucro do desenvolvimento desses produtos seja acumulado por uma só empresa.Uma maneira de combater o colonialismo digital seria os governos e empresas dos países colonizados desenvolverem e utilizarem softwares “abertos”, como o Linux, por exemplo. Estes programas permitiriam o desenvolvimento de produtos culturalmente mais próximos de seus usuários e reduziriam muito a transferência de capital em direção a um só país e a poucas empresas. Para que isso fosse possível, os governos precisariam investir pesado em educação em todos os níveis e investir em pesquisa. Neste ponto chegamos ao Brasil.Os governos neolibs, filhos do Uma Ponte para o Futuro, definiram para o Brasil o papel de colonizado digital. O governo de Michel Temer iniciou este processo estabelecendo um teto de gastos por meio da Emenda Constitucional 95/2016 que reduziu significativamente os investimentos sociais e os investimentos em educação e pesquisa.

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Fica claro que é um projeto de subalternidade pela maneira como escolheram realizar estes cortes, por meio de uma emenda constitucional. Isso quer dizer que se a oposição ao neoliberalismo eleger o sucessor de Jair Bolsonaro, mas não tiver o controle de 66% dos deputados federais e 66% dos senadores, dificilmente conseguirá reverter este projeto. Se tentar revertê-lo sem apoio dessas casas o presidente ficará exposto ao impeachment. O governo Temer poderia ter aprovado o teto de gastos por decreto, medida provisória ou projeto de lei, mas estes instrumentos poderiam ser revertidos mais facilmente por maioria simples na Câmara dos Deputados e no Senado. A mudança constitucional torna muito mais difícil a alteração deste quadro político e econômico.

Ainda no governo Temer foi aprovada a Reforma do Ensino Médio (Lei 13.415/2017). A principal característica desta reforma é oferecer um ensino pouco crítico e investigativo aos alunos das escolas públicas. O objetivo é que os alunos não sejam incentivados a investigar e a desenvolver senso crítico.

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Sem investimentos científicos e sem uma formação escolar que incentive a curiosidade e a pesquisa torna-se muito difícil gerar tecnologia de ponta. Com estas reformas, o Brasil está fadado a produzir operadores de programas sofisticados, meros apertadores de botão.

O governo de Jair Bolsonaro implementou mais cortes nas pesquisas científicas e sucateou todo o aparato de apoio à ciência que vem sendo montado no Brasil desde os anos 1950 desde a criação da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), da Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP) e das fundações estaduais de amparo à pesquisa.A burguesia neocolonial brasileira e as forças armadas sentenciaram o Brasil e seu povo a serem transferidores de riqueza para os países ricos e as big techs e a viverem na miséria e na pobreza. Sujeito ao colonialismo digital, o papel que os controladores do capital nos reservaram foi docilmente aceito pelas classes sociais entreguistas que controlam o país desde o golpe de estado contra a presidenta Dilma Rousseff. Resta saber se o povo brasileiro aceitará esta condição subalterna tão docilmente quanto a burguesia neocolonial e as força armadas aceitaram.

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