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Paulo Moreira Leite

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Desonestidade contra direitos de Lula atinge grau absoluto

"Se o plenário do STF for impedido pela própria presidente Cármen Lúcia de cumprir o dever de examinar um pedido de habeas corpus a favor de Lula, o grau de irresponsabilidade institucional terá atingido um ponto inédito na história do judiciário brasileiro e quem sabe mundial", escreve Paulo Moreira Leite, articulista do 247; para PML, o nível de desonestidade para impedir o julgamento em plenário chegou ao ponto máximo através da corrupção da linguagem: "tenta-se definir um direito legítimo de todo advogado, que é expor o ponto de vista dos clientes aos magistrados, como uma forma de 'pressão' contra os membros do STF"

"Se o plenário do STF for impedido pela própria presidente Cármen Lúcia de cumprir o dever de examinar um pedido de habeas corpus a favor de Lula, o grau de irresponsabilidade institucional terá atingido um ponto inédito na história do judiciário brasileiro e quem sabe mundial", escreve Paulo Moreira Leite, articulista do 247; para PML, o nível de desonestidade para impedir o julgamento em plenário chegou ao ponto máximo através da corrupção da linguagem: "tenta-se definir um direito legítimo de todo advogado, que é expor o ponto de vista dos clientes aos magistrados, como uma forma de 'pressão' contra os membros do STF" (Foto: Paulo Moreira Leite)
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 Apenas num país no qual o debate político atingiu um padrão absoluto de desonestidade pode-se utilizar o  termo "pressão" para tentar desqualificar um esforço legítimo para restaurar uma garantia  constitucional  em nossa vida pública.

 Estou falando da discussão urgente que o Supremo Tribunal Federal deve fazer sobre o pedido de habeas corpus de Lula, que envolve o respeito ao  "transito em julgado", previsto no artigo 5 LVII da Constituição, onde se diz que "ninguém será considerado culpado antes do transito em julgado de sentença penal condenatória."

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Num debate baseado numa visão adequada dos fatos, a palavra "pressão", com toda a carga negativa que carrega quando se refere a decisões jurídicas, não poderia ser empregada aqui. É uma forma de corromper a linguagem. Em nome da defesa da moralidade e dos bons costumes, pratica-se a novilíngua das ditaduras, tão bem descrita por George Orwell, para mostrar sistemas totalitários onde a Verdade quer dizer Mentira, Liberdade significa opressão e assim por diante. 

Como regra, o próprio Conselho Nacional de Justiça, que Cármen Lúcia preside também, garante a advogados o direito de expor o ponto de vista de clientes aos magistrados que examinam suas causas. Não há proteção nem favor nessa atitude. Mas apenas o esforço para garantir uma decisão bem informada e ampla, que não ignora as alegações das partes, postura que é o melhor caminho para a proteção da  presunção de inocência.

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Outro aspecto é fácil reconhecer. Estamos falando  de uma decisão que pode ter um impacto decisivo numa campanha presidencial na qual a exclusão de Lula, sem provas,  é parte de um esforço para consolidar o estado de exceção criado a partir do golpe de abril de 2016.  

 Vivemos sob um sistema político no qual juristas em campanha para garantir a vaga no STF costumam percorrer gabinetes do Planalto em busca da indispensável indicação presidencial. Mais tarde  -- às vezes com auxilio de lobistas profissionais -- percorrem o Senado para conseguir o necessário apoio que sacramenta a decisão. Como classificar essas conversas?

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 "Pressão?"

 Vamos ser coerentes  e dar o nome certo às coisas certas e reconhecer que nada disso se aplica ao esforço para garantir a Lula o direito  uma decisão justa.  

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  Neste início de 2018, a palavra fora de lugar tenta vulgarizar a gravidade  de uma situação criada no Supremo a partir recusa da presidente Carmen Lúcia para pautar o debate em torno de um pedido de habeas corpus que o próprio relator da Lava Jato, Edson Facchin, determinou que seja examinado pelo coletivo de ministros. Isso prova mais uma vez que não há nada escandaloso, nem impertinente. Apenas correto.  

  Na dúvida, responda rápido: quando Carmen Lúcia disse, fora dos autos, num jantar com executivos, lobistas e jornalistas,  que a possibilidade de convocar o plenário do STF para debater o habeas corpus de Lula seria equivalente a "apequenar" o Supremo estava sendo "pressionada" ou "fazia pressão"?  

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 Com a palavra fora do lugar tenta-se sugerir   que o país está assistindo a um movimento inteiramente ilegítimo para assegurar o respeito a um princípio constitucional de importância crucial para a proteção do Estado Democrático de Direito.

 Como regra, o próprio Conselho Nacional de Justiça, que Cármen Lúcia preside também, garante a advogados o direito de expor o ponto de vista dos clientes aos magistrados que examinam suas causas. Não há proteção nem favor nessa atitude. Mas apenas o esforço para garantir uma decisão bem informada e ampla, que não ignora as alegações das partes, postura que é o melhor caminho para a proteção da  presunção de inocência.

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 Outro aspecto é fácil reconhecer. Estamos falando  de uma decisão que pode ter um impacto decisivo numa campanha presidencial na qual o impedimento de luta -- sem provas -- é parte de um esforço para consolidar o estado de exceção criado a partir do golpe de abril de 2016.  

