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Juca Simonard

Jornalista, tradutor e professor de francês. Trabalhou como redator e editor do Diário Causa Operária entre 2018 e 2019. Auxiliar na edição de revistas, panfletos e jornais impressos do PCO, e também do jornal A Luta Contra o Golpe (tabloide unificado dos comitês pela liberdade de Lula e pelo Fora Bolsonaro).

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“Diretas Já”: a Frente Ampla como instrumento de manutenção da Ditadura Militar

A Frente Ampla com setores da direita na campanha pelas Diretas Já apenas serviu como manobra política para manter as mesmas oligarquias que reinavam durante a Ditadura Militar no controle do novo governo "civil"

Comício pelas "Diretas Já" (Foto: Rolando Freitas)
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O dirigente político do PSOL e da Frente Povo Sem Medo, Guilherme Boulos, recentemente mencionou a aliança com a direita durante a campanha por “Diretas Já”, em 1983-1984, como um exemplo a ser seguido pela Frente Ampla contra Bolsonaro atualmente proposta por setores da esquerda e da direita.

Cabe então aqui desmistificar a campanha por “Diretas Já” e mostrar como essa articulação política foi, na realidade, nociva para os trabalhadores, permitindo a manutenção da oligarquia da Ditadura Militar brasileira mesmo durante os governos civis.

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Vale primeiro ressaltar que ela surge em um momento de total crise do regime político. A ditadura em 1974 saiu do chamado “milagre econômico” (um crescimento artificial que beneficiou os banqueiros mundiais) para enfrentar bruscamente a Crise do Petróleo, que atingia os principais países imperialistas do mundo. O momento, de total desagregação da economia imperialista, permitiu a ascensão das massas em diversos países do globo terrestre.

Em Portugal teve a famosa Revolução dos Cravos, que acabou dando força às revoluções anticoloniais africanas, principalmente em Moçambique, Cabo Verde e Angola. Na Espanha o povo também foi às ruas e finalmente caiu a ditadura franquista que perdurava desde a década de 1930.

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No Brasil, país mais importante economicamente e politicamente da América do Sul, a profunda crise econômica levaria inevitavelmente à mobilização popular pelo fim da Ditadura. O mundo todo estava em ebulição. É aí que começa a ressurgir a chamada “oposição” do regime militar. O Movimento Democrático Brasileiro (MDB), que deu origem ao PMDB, foi criado em 1966 como uma oposição consentida ao regime estabelecido com o golpe de 1964. O partido, entretanto, só começou a ganhar força e visibilidade, de fato, com reabertura do Congresso Nacional após o AI-5. Ou seja, percebe-se a primeira vista que era um partido puramente institucional, um suposta oposição parlamentar que dava uma aparência democrática à Ditadura - algo parecido com a atual “oposição” parlamentar (forçada pela imprensa capitalista) a Jair Bolsonaro, composta por partidos golpistas, como PDT, Rede e PSB.

A oposição consentida

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O MDB da época tinha como objetivo conter a mobilização contra a ditadura, canalizando a revolta para as instituições (ditatoriais, militares e golpistas). Este foi seu papel durante a segunda metade da década de 1970 e a primeira metade da década de 1980. Neste período citado, o movimento estudantil recoloca-se em mobilização. Em 1974, é criado o Comitê de Defesa dos Presos Políticos da USP, e em 1976 e 1977 uma mobilização para a reorganização da União Nacional dos Estudantes (UNE). Os estudantes retomavam a luta política contra a Ditadura Militar, iniciando uma intensa campanha contra o regime através da realização de diversas passeatas nas ruas.

A palavra de ordem “Abaixo a ditadura” surgiu nesta época pelo movimento estudantil. Neste período também surge a primeira greve operária após 1968, dez anos depois, em 1978. A luta política explode contra a Ditadura, com a explosão de intensas greves entre 1978 e 1980. Desta forma, a necessidade de uma oposição consentida e institucional era extremamente necessária para manter os interesses políticos das classes dominantes, canalizando a revolta popular para as instituições.

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É preciso esclarecer quem eram os componentes da “oposição”. A maioria deles, políticos burgueses profissionais, que na era anterior à Ditadura eram integrantes da ala direita da política brasileira. Estavam dentro da UDN e do PSD, e até mesmo compunham a direita do PTB, partido de Getúlio Vargas. Políticos que apoiaram o golpe de 1964, seja pela conspiração, seja pelo consentimento.

Além destes, que são os Tancredo Neves e Ulysses Guimarães, havia também os sindicalistas pelegos da Ditadura - os interventores dos militares que eram colocados nos sindicatos para impedir as greves operárias - e os dirigentes estudantis também pelegos, que colocaram-se contra a reconstrução da UNE e contra as passeatas por “Abaixo a Ditadura”. Neste setor, incluem-se os “comunistas” do PCB e do PCdoB.

