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Laurindo Lalo Leal Filho

Professor aposentado da Escola de Comunicações e Artes da USP

3 artigos

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Eleição e tradição

"Brasil que saiu das urnas no primeiro turno das eleições mostra o enraizamento do tradicionalismo em amplas camadas da sociedade", escreve Laurindo Lalo Filho

(Foto: Reprodução/Twitter/@GeorgMarques)
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Por Laurindo Lalo Leal Filho 

(Publicado no site A Terra é Redonda)

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Segunda-feira, 3 de outubro, pela manhã, há menos de doze horas do  encerramento das apurações do primeiro turno das eleições presidenciais,  recebo a seguinte pergunta: “Que país as urnas revelaram?”.

Quem pergunta é a professora Ana Veloso, da Universidade Federal de  Pernambuco, e apresentadora do programa “Fora da Curva”, da Rádio Paulo  Freire, do Recife, do qual participo de São Paulo, como entrevistado.

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Respondo: “As urnas revelaram um país que entrou na onda da  institucionalização da extrema direita, em ascensão pelo mundo”. E  completo “aqui representada por partidos políticos competitivos”.

A resposta teve como referência o que ocorre nos Estados Unidos, com o  trumpismo articulado à direita do partido Republicano; na Itália, com a  recente vitória dos “Irmãos da Itália”, liderado por Giorgia Meloni; a  expressiva votação recebida por Marine Le Pen, do Reagrupamento  Nacional, nas eleições deste ano na França; a vitória do xenófobo  partido “Democratas Suecos”, nas eleições parlamentares, tornando-se a  segunda força política do país; além das anteriores conquistas do poder  pela direita na Hungria e na Polônia, por exemplo.

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Claro que tudo isso não é mera coincidência. Condições  socioeconômicas objetivas, identificadas a partir da crise financeira  iniciada em 2007, com a desvalorização de imóveis nos EUA e na Europa,  se alastrou pelo mundo, levando a uma recessão global em 2009.

Crise que, por sua gravidade, pode ser comparada à ocorrida no início  dos anos 1930. O que permite estabelecer um paralelo político entre  aquela época e este início do século XXI. O fascismo e o nazismo do  século passado cresceram e levaram o mundo à Segunda Guerra Mundial, na  esteira da derrocada econômica. As instituições políticas mostraram-se  incapazes de enfrentar e domar a crise do capital, abrindo espaço para  movimentos de força, arautos de soluções extremistas. Deu que no deu. A  maior catástrofe global da história da humanidade, resultando num total  de mortos estimado entre 70 a 85 milhões de pessoas, entre 1939 e 1945.

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Os investimentos na reconstrução dos países atingidos pela guerra e a  criação de organismos multilaterais, a partir da Organização das Nações  Unidas (ONU), com a Declaração Universal dos Direitos Humanos por ela  aprovada, estabeleceram parâmetros capazes de garantir um período onde a  paz relativa ancorava-se no precário equilíbrio entre as duas  superpotências, Estados Unidos e União Soviética, e na criação e  fortalecimento dos Estados de bem-estar social, nos países centrais do  mundo capitalista.

A inflexão nesse processo se deu a partir do início dos anos 1980,  com a chegada ao poder de Margareth Thatcher, no Reino Unido e de Ronald  Reagan, nos Estados Unidos, com suas políticas neoliberais,  direcionadas para o que ficou conhecido como o “estado mínimo”.

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Ações que se espalharam pelo mundo e vão culminar, em duas décadas,  na nova crise do capitalismo. Inflação e desemprego em alta, perda de  ativos imobiliários, quebras bancárias abalam as estruturas políticas  construídas no pós-guerra e, como nos anos 1930, abrem espaço para o  surgimento de grupos extremistas, apresentando as mesmas propostas  salvacionistas de outros tempos.

No Brasil, a crise não é simultânea aos países do capitalismo  central. Enquanto a economia global sofria uma queda de 1,7%, em 2009,  por aqui o recuo foi de apenas 0,1%. Ainda assim, os ecos da crise  mundial penetravam no país através dos meios de comunicação  internacionalizados, antecipando simbolicamente a crise real que só  chegaria algum tempo depois.