 Numa conjuntura em que se desenha uma possível  maioria de ministros favorável a discutir o trânsito em julgado, é fácil perceber que toda tentativa de desqualificar um debate necessário tem uma origem política clara e atende a um interesses menores.

Falar em "pressão" é muito mais conveniente do que reconhecer um fato comprometedor, com consequências graves a curto, médio  e longo prazo, para o país e seu sistema de justiça.  

 Se o plenário não for convocado a debater o habeas corpus, os rumos da campanha presidencial de 2018 e todas as implicações daí decorrentes serão produto da opinião e da vontade de uma só pessoa, a presidente Cármen Lúcia. Num órgão que tem a obrigação de funcionar como um coletivo, a presidente alcançou essa posição -- na qual permanecerá por dois anos -- em função de um burocrático sistema de rodízio por antiguidade, sem nenhuma relação com preparo teórico ou capacidade de liderança entre os pares. 

 Depois de um Executivo sem voto, de um Legislativo sem cabeça, teremos um Supremo reduzido a uma só voz, embora tenha onze membros. Pode? 

  O primeiro mistério dessa discussão consiste em entender como e por que, há dois anos,  uma maioria de 6 votos a 5 do STF decidiu contornar uma clausula constitucional cristalina, aprovada por um plenário de constituintes eleitos pelo voto direto de 59 milhões de eleitores. 

  Nunca se questionou seriamente o trânsito em julgado até que, em fevereiro de 2016, o Supremo se reuniu para debater a aplicação do artigo 5 LVII e acabou autorizando a prisão após decisão em segunda instância, por 6 votos a 5. 

  Não era um momento qualquer: dois meses depois Dilma seria afastada da presidência sem crime de responsabilidade configurado.

   Se é para se empregar o termo "pressão", convém recordar o papel da Lava Jato neste debate, parte de sua constituição como elemento chave da situação política.

  No final de 2015, depois da Associação de Juizes Federais do país  apresentar um projeto no mesmo sentido, o juiz Sérgio Moro compareceu a um audiência no Senado onde tratou do assunto. Disse que “processo que nunca termina gera impunidade".

   Mencionando o caso do jornalista Pimenta Neves, condenado por ter matado a namorada em 2000 e preso em 2011, Moro prosseguiu: “um caso de homicida confesso demorar tanto tempo é um demonstrativo de que algo está errado em nossa Justiça criminal”.

    Moro voltou a se manifestar depois do 6 a 5, dizendo que o Supremo "fechou uma das janelas da impunidade no Brasil".

   Na mesma linha, a Ajufe definiu a decisão como um "julgamento histórico".

   A queda do "trânsito em julgado", na verdade, teve uma utilidade operacional única para a Lava Jato, como se percebe pelo depoimento-chave de Marcelo Odebrecht.    

    Antes da decisão do STF, o dono da Odebrecht, principal fonte de denúncias e revelações, mantinha-se de boca fechada e dizia que não pretendia "dedurar" ninguém. Não só porque não tinha o que "dedurar" mas porque tinha restrições moral. Falando da educação das filhas, Marcelo Odebrecht chegou a dizer que lhes ensinava que o ato de delatar podia ser até mais grave do que a própria falta cometida.

    Depois que o STF autorizou o cumprimento da pena em segunda instância, deixando claro que a Lava Jato possuía músculos para alternar a própria Constituição, o jogo se modificou. Ameaçados pelo horizonte de apodrecer na prisão por longos anos sem perspectiva, Marcelo Odebrecht e outros prisioneiros de maior calibre abriram o bico, dando um novo patamar a operação. Quatorze meses depois do 6 a 5 no STF, Leo Pinheiro desmentiu tudo o que dissera antes para tentar incriminar Lula no caso do triplex. 

   Há dois anos, quando o STF assumiu por conta própria a função de reformar a Constituição, os advogados Cezar Bittencourt e Vania Bittencourt escreveram que o país tinha vivido um "dia de terror" e explicaram que "o STF rasgou a Constituição Federal e jogou no lixo os direitos assegurados de todo cidadão brasileiro que responde a um processo criminal." Citando estimativas de tribunais superiores, os dois advogados escreveram que "aproximadamente um terço dos condenados, provavelmente inocentes" foram prejudicados pela decisão.

   Nos próximos dias, bom assinalar, a mesma Ajufe estará nas ruas para fazer uma paralisação em defesa do auxílio moradia. "Pressão" é isso aí, vamos combinar. 

   Em 2016, quando assumiu a tarefa de modificar as leis através de mudanças em sua interpretação, o Supremo contribuiu para a abertura de um atalho ilegítimo. A primeira fase foi acionar a máquina de delações. Vive-se agora a etapa final: produzir as condenações.  

   Os interesses internacionais que alimentam a Lava Jato e conspiram contra o Brasil estão mais claros, em 2018 do que em 2016. O próprio FBI não esconde sua empolgação. 

   Desta vez, se o plenário for impedido pela própria presidente de cumprir seu dever, o grau de irresponsabilidade terá atingido um nível lamentável na história de qualquer sistema judiciário, no qual a mais alta corte de um país se adapta a uma política de exceção por vontade própria. 

   Deu para entender?

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