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Gustavo Conde

Gustavo Conde é linguista.

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Eles acreditaram na democracia

Dilma deveria ter sido precavida e deveria ter imposto alguma espécie de intervenção no congresso, convocando novas eleições? Deveria ter exercido a força de um presidente, a la bolivarianismo? Hoje, pode parecer o melhor caminho a ter sido escolhido

Dilma Rousseff no Congresso Nacional  (Foto: Gustavo Conde)
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Eu me lembro de quando saiu o resultado da reeleição de Dilma Roussef, em 27 de outubro de 2014. A minha sensação foi de alívio, mas um alívio estranho, difuso, com cifras graves de nervosismo.

A vitória nem tinha sido apertada. Três milhões e meio de votos (3,28% do eleitorado) em um país tão grande, com certames tão disputados, é significativo e certamente, legítimo. O problema era a clara não aceitação da derrota pelo derrotado, antes mesmo que ela ocorresse.

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Meu inconsciente político estalou naquele momento. Não consegui comemorar, não me diverti com a imagem de ridícula de Aécio/Huck contemplando o infinito, não abri o sorriso nem fechei os punhos, gritando yes. Apenas pensei: ganhamos tempo.

Porque aquela eleição estava terrivelmente comprometida pelo péssimo comportamento da direita e da imprensa. Esse comportamento nunca foi bom, é verdade, mas naquele ano havia um ingrediente a mais levando pânico ao eterno campo classista: a volta líquida e certa de Lula 4 anos depois, mesmo que ele não quisesse.

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Aquela eleição foi suja. Dilma venceu porque o povo, mais uma vez dava um exemplo cidadão de sua consciência política, indo às urnas com humildade e deixado seu voto legítimo e constitucional. Mas o bastidor do período que precedeu a votação foi bastante podre.

A vitimização de Marina Silva pelos isentões frustrados, tucanos enrustidos, foi de doer. Marina derreteu e colocaram a culpa no PT. Fácil. Mas aquele derretimento tinha dono. Era o discurso tosco, oportunista, fake e dotado de imensa falta de compreensão produzido pela dama da floresta - ingrata cidadã que jogou no lixo sua importância residual para o meio ambiente brasileiro ao se curvar ao ódio provindo da imprensa e dos setores conservadores.

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Pior que tudo isso foi a viabilização da candidatura de Marina Silva. Só uma criança de 6 anos pode acreditar que o acidente com o avião de Eduardo Campos foi um acidente. É muito pouco crível que a nossa opinião pública letrada seja tão anestesiada assim. Posso relatar, também, sobre meu sentimento quando li a notícia sobre a queda do avião de Eduardo Campos.

Primeiro, é preciso lembrar: na véspera, Campos havia dado uma entrevista a WIlliam Bonner, no Jornal Nacional. Ele se saiu tão bem, tão bem, mas tão bem, que era evidente que iria crescer muito nas pesquisas, desbancado Aécio, que era o próprio desastre político encarnado.

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Confesso que me assustei quando assisti aquela edição do Jornal Nacional. Me assustei com a performance de Campos. Ele teria, inclusive, chances reais de vencer Dilma. E, detalhe: ele era próximo a Lula. Era, de fato, um quadro político de peso, não essas invencionices que vão sendo testadas pesquisa após pesquisa.

O problema é que a eleição estava próxima e o segmento golpista entrava na fase 2 de seu pânico. Perder para Campos também seria complicado. Campos não era domesticável, tinha história e biografia. Não era como Marina, talvez o mais manipulável dos seres políticos, certamente, a mais ingênua e deslumbrada, características propícias para quem sabe manipular - como a Globo - e lida com a vaidade alheia. Marina, convenhamos, é uma tucana, só não sabe. Um dia, se o PSDB não for extinto por uma revolução, ela se filia, podem anotar.

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Agora, raciocinem comigo: alguém aqui acha, dado o nível de delinquência dos golpistas, que a hipótese de fazer de Marina a cabeça de chapa através de todos os meios que fossem possíveis poderia ser descartada?

Acidente aéreo com candidato forte e eleições em curso, lamento dizer, não é acidente aéreo, é acidente político. Todo o melodrama que se seguiu, com Marina se recusando a assumir a chapa e recebendo pressão da imprensa e do enlutado e confuso PSB apenas seguiu um script completamente previsível de manipulação eleitoral com fortes indícios de criminosa.

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Tudo isso deixou o cenário eleitoral muito mais tenso e perigoso. Lembro o que muitos enunciam hoje, a posteriori, pelas mídias livres: o consórcio do golpe não está e não estava de brincadeira. São profissionais.

Numa eleição dessas, com um candidato explicitamente misógino, com uma candidata explicitamente manipulada e operando como lastro daquele que viria a lhe beijar a mão no segundo turno, num cinismo sem precedentes, mais a campanha de ódio que a Rede Globo patrocinava sem parar, empacotando a notícia da 'queda de pressão' de Dilma Rousseff no debate televisionado da concorrente como insegurança e medo, o resultado prático só poderia ser dramático e simbolicamente interrompido. Foi uma eleição que não terminou.

Meu inconsciente captou esse cenário e recebeu a vitória de Dilma igualmente com 'alívio interrompido'. Meu sentimento, naquele momento, não era da ordem do racional. Tanto que só pude revisitá-lo agora, quase 4 anos depois.

Uma breve lição de tudo isso: que não se subestime o inconsciente, a intuição. Se as instituições estão podres, as intuições precisam estar relativamente sãs. São elas que municiam gestos políticos que enxergam mais à frente.

Muito se diz hoje que Dilma deveria ter tomado uma atitude mais firme com as tentativas crônicas que lhe ameaçavam. É fácil dizer hoje que subestimaram o golpe. Mas, a razão disso é nobre e exigiu igualmente muita coragem.

Dilma, Lula e o PT acreditaram na democracia. Não por ingenuidade, mas por princípios e, acima de tudo, para dar o exemplo. Sabiam e sabem da importância dos gestos simbólicos. Assim, construíram suas biografias.

Aliás, todos nós acreditávamos na democracia. O erro, se é que houve, foi coletivo. Afinal, nós deixamos ali 54 milhões de documetos legais registrando o nosso desejo e autorização para que um governo continuasse a produzir suas políticias públicas e suas concepções técnicas acerca do tecido social e político do país.

Os erros e acertos já estavam contabilizados no voto. Mesmo discordando de Dilma, muito votaram nela porque, afinal, o adversário era uma ameaça indefectível.

Estava claro, portanto, que aquele resultado terrivelmente frustrante para segmentos conservadores seria truncado até a ruptura fatídica do impeachment. A palavra 'impeachmet', aliás, surgiu no mesmo dia 27 de outubro de 2014, via colunistas dos portais de notícias partidarizados.

Dilma deveria ter sido precavida e deveria ter imposto alguma espécie de intervenção no congresso, convocando novas eleições? Deveria ter exercido a força de um presidente, a la bolivarianismo? Hoje, pode parecer o melhor caminho a ter sido escolhido.

Mas, o que tem que ficar claro para todos nós que estamos sofrendo com esse massacre diário que a nossa democracia sofre é que hoje é hoje. Hoje, não tem história. A história, nossa aliada como sempre foi (ela sempre restitui a verdade, cedo ou tarde), não participa do hoje. Ela participa do amanhã.

Talvez, seja a hora de começarmos e entender isso e partir para uma ação mais concreta de enfrentamento. Senão, corremos o risco de que no futuro se diga: eles acreditaram na democracia.

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