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Miguel Paiva

Miguel Paiva é chargista e jornalista, criador de vários personagens e hoje faz parte do coletivo Jornalistas Pela Democracia

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Copacabana século 22

"As longas batalhas entre população e polícia acabaram criando um clima de medo e afastando definitivamente o povo das ruas", escreve o colunista Miguel Paiva. "O carnaval tinha acabado em 2042 após sofrer campanha violenta das igrejas e das milícias pentecostais", ironiza ele, ao retratar o bairro de Capacabana no século 22

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O ar quente e úmido que vinha da praia de Copacabana fazia sua camisa se molhar ainda mais de suor. Tentava pescar com a cabeça algum vento que viesse do alto dos prédios, do resto de céu cinzento e poluído que ainda resistia ao entardecer. Nada. O calor era insuportável e mesmo as obras da nova avenida litorânea não iriam amainar o clima da cidade. Desde que em 2075 o mar finalmente invadiu a terra derrubando tudo o que encontrava pela frente o que restou daquele lugar animado e mundialmente famoso foi um cenário de morte e tristeza.

Ele voltava ao Brasil depois de mais de 20 anos em busca da história de sua família. 

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Moravam em Copacabana no início do século 21 e agora, cem anos depois ele duvidava que conseguiria alguma informação.

Sabia que o Rio de Janeiro tinha perdido toda a sua fama de cidade maravilhosa. As longas batalhas entre população e polícia acabaram criando um clima de medo e afastando definitivamente o povo das ruas. Já era difícil ver alguém circulando depois do entardecer. A cidade ficava às escuras, refém do medo e da falta de segurança. A polícia tinha sido abolida e transformada numa milícia com interesses precisos entre os quais não estava a segurança da população. 

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O carnaval tinha acabado em 2042 após sofrer campanha violenta das igrejas e das milícias pentecostais. Foi um banho de sangue nas ruas no dia de desfile que uma bateria de escola de samba só conseguiu reproduzir com o som solitário da cuíca. O carnaval e a alegria dos cariocas foi sepultada num culto evangélico e o local onde os desfiles eram realizados, conhecido como Sambódromo virou uma grande feira livre que antecede os shows gospels que acontecem no local. A feira é um antro de atividades informais e legais tais como lutas, tiro ao alvo, linchamentos que transcorrem livremente sem fiscalização como aliás acontece em todo o país. O dinheiro ganho é o suficiente para a sobrevivência do dia. Os veículos de aplicativos não conseguem se locomover tal a quantidade de oferta para pouquíssima procura. Falta de dinheiro e de segurança. As pessoas não saem mais nas ruas. Fazem todo o serviço que sobrou de forma terceirizada e consomem seus dias diante da televisão.

O mar com a temperatura aquecida em mais de 500% no último século havia descongelado geleiras, eliminado praticamente a Groelândia e mudado o mapa terrestre principalmente nas ilhas e costas do mundo. A praia de Copacabana agora era na Rua Barata Ribeiro

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A Austrália, depois de sofrer durante décadas com os incêndios havia perdido quase metade do seu território com a subida do nível dos mares. A Amazônia, hoje território agrícola e minerador sob o comando de uma multinacional sediada em Miami, driblava os problemas advindos das queimadas e da falta de renovação do ar criando galerias subterrâneas que uniam mineração e hospedagem e conjuntos habitacionais para os indígenas e agricultores no pouco de mata que sobrou.

Este era o Brasil que tinha sobrado do que foi o maior desmantelamento cultural e social do século passado na terra. Nem a Guerra Irã- Estados Unidos, que durou décadas, causou tanto prejuízo ao mundo. Fomos divididos em 3 países. 

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O Norte e Centro-oeste virou o Brasil Central, um país agrícola, sem posicionamentos políticos e com grandes interesses estrangeiros. O Nordeste conseguiu se expandir até o norte de Minas e criou a primeira república independente depois do fim da democracia no Brasil, o Sertão de Lampião. Hoje tenta se reerguer com projetos sociais e aplicação de princípios democráticos.

O Sul e o Sudeste viraram a república fascista do Ipiranga. Muitas revoltas com mortes marcaram a história deste país. Trabalhadores foram dizimados e o país continua dividido, tentando achar um rumo enquanto os ricos ficam ainda mais ricos. O país está à deriva. 

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Enxugando o suor ele entrou no cartório que resistia ao tempo. Um funcionário, meio dormindo meio acordado, que diante de um computador jogava paciência olhou discretamente. Ele digitou as informações que recebeu e esperou. Girou a tela dizendo que ia imprimir o resultado. O que se lia era apenas o registro civil de uma família. Pai, mãe, filhos e netos. Nem endereço, nem profissão. A tela ficou escura e minha família ou o que restou dela, desapareceu na História. Assim como o Brasil que não reconheço mais e que viverá na minha memória e nas histórias que contarei para os meus netos daquele paraíso distante.

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