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Gustavo Conde

Gustavo Conde é linguista.

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É preciso falar menos de Bolsonaro e mais de Brasil

"A obrigação em pautar o palhaço, portanto, não é da sociedade, mas do jornalismo político institucionalizado. É, por assim dizer, a maldição que recai sobre esse jornalismo, quase tão patético e desinteressante quanto seu objeto temático preferencial de turno", diz o colunista Gustavo Conde, sobre o domínio temático de Bolsonaro nas redes e nos jornais

Bolsonaro (Foto: Agencia Brasil)
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As pessoas me perguntam: como parar de falar em Bolsonaro?

É simples: é preciso viver. É preciso dar valor e atenção àquilo que é digno de valor e atenção.

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É preciso trabalhar, é preciso sonhar, é preciso construir.

A realidade sensível tem muito do observador. Se construo um mundo e um círculo de relações que valorizam temas relevantes, meu mundo passa a ser relevante.

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Se construo um mundo e um círculo de relações que valorizam temas irrelevantes, meu mundo passa a ser irrelevante.

Uns mais afetados dirão: "mas você está escrevendo justamente sobre o tema que recomenda ignorar."

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Infelizmente, a lógica chã presente no discurso apressado dos céticos é capaz de formular ponderações dessa natureza. O tema aqui, neste texto, não é uma pessoa ou o que ela faz, mas como podemos tratar o nosso dizer a nosso favor.

A linguagem tem dessas sutilezas - e é por isso que vale a pena explorá-la, ao invés de se agarrar ao efeito manada da repulsa.

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Vamos tentar entender o problema: há uma demanda jornalística na cobertura e tematização da presidência da República e do Governo Federal.

É pauta dada: fala-se do governante que acumula o maior naco de poder.

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Este processo, no entanto, está sendo truncado por um governante que não encarna o papel de um governante, mas de um palhaço.

A obrigação em pautar o palhaço, portanto, não é da sociedade, mas do jornalismo político institucionalizado. É, por assim dizer, a maldição que recai sobre esse jornalismo, quase tão patético e desinteressante quanto seu objeto temático preferencial de turno.

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A sociedade não pode se pautar pelo jornalismo! O razoável é exatamente o contrário!

O nosso "protocolo" dialético é tematizar questões que têm relações reais com as nossas vidas, não com um teatro político de quinta categoria que se estabelece deliberadamente como piada.

Eu poderia dizer: "o jornalismo está sendo enganado". Mas isso seria quase uma redundância.

Fato é que o próprio jornalismo se tornou tema central desse espectro discursivo improdutivo que empesteia a sociedade brasileira.

Falar de jornalismo e falar de Bolsonaro acabou por se tornar basicamente a mesma coisa. É o mesmo barraco, é a mesma precarização, é o mesmo esgoto.

Não há afirmação mais precisa neste presente momento e neste presente país do que: "eles se merecem".

A sociedade real pode ser melhor do que tudo isso, basta querer.

Tomemos Lula como exemplo, a nossa maior referência humanística, política e histórica. O que está fazendo e falando neste momento?

Ele está falando de desigualdade social em Genebra na Suíça. Ele fala de gente, da economia, do futuro. Ele sequer fala de Sergio Moro (fala apenas, quando necessário, da Lava Jato).

Ele, inteligentemente, se afasta da 'tematização Bolsonaro', porque ele sabe que, para reconstituir o tecido institucional brasileiro, é preciso olhar para a frente, não para trás.

E para falar disso (de futuro e de passado), é preciso falar da esquerda - mas é preciso fazer, antes, uma observação.

Eu considero, como disciplina retórica, terminantemente proibido dizer a expressão "a esquerda". Falar 'a esquerda', hoje, causa calafrios. Não existe 'a esquerda', nem 'uma esquerda'. Pelo andar da carruagem, eu diria que existem milhões de esquerdas no Brasil, uma para cada cidadão autoidentificado como 'esquerda'.

Essas milhões de esquerdas estão aprisionadas na tematização Bolsonaro-jornalismo. É uma espécie de fetiche que alimenta a perpetuação dessas duas instâncias.

Os chamados site e blogs de "esquerda" contribuem esplendorosamente para a manutenção dessa engrenagem retórica que fundamenta a nossa miséria dialógica do presente.

A escravização pela audiência digital - fraquíssima, se comparada aos exércitos digitais conservadores - materializa uma pauta magra, repetitiva e desgraçadamente empobrecida pela estética da indignação de vitrine.

Não se fala de cultura, não se fala de arte, não se fala de esporte, não se fala de educação, não se fala de meio ambiente.

São pautas que não 'atraem' o leitor 'de esquerda', que ficou viciado na ração diária do antibolsonarismo editorializado.

Não é um drama se desvencilhar dessa moenda do horror. Basta coragem.

Eu tive a felicidade de, recentemente, entrevistar artistas, economistas e pesquisadores. Posso assegurar: eles estão ávidos para re-estabelecer pilares sólidos de conteúdo jornalístico.

É até um exercício extremamente saudável travar um debate sobre Brasil sem falar em Bolsonaro.

Mais do que isso, chega a ser um alívio voltar a discutir temas de relevância política real. Há uma restauração do espírito, uma espécie de cura para crises de abstinência.

Nós estamos em crise permanente de abstinência. Abstinência de conteúdo, de realidade, de sentido.

Eu vou fazer cada vez mais isso - porque também não é trivial esquivar da política de esgoto. É um processo, tem de ser gradativo, deliberado e cadenciado.

Falemos menos de Bolsonaro e falemos mais das coisas que realmente nos importam.

O mundo agradece.

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