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O PCB, representante oficial da União Soviética, com a total falta de reação diante do golpe militar, entrou em um processo de desintegração. Antes do golpe, com crise da burocracia soviética, o "Partidão" já havia tido um racha, que formou o PCdoB. Depois do golpe, muito de seus militantes saem do partido e começam a formar movimentos guerrilheiros buscando algum tipo de reação, como Carlos Marighella. Após a aniquilação dos guerrilheiros - Marighella, Lamarca e os líderes do Araguaia (PCdoB) - consolidaram-se na direção destes partidos os oportunistas que aliavam-se com a Ditadura, a grande maioria deles tendo ingressado dentro do MDB.

Como dissemos antes, a ascensão do MDB se deu diante de uma tentativa de conter a classe operária e o movimento estudantil. A intenção era conter a radicalização do povo. O MDB tornou-se, de certa forma, o verdadeiro partido da Ditadura, disfarçado de “oposição”. Políticos tradicionais da ARENA (partido oficial do regime), como o latifundiário alagoano Teotônio Vilela, percebendo a crise política, também ingressam na “oposição”. O MDB começa a ganhar as eleições fajutas da Ditadura em todos os principais estados, principalmente no sudeste.

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Claramente, o conjunto da burguesia golpista procurava uma flexibilização da Ditadura Militar, uma transição pacífica para um regime supostamente democrático com as mesmas oligarquias no comando, mas sem um presidente fardado. Para isso era preciso dar capital político para “oposição”, que buscava apresentar como solução um conflito de aparências por dentro das instituições, com emendas parlamentares, eleições (antidemocráticas) e discursos no Congresso.

A Frente Ampla por “Diretas Já”

Enquanto isso, a classe operária e o movimento estudantil tomavam conta do cenário político. Manifestações de ruas e greves eram cada vez mais constantes. O PT, com a iniciativa dos novos militantes estudantis e dos trabalhadores, é formado em 1980, produto desta mobilização. Por mais que o partido, em seguida, tenha sido cooptado por setores centristas e até mesmo oriundos da MDB e da burguesia, a formação do partido, no momento, foi a expressão de uma necessidade do movimento de ter um partido político próprio.

O movimento insurgente de 1977-1980 acabou entrando em refluxo com a política recessiva do presidente-general João Figueiredo, que promoveu ataques importantes contra a classe operária, através do desemprego e da austeridade. Porém, mesmo assim, através de um sólido trabalho de base dos militantes de vanguarda durante alguns anos, a Central Única dos Trabalhadores (CUT) é formada em 1983 para se opor à política dos sindicalistas pelegos, principalmente do PCB e do MDB.

Neste momento, o papel da Frente Ampla fica muito claro. Enquanto os operários lutavam para ter suas organizações próprias, a esquerda do MDB, fez de tudo para impedir a existência da CUT. Pouco se fala hoje em dia, mas o PCdoB foi um dos principais instrumentos utilizados contra a organização da central. O que queria a ala esquerda da “oposição” era uma central sindical de união com os pelegos - como o ex-presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo, Joaquim Andrade dos Santos, o “Joaquinzão” - e não uma central contra eles. 

Desta forma, a criação da CUT e a vitória interna da “CUT pela Base” representou uma vitória da classe operária contra a política de “unidade” com a “esquerda” alinhada com a Ditadura Militar.

Neste ano de fundação da CUT ocorreu também uma das maiores greves gerais de história do Brasil. A greve geral de 21 de julho de 1983, que mobilizou mais de 3 milhões de trabalhadores, a maioria deles em São Paulo, colocando o regime militar em xeque. Fato é que muitos dizem que a tomada do poder pelos trabalhadores estava colocada. E é neste momento que aparece a campanha pelas “Diretas Já”.

Alguns não sabem, mas a campanha por eleições presidenciais diretas iniciou como uma mera luta parlamentar e midiática da oposição emedebista. O ex-arenista Teotônio Vilela e outros parlamentares do MDB iniciaram uma campanha na imprensa, com o intuito de conter os ânimos dos que eram contra a ditadura, pedindo para que esperassem a resolução do problema por meio das instituições. Os parlamentares da oposição apresentaram uma emenda parlamentar que deveria ser votada no Congresso. A oposição aparecia assim como anti-ditadura e os seus parlamentares “defensores da democracia”, uma manobra para ganhar capital político com insatisfação generalizada contra o regime.

A campanha, entretanto, rapidamente massificou. O PT, que era a principal autoridade dos trabalhadores na época, decidiu aderir à campanha, mas chamando atos de ruas, que rapidamente tomaram conta do País. Diferente dos primeiros pequenos e médios comícios organizados pelo MDB, a situação começou a sair do controle e, em 1984, as ruas estavam tomadas pela campanha, com milhões de pessoas aderindo às “Diretas Já”.

O cenário ficou complicado, era preciso que a oposição interviesse mais uma vez para salvar o regime militar. Lula aparecia nos comícios, mas a seu lado estavam os políticos da burguesia, como Tancredo Neves, Leonel Brizola e Ulysses Guimarães. Estes aproveitavam o apoio do líder metalúrgico para ganhar apoio dos operários e dos estudantes. 

