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Alexandre Aragão de Albuquerque

Escritor e Mestre em Ciência Política pela Universidade Estadual do Ceará (UECE).

119 artigos

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Consciência histórica

Há a história e a contra-história, a qual surge em polarização com a história oficial adotada como ferramenta de estabelecimento do projeto da classe dominante

(Foto: Mídia NINJA)
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"A historicidade de uma única pessoa implica a historicidade de todo o gênero humano. O plural é anterior ao singular”. Agnes Heller

Naquele tempo existiu uma pessoa negra. Ela continuou a existir porque nós documentamos a sua história, decidimos existir ao lado dela. Essa história atravessa o tempo-espaço mostrando a muitos outros humanos existentes as causas e as consequências da opressão sofrida por aquela pessoa pobre. A decisão por descrever, analisar e documentar sobre as alavancas de funcionamento da exploração dos sistemas opressores da vida daquela pessoa negra e pobre contribui para que outras pessoas possam conhecer, refletir e adquirir uma consciência sobre como se desenvolve a história humana concreta, da grande massa de oprimidos e explorados em nossa sociedade. Esperançamos que a novidade apresentada por nossa narrativa documentada possa servir de alimento para a vida ativa e comprometida de outras pessoas no futuro. Nossa expectativa é de que elas consigam construir um futuro diferente, sem a opressão nem a pobreza reinante no nosso presente.

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Entre suas perguntas de base constam: por que sendo negra tinha que adorar a um deus branco? Um deus que, além de cor branca, é masculino? Como uma mulher negra seria valorizada numa sociedade cujo Mito Fundador¹ é um deus branco e masculino? Quais as razões da vontade divina privilegiar a algumas poucas pessoas com a boa vida, e penalizar a tantas outras com a precariedade da moradia, da saúde, da educação, do lazer, da renda? Por que muitos como ela habitam favelas e apenas alguns poucos moram em condomínios luxuosos? Por que os que habitam as favelas são maltratados diariamente pela polícia e os que moram nas mansões não? E por que essa opressão não é motivo de estudo e reflexão com tomadas de posição dos fiéis de sua Igreja?

A tomada de consciência nasce da liberdade de perguntar acerca do concreto real, cotidiano, inerente à condição de se estar no mundo, sobre sua validade e invalidade, sobre sua justiça e injustiça, sobre as correlações das forças sociais, buscando encontrar as razões causais. Possivelmente constitui-se numa das mais importantes dimensões humanas: a capacidade de buscar compreender a historicidade do presente, ou seja, saber que o presente é resultante dos condicionamentos e processos construídos no passado. Diante da tomada de consciência histórica da realidade decorre um fenômeno novo, o nascimento do fardo da “subversão espiritual”: indagar-se sobre “o que fazer” diante das novas descobertas adquiridas.

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A “subversão espiritual” é uma nave com a qual se viaja na contemplação dos fatos a partir de perspectivas diferentes do que aquelas limitadas por preconceitos, tradições e limitações culturais, criando novas hipóteses, dialogando com teóricos e atores sociais de outras matrizes epistemológicas e pertenças territoriais. A “subversão espiritual” pouco a pouco possibilita notar-se não apenas como um indivíduo determinado pela história, mas também como influenciador dela, percebendo-a como resultado de movimentos sociais: a humanidade transcendendo a condição individual. Assim, a “subversão espiritual” passa a ser uma condição necessária à alimentação e ao crescimento do pensamento.

Para Heller (Uma teoria da história. Civilização Brasileira, 1993), mobilizar a própria consciência histórica não seria uma opção, mas uma necessidade de atribuição de significado a um fluxo sobre o qual não se tem controle: a transformação, por meio do presente, do que está por vir, continuamente. Não é possível agir no mundo sem uma atribuição de sentido. O mesmo ocorre quando se deixa de agir. Nessa orientação de pensamento segue Jörn Rüsen (Razão histórica. Editora UnB, 2001), para quem o homem age intencionalmente, e só pode agir no mundo se interpretá-lo e a si mesmo de acordo com as intenções de sua ação e de sua paixão; agir só ocorre com a existência de intenções e objetivos para os quais é necessária a interpretação. De onde se pergunta: o que fazem cristãos brasileiros – católicos e evangélicos – votarem e apoiarem candidatos fascistas? Quais suas intenções e interesses mais profundos, mascarados por suas aparências? Em nome de Jesus, padres e pastores recomendaram aos fiéis, em seus atos litúrgicos e missas dominicais, transmitidos pelas mídias sociais e televisões confessionais, votar no candidato neofascista no segundo turno da eleição presidencial de 2022. Perguntas que insistem em não calar.

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Antes de ser ensinada ou pesquisada, a historicidade é a própria condição da existência humana, algo que nos constitui enquanto espécie. O que varia são as perspectivas de atribuição de sentido à experiência material-temporal na qual se está inserido: o opressor atribui sentidos bem diferentes aos sentidos definidos pelos oprimidos. O sentido atribuído à terra por um detentor de milhares de hectares é diametralmente oposto àquele de quem perambula em situação de rua nas metrópoles urbanas. Para o bilionário especulador do Mercado Financeiro, que desfruta sobejamente a vida apenas por meio da alavanca diária das taxas de juro, o índice de desemprego e de desocupação de uma população pobre-e-negra lhe comunica sentido nenhum, tampouco a inexistência de verba no Orçamento da União em 2023 para o Bolsa Família.

Pode-se deduzir, portanto, que há a história e a contra-história, a qual surge em polarização com a história oficial adotada como ferramenta de estabelecimento do projeto da classe dominante em uma sociedade. Essa luta pela constituição dos significados relativos à existência do grupo – uma nação, por exemplo – está na base da permanente mobilização social. É a partir da consciência histórica de um povo, concebida como o grau de consciência da relação entre passado, presente e futuro, que se pode construir novos projetos de sociedade mais universalmente igualitárias e livres. Afinal, “um povo que não conhece sua história está condenado a revivê-la”.

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1 - Para Hobsbawn a tradição, apesar de não estar a salvo de interpretação, oferece-se como elemento anterior às narrativas, portando a força da obviedade. (A invenção das tradições. UNESP, 1994). A imagem que temos de nós, de nosso povo e outros povos está associada à história tal como se nos  contou quando éramos crianças, deixando sua marca em nós para toda a existência.

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