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Tiago Basílio Donoso

Mestre em Teoria Literária pela Unicamp e autor do livro no prelo “Terras Nacionais e Terras Estrangeiras”, pela editora Kotter

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Em 2022 veremos o fim da ditadura de 1964

(Foto: Reprodução)
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Há coisas que são melhor representadas por seu fim, pelo momento em que começam a deixar de existir. Explico.

Meu pai, com seus 90 anos, é ao mesmo tempo ranzinza e engraçado. Sofre da terrível doença que é Alzheimer, e é com ela que brinca quando, ao acendermos a luz de seu quarto, diz: “Ué, virou teatro?” As luzes o incomodam e ele, que sempre se esquece de onde está, se coloca em um lugar que tem a certeza de não estar naquele momento. É sempre motivo de risos. Tem um quê de alívio cômico.

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Há coisas que são melhor representadas por seu fim. O teatro, por exemplo. A peça se passa naquele escuro confortável, as cenas se desenrolam, sempre diferentes, mas ao final é certo que as luzes se acenderão. Aquilo que pode representar uma ida ao teatro não é a peça, sempre mutável, mas o instante em que a experiência tem um fim. Nas melhores peças, é quando se acaba que temos a intensa percepção de que estivemos num teatro.

Meu pai, portanto, identifica a encenação com o momento em que somos largados da experiência na soleira de nosso mundo. Talvez, em outro exemplo, possamos apreender o que significa representar algo não por sua duração, mas pela fração de tempo em que se esvai.

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O cristianismo, o Novo Testamento, nos entrega cenas intensas, de profundo poder poético. Mas gosto de pensar que certas ideias podem ser melhor compreendidas por seu cheiro. Por exemplo: o neoliberalismo, que quer se vender industrioso, eu julgo que cheira a travesseiro, a baba, a sono e indolência - como de uma cama desarrumada na Casa Grande. E o Novo Testamento, por sua vez, deve cheirar a areia sem mar, a cerâmica e a bois - e jamais a peixes. Quero dizer com isso que o Novo Testamento só pôde expressar toda explosiva ferocidade do cristianismo em seu último livro, o Apocalipse. Fosse ele apócrifo, julgo que o cristianismo nunca poderia haver sido compreendido por seus próprios textos. Ficaríamos com uma impressão tediosa, bonita - intensa, sim, mas com um pendor para o pacífico.

Algumas coisas só podem ser compreendidas por seu fim; somente o instante em que deixam de existir as identifica. E andando pelas ruas de São Paulo, ouvindo a fúria bolsonarista de um motorista de aplicativo cujas costas são massageadas por aquelas bolas de madeira obtusamente eróticas, observando o resultado da Ponte para o Futuro debaixo das pontes da cidade, compreendi que a ditadura de 1964 só está acabando agora. Está sendo possível para nós, hoje, compreendermos de novo a miséria do país pela ossada nas prateleiras dos mercados.

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Autoritarismo, pobreza, desvio de verbas, truculência e ossos. As luzes do Brasil se acendem no início do século XXI e percebemos que, enfim, se acabou. Assistimos ao general Heleno, ajudante de ordens do general Sylvio Frota, ali, no palco, ao lado de Bolsonaro. Etchegoyen: os nomes e os personagens parecem se repetir. É irreal. Ruralistas, industriais, todo preso um preso político, o excludente de ilicitude como um sonho apocalíptico. E compreendemos a ditadura, nosso legado colonial. Vemos Bolsonaro repetindo Serra Pelada, balbuciando a doutrina de segurança nacional. 

As luzes se acendem, e nos perguntamos: “Virou teatro?”

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Em quatorze dias entraremos no último ano de um teatro de guerra, no último ano da ditadura que começou em 1964.

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