A manobra estava feita. A Frente Ampla desta época foi fundamental para colocar manter os cães adestrados da Ditadura no poder. Manter o regime, mas de forma maquiada.

Eleições indiretas e unidade com a direita

Obviamente, a emenda parlamentar das eleições diretas não passou. Os novos líderes “democratas”, porém, ao invés de chamar novas mobilizações até derrubar efetivamente a Ditadura, lançaram uma chapa no Colégio Eleitoral da própria ditadura (isto é, uma chapa em eleições indiretas) e pediram apoio da esquerda e do movimento operário. Para se manter, os militares precisariam apoiar um presidente civil e fazer uma intensa mobilização política para conseguir apoio da população.

Dito e feito. O partido da Ditadura havia mudado de nome - de Arena para PDS. O PDS, por sua vez, tinha dois candidatos para disputar no colegiado, o militar com fortes ligações com os empresários brasileiros Mário Andreazza, e o espantalho Paulo Maluf, conhecido por ser amigo dos torturadores e extremamente impopular em São Paulo. O MDB já havia decidido por Tancredo Neves. A manobra dos militares foi apoiar o espantalho para o PDS e, em seguida, apoiar Tancredo Neves com base no voto útil.

O PDS então apoia Maluf para disputar contra Tancredo. Entretanto, importantes caciques que faziam parte do PDS (e aprovaram o impopular Paulo Maluf para o colegiado) racham com o partido para formar a Frente Liberal, alinhada com o setor mais pró-imperialista da Ditadura, ligada ao ex-presidente Ernesto Geisel. A Frente Liberal, então sai do PDS, e entra para a chapa do MDB, com José Sarney como vice de Tancredo.

A campanha em defesa de Tancredo (e Sarney) começou. A revolta do povo foi canalizada para uma disputa institucional e a derrota do espantalho Maluf em prol do “democrata” Tancredo Neves (que representava a nova política do imperialismo) foi vista e comemorada como um “vitória da democracia”.

A Frente Ampla de 2020

A conclusão é que a Frente Ampla com setores da direita na campanha pelas Diretas Já apenas serviu como manobra política para manter as mesmas oligarquias que reinavam durante a Ditadura Militar no controle do novo governo “civil”. A manobra, em si, não resolveu todos os problemas, pois 1985, primeiro ano do governo Sarney (que assumiu por conta da morte de Tancredo antes de assumir), foi marcado por greves operárias que perduraram até o final de seu mandato. Mas a intensa repressão que ocorreu durante este período serviu para acalmar a classe operária, que não estava mais tão mobilizada, e iniciar um momento de refluxo da luta, permitindo a ascensão de Fernando Collor (ex-PDS), em 1989. Collor instaurou uma política neoliberal de privatizações e desemprego que atacou a classe trabalhadora como nunca antes. E isso, por sua vez, permitiu a eleição de Fernando Henrique Cardoso (FHC) que deu continuidade da política neoliberal, levando milhões à fome e ao desemprego.

A situação atualmente é parecida. As organizações da esquerda querem “esquecer” que vivemos em meio a um regime golpista desde 2016, do qual Bolsonaro é apenas a continuidade. Partidos da ala esquerda do golpismo, como PDT, PSB e Rede, são vistos como aliados na luta contra Bolsonaro, mesmo se eles fizeram parte do processo que derrubou Dilma Rousseff e elegeu o fascista, e ainda fazem de tudo para impedir a mobilização popular contra o governo. A “luta” deles é a mesma da “oposição” da Ditadura: puramente parlamentar - para manter Bolsonaro na linha ou, na pior da hipóteses, realizar um impeachment mantendo um representante dos golpistas no poder.

A aliança foi mais longe, como ficou claro com o manifesto Estamos Juntos, assinado por setores organizadores do golpe, como FHC (PSDB), Michel Temer (PMDB) e Luciano Huck (da Rede Globo) - que se dizem contra Bolsonaro - e por setores da esquerda, como Flávio Dino, Fernando Haddad, Guilherme Boulos e Marcelo Freixo. 

A Frente Ampla de 2020 é uma tentativa de resgatar partidos falidos da burguesia, como PSDB, PMDB e PDT, através do aproveitamento da impopularidade de Bolsonaro. Inconscientemente ou conscientemente, Dino, Haddad, Boulos e Freixo atuam como médicos. Eles não estão, porém, tratando o povo, mas sim os partidos políticos da burguesia que estão na UTI, em uma manobra para colocar os responsáveis pelo governo Bolsonaro no poder sendo que sem Bolsonaro. A Frente Ampla é o MDB e Bolsonaro é Maluf, o espantalho usado para justificar todo e qualquer tipo de política contra o povo. No final, se isso se consolidar, a consequência será a mesma: o fim da radicalização política do povo em prol da ascensão dos golpistas.

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