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Giselle Mathias

Advogada em Brasília, integra a ABJD/DF e a RENAP – Rede Nacional de Advogadas e Advogados Populares e #partidA/DF

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Da perfeição à loucura 3

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O Delegado não aceitava o fim, continuava a pedir o retorno da relação à Filósofa, que dessa vez manteve-se firme e não voltou a estar com ele, queria tranquilidade em sua vida, sair com os amigos, vestir o que quisesse, dançar quando tivesse vontade, falar o que pensava, queria apenas, existir.

Ela sentia sua falta, o amava, gostava das conversas que tinham, das piadas que ele contava, da solidariedade dele com os amigos, da sensibilidade social que demonstrava, do quanto era carinhoso, mas não podia suportar ser podada, regulada e impedida de viver toda sua plenitude humana. Entre ele e ela, escolheu a si!

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O Delegado não compreendia, já a havia conquistado; não entendia como ela não o queria mais e se recusava a permanecer ao seu lado. Ele acreditava que ela lhe pertencia, que todas suas atitudes e falas eram para protegê-la de outros conquistadores, fazia de tudo para preservar a relação das ameaças externas, afinal sua propriedade era cuidada, zelada, defendida a qualquer custo de um possível invasor. Ele nunca a entendera, não percebia o quanto o amava - o seu ser - que o seu afeto surgira e se desenvolvera pelo humano que lhe mostrava, não havia sido conquistada pelos comportamentos padrões vendidos como modelos de sedução vitoriosa. O sentimento era dela, se apaixonara por uma conjunção de fatores, da sintonia que tinham, do desejo surgido no primeiro encontro, dos momentos que partilhavam, mas para quem acredita ser o conquistador não há sentido em ser amado pelo que é, pois os mecanismos usados são moldes repetitivos, os quais acredita serem exitosos, com qualquer território que ele deseje se apossar, por isso jamais poderia entender o amor que a Filósofa sentia por ele.

Após inúmeras tentativas de reatar com ela, o Delegado aparentemente se deu por vencido, não a procurou mais e seguia com tranquilidade a sua rotina; parecia ter superado o fim daquela relação, inclusive, iniciara um novo romance. Tudo parecia ter voltado a uma normalidade, sem os arroubos, perseguições, incômodos e a insistência em algo que já não fazia sentido, a Filósofa sentia-se aliviada e livre para ser quem sempre foi e quem sabe conhecer alguém que assim como ela não acredita em conquistas, mas em encontros e sentimentos recíprocos.

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Alguns meses se passaram em que a serenidade e leveza ditavam o dia a dia da Filósofa, mas fora surpreendida em uma manhã na faculdade em que dava aula. Assim que estacionara seu carro, o Delegado se aproximou e disse que precisava mais uma vez conversar, falar o quanto ainda a “amava”, não conseguia esquecê-la e que tudo seria diferente se recebesse mais uma oportunidade. Ela disse que não haveria retorno, todas as chances já tinham sido dadas, que os dois deveriam seguir suas vidas, ele já encontrara uma pessoa e ela também iniciava um novo relacionamento.

Nesse instante o Delegado ficou pálido, pediu que ela repetisse, mas antes mesmo que pudesse dizer algo, lhe perguntou apressadamente:

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- Você está com alguém? Está namorando? Você o ama?

A Filósofa respondeu que não deveriam falar sobre isso, não estavam mais juntos e suas perguntas não faziam sentido. No entanto, lhe confirmou que conhecera alguém e esperava que os dois seguissem em frente, cada um em seu caminho e que não tinham mais nada para conversar. Ela se despediu, desejou-lhe sorte, o beijou em seu rosto e se virou em direção a entrada da faculdade, já estava atrasada para o início da aula, seus alunos lhe aguardavam em sala.

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Ela deu três passos. Ouviu um estampido e sentiu um impacto em suas costas e o ardor da bala que adentrara em seu corpo; neste instante sua mente ficou confusa, sentiu uma tontura e caiu no chão; não entendia o que havia acontecido. O Delegado se aproximou dela, ajoelhou-se no chão, segurou e puxou seu cabelo, levantando seu rosto e lhe disse: 

 - Se não será minha, não será de mais ninguém!

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O som do primeiro tiro chamou a atenção e um alvoroço começara dentro da faculdade; pessoas que se encontravam do lado de fora começaram a correr e gritar, tentavam se esconder; não entendiam o que estava ocorrendo, apenas queriam se proteger. Não perceberam que uma mulher estava sendo morta, aniquilada, destruída por ter tido a coragem de existir enquanto humana, sem as amarras dos moldes estabelecidos, por ter dito não ao seu algoz, que diante da sua construção de conquistador, da sua crença de ser proprietário, do seu egoísmo, individualismo, desconsideração e incompreensão sobre o outro, extermina o “objeto” que o rejeita.

Ele lhe deu mais três tiros, dessa vez na cabeça. Largou seu corpo inerte. Levantou-se com as mãos e roupas sujas de sangue e com um tufo do cabelo ruivo da Filósofa preso em seus dedos, dirigiu-se a seu carro e partiu sem nenhum obstáculo. Alguém chamou a polícia e uma ambulância, mas quando chegaram já estava morta; isolaram o local, as testemunhas apareceram, deram a descrição do assassino e a placa de seu carro, foram orientadas a irem a delegacia responsável pela investigação; o corpo dela fora retirado e levado ao IML; seus alunos não acreditavam no que presenciaram, estavam todos chocados, revoltados e muito emocionados.

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Os dias seguintes foram de homenagens a Filósofa, estavam todos consternados, mais uma mulher assassinada, mais um número nas estáticas, mais uma vida extirpada em razão de um padrão e a crença propagada de conquista e propriedade, em que o conquistador pode dispor de tudo do conquistado, a sua existência, a sua vida e até mesmo o poder de eliminá-lo e extingui-lo.

Ainda não houve um desfecho judicial dessa história, sei que ele responde em liberdade, alegam que ele se descontrolou, teria tido um surto emocional pela negativa dela; mas para mim enquanto houver o modelo padrão do conquistador, da posse e propriedade, da hierarquização e submissão, dos moldes culturais e conceitos do que pertencem ao feminino e ao masculino e nos negarmos a enxergar e compreender o humano sem as classificações criadas e impostas, continuaremos a ser subjugadas, invisibilizadas, anuladas, culpadas pela violência que sofremos e mortas.

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