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Tiago Basílio Donoso

Mestre em Teoria Literária pela Unicamp e autor do livro no prelo “Terras Nacionais e Terras Estrangeiras”, pela editora Kotter

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Com o atual equilíbrio de forças, a bomba atômica é questão de tempo

Se os EUA continuarem no poder do planeta, é mera consequência do fim das consciências: será, terrivelmente, apenas questão de tempo

Bomba atômica jogada em Hiroshima pelos EUA em 1945
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A propaganda é o épico reduzido até que caiba em uma pílula. Essa nova arma retórica em proporções minúsculas é a invenção que ameaça destruir a todos.

A propaganda é a bomba nuclear do discurso, reduzindo as palavras a seu núcleo energético. É a repetição que não se contém, que não é somente o “mesmo”, parado, se auto-referindo, mas se espalhando e propagando, e que no caminho dissolve o pensamento. Essa repetição - pois a propaganda jamais é dita uma só vez - é o processo de fissão da inteligência.

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Foi a descoberta da repetição o que produziu o pensamento. Segundo Christoph Türcke, a partir das sugestões de Freud contidas em “Além do princípio do prazer”, a repetição do trauma como forma de dissipá-lo está na origem de nossa capacidade cognitiva. Repetição para dissipação - a repetição, hoje, fiel a seu princípio e infiel a seu objetivo, o da paz psíquica, ameaça destruir a inteligência e, com ela, o planeta.

Os EUA são uma máquina de propaganda. Houve em sua história uma fissão hipócrita entre aquilo que alardeiam sobre si mesmos - cristãos, democratas, civilizados - e aquilo que executam. Essa distância fez com que não atacassem sempre diretamente seus inimigos, que inventassem modos cada vez mais eficazes de legitimarem-se e convencerem a opinião pública nacional e internacional. Essa dificuldade (Borges reclamava, dizendo que os americanos deveriam perder o pudor e se tornarem final e francamente um império) essa dificuldade gerou um aparato técnico talvez inédito na história. Por meio dele, os maiores assassinos da humanidade aparecem como salvadores do mundo. De certo modo, o que ameaça destruir a vida e a Terra é uma forma mais high-tech do velho pecado da hipocrisia.

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São eles, os americanos, os detentores da propaganda, da munição discursivamente nuclear que lançam todos os dias pelos quatro cantos do mundo. A primeira novidade, contudo, foi a evolução tecnológica que possibilitou o ataque cirúrgico, hipersônico e invisível cujo emprego na Ucrânia desde pelo menos 2013 levou ao atual estado de coisas. A segunda novidade é a bomba nuclear de espectro total que lançaram após conseguirem finalmente alcançar seu desejo: uma guerra entre Rússia e Ucrânia. Suas armas vão do mais particular ao mais amplo - uma questão de ajuste.

Guerra cirúrgica e guerra generalizada. A Rússia acreditou estar militarmente mais preparada que EUA e países da OTAN. Sua tecnologia militar, com efeito, é ao que tudo indica superior ao arsenal americano - assim como até agora é superior seu respeito pelos Direitos Humanos em atos de guerra, em comparação com EUA e aliados. Mas o que se tem provado por esses dias é que a última tecnologia militar russa é obsoleta na disputa com a tecnologia da contrainformação americana, que agora coloca de joelhos quase todas as inteligências do Ocidente, da periferia, do norte e do sul global, e produz unanimidades e consensos de modo avassalador.

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Digamos sem rodeios: os EUA são o que de pior produziu a espécie humana. São não apenas ferozmente capitalistas, mas apocalípticos. Destróem nações, vidas, matam civis de fome, de peste, de guerra, seja pelo FMI ou pela OTAN (imaginem que eu estivesse escrevendo este texto na Palestina, na Síria, no Iêmen - o que me aconteceria? E por quanto tempo estamos a salvo também dessa violência direta?) Sinistros, vendem-se, contudo, como baluarte da liberdade, mesmo tendo lançado bombas nucleares em Hiroshima e drones sobre hospitais e escolas. São, em suma, exterminadores de civis e exterminadores do futuro. São, de fato, o fim da história, e talvez não haja mundo para contar o saldo final de seus cadáveres.