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É nesse quadro que se inserem as manifestações populares de 2013, que  tinham como um dos motes centrais a antipolítica. Em algumas  manifestações, partidos políticos eram proibidos de portarem suas faixas  e cartazes. Numa inter-relação eficiente, os movimentos iam às ruas e  eram estimulados pela mídia que os potencializava. Além de convocá-los e  divulgá-los amplamente, os meios de comunicação forneciam também os  temas e os personagens para servirem de alvo aos manifestantes. A  operação jurídico-midiática denominada Lava Jato é o principal exemplo.

Abria-se, dessa forma, o espaço para os arrivistas de  extrema-direita. A história dessa ascensão é conhecida. Golpe contra a  presidenta Dilma Rousseff, prisão e silenciamento do ex-presidente Lula,  eleição de 2018 corrompida pela ausência do candidato líder das  pesquisas e vitória do autodenominado representante da antipolítica.

Restava apenas, para a consolidação do projeto de institucionalização  da extrema direita no Brasil, o surgimento de um partido político  competitivo, a exemplo dos existentes em outros países, mencionados  acima. Não existe mais. O PL, embora abrangendo correntes não situadas  na extrema direita, do ponto de vista eleitoral passa a ser, a partir  destas eleições, o seu representante. Comparável a Arena, da época da  ditadura.

Os dados são incontestáveis. Passou de dois para 13 membros no  Senado, podendo chegar a 15, dependendo do resultado do segundo turno  das eleições estaduais. Se dois senadores que disputam governos dos seus  estados não se elegerem, permanecendo no Senado, ampliarão a bancada.

Situação semelhante ocorre na Câmara dos Deputados. O PL conquistou a  maior representação, crescendo dos 79 deputados atuais, para 99 na  próxima legislatura. No caso dos governos estaduais, embora o PL tenha  eleito apenas o governador do Rio de Janeiro no primeiro turno, sete  eleitos por outros partidos declararam apoio ao candidato a presidente  do PL, no segundo turno.

Essa constatação indica que a força institucional da extrema direita  vai além do PL, presente em agremiações como União Brasil e  Republicanos, entre outros. Um conjunto de articulações amarradas por  uma força ideológica claramente definida, que vai além da liderança  transitória atual, e tende a permanecer no espectro político-eleitoral  brasileiro.

A razão dessa permanência não se dá apenas por fatores endógenos e  temporais. Há uma base filosófica nesse processo, trabalhada com  amplitude no livro Guerra pela eternidade, o retorno do tradicionalismo e a ascensão da direita populista,[1] de Benjamin R. Teitelbaum, recentemente publicado pela Editora da  Unicamp. Vale a pena ler. Em linguagem quase sempre coloquial, o autor  chega perto de 600 páginas, decompondo as ideias, interpretações e  diferentes aplicações do “tradicionalismo” em situações políticas  contemporâneas. Do Brexit ao Brasil de hoje. Estão lá relatos  de várias conversas com o estadunidense Steve Bannon, de contatos com o  russo Aleksandr Dugin e, como não poderia faltar, o relato de uma visita  ao brasileiro Olavo de Carvalho.

Depois dessa leitura, fica impossível tratar, por exemplo, o  negacionismo em relação às vacinas do atual presidente da República como  desvario ou ignorância. De um ponto vista pessoal pode até ser isso  mesmo, mas o livro permite concluir que ele é apenas o vocalizador de  uma visão de sociedade que se alastra pelo mundo e tem raízes profundas.

O Brasil que saiu das urnas no primeiro turno das eleições deste ano  mostra, na prática, o enraizamento do tradicionalismo em amplas camadas  da sociedade e, ao mesmo tempo o seu afloramento político institucional.

O segundo turno definirá a continuidade ou não desse processo. Será  contido nos limites atuais caso seu representante venha a ser derrotado  nas urnas, permanecendo, ainda assim, como importante força política  institucionalizada. Caso contrário, teremos não apenas o aprofundamento  da destruição das instituições democráticas, mas a implantação de um  regime político-cultural referenciado no tradicionalismo, pondo fim à  secularização do Estado brasileiro.

Nota

[1] TEITELBAUM, Benjamin R. Guerra pela eternidade, o retorno do tradicionalismo e a ascensão da direita populista. Campinas, Editora Unicamp, 2020.

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