Agora, contudo, estão em outro nível: matam pela CNN, pela Globo, Televisa, pela Reuters - o que não é novidade; matam pelo Facebook, pelo Whatsapp, pelo Instagram, pela Netflix. Destroem corpos, mas antes destroem a inteligência, o senso crítico e a sensibilidade. As explosões de Hollywood vão deixando as sociedades psicóticas. Invertem toda realidade, desestabilizam a verdade, e ainda nos surpreendemos quando começam a surgir pessoas que creem na terra plana - qual surpresa, quando antes já conseguiram fazer do país que queima civis no Vietnã, que joga o maior número de bombas da história sobre o Camboja, que espalha como um dragão ditaduras e fogo nas Américas, que arranca duas cidades da face da Terra, duas cidades quietas, pacíficas, com escolas, igreja, em meio ao azáfama do dia-a-dia, e ainda assim, após as únicas explosões nucleares já aplicadas por qualquer país, ainda assim se colocam como mocinhos, salvadores do planeta contra todos os vilões pobres de sua periferia?

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Os Estados Unidos agitaram a Ucrânia como um espumante, discutiram mudança de regime (e foram pegos em grampo tornado público), patrocinaram a nazificação de um país, tiveram uma diplomata de sua nacionalidade colocada como ministra das finanças de um governo fantoche - criaram as condições e o ambiente para a guerra.  Provocaram.  Desestabilizaram. Desestruturaram a Georgia e, depois, pegaram seu ex-presidente, com passaporte e bolsa de estudo nos EUA, e o levaram a ser governador de Odessa. Deram armas e dinheiro a um país que se nazificava dia-a-dia, fundado no sentimento anti-rússia, um país que tinha até ontem centenas de acampamentos em que crianças aprendiam a mexer em armas, a se abaixar aos gritos de “granada”, a gritar “acima de tudo” depois que homens tatuados com suásticas lhes davam a deixa: “Ucrânia!”, sob bandeiras em que tremulava o símbolo da SS alemã. Prometeram apoio e inclusão na OTAN, enquanto entregavam corrupção, alto custo de vida e a sucção de sempre de todos os recursos.

Mas isso é os EUA de antes, os EUA de sempre. O que ocorre agora é a hegemonia tornar-se homogênea, e um mundo inteiro se estupidificar ante suas mentiras. Um país nazificado torna-se defensor da liberdade e da democracia; um governante corrupto, fantoche, criminoso de guerra que coloca seus civis como escudo humano se torna heroi; Putin torna-se Hitler, Biden Churchill; o Batalhão Azov comove os colunistas de jornal, o presidente humorista se torna sex symbol para adolescentes; a OTAN de repente se torna essencial, a Europa cai e se humilha, contra seus próprios interesses imediatos. A bomba utilizada na Ucrânia de 2013/14, cirúrgica, agora é substituída por uma de largo alcance, que desfaz as mentes de um planeta inteiro.

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Os EUA conseguiram produzir a guerra dos seus sonhos, que irá arrasar a Ucrânia, o proxy, e levar junto o desmoralizado inimigo russo. Mas o assombroso é a capacidade absoluta da propaganda em docilizar as consciências. "Sou contra todas as guerras", diz um analista consciencioso, censurando a ação russa - e aqueles que premeditaram a guerra ganham mais uma vez, tendo premeditado também as opiniões.

Tenho medo das bombas, das pandemias, das ameaças climáticas. Mas temo que o mundo não consiga superar, na verdade, a invenção da propaganda e de seus desdobramentos. O que vemos hoje ao ligar a TV ou ler o jornal é que a verdadeira bomba nuclear já foi lançada. A outra, a material, se os EUA continuarem no poder do planeta, é mera consequência do fim das consciências: será, terrivelmente, apenas questão de tempo.

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