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Marcos Mourdoch

Escritor, dramaturgo, roteirista e poeta brasiliense.

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Emmanuel Macron e o esqueleto no armário dos bourbons

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As idiossincrasias dos Estados responsáveis pelos fatos históricos mais significativos, na Europa pós renascimento, não raro os jogam em situações um tanto constrangedoras. Não estou falando aqui das derrubadas (recentes, durante o movimento Black Lives Matters) de estátuas de reis em poses imponentes, conquistadores impávidos sobre o lombo de alazões e tantos outros, outrora heróis, identificados por carniceiros covardes, escravagistas e não raro genocidas. As dominações imperiais do passado tampouco ficam atrás e não se pode contá-las sem ter que eventualmente envergonhar personagens, datas, até mesmo Estados inteiros. Bom... A França, um dos países a usufruir do continente africano por alguns séculos após a renascença, passou por certo constrangimento no mês passado ao revisitar o tumultuado século XIX, em especial dois eventos, distantes décadas um do outro, porém, conectados em tudo: A MORTE DE NAPOLEÃO BONAPARTE e a COMUNA DE PARIS. O bicentenário do primeiro foi comemorado. Já os 150 anos da comuna, Macron disse que não comemoraria.

Napoleão Bonaparte destronou reis, decapitou indivíduos de casas monárquicas tradicionais e mudou a face da Europa pós-Revolução francesa. Feitos que o mitificaram dentro e fora da comunidade francófona e sua lenda persiste, embora esteja longe de ser uma figura de análise simples... Na base da síntese humilde dos eventos que ligam a ascensão da família Bonaparte a alguns dos tronos mais tradicionais na Europa está a revolução francesa. Ao instituir a mobilidade de classes na Declaração dos Direitos do Homem, ato sem o qual Napoleão jamais chegaria ao posto de General. Depois do rei guilhotinado ele apostou que o antigo regime estava morto, embora sua ideia de Revolução fosse outra... Acontece que as casas reais europeias temeram revoluções em seus países e atacaram a França por todos os lados, no intuito de restituir o antigo regime, criando o terreno perfeito pra o então jovem militar brilhar. Ele foi conquistando batalha após batalha e Paris só falava dele. Aos 26 anos já havia derrotado o império húngaro e fechado as rotas comerciais para os ingleses. Mas como disse, a síntese indispensável à concatenação dos dois eventos não me permite ir além. Uma vez popular, Napoleão dá um golpe de estado e decreta um novo regime, o consulado. (inspirado no romano. Napoleão e suas ganas de Alexandre da Macedônia e Júlio César...) O consulado trouxe um período de relativa paz. Bom, mas e se Napoleão morresse? Os burgueses temiam a volta dos Bourbons ao poder. Certamente os perseguiriam por terem cortado a cabeça do rei. No entanto, o protetor eventual dos burgueses estava a postos, ávido para cumprir o seu trabalho. Dá um outro golpe e se proclama imperador dos franceses. E deu certo no início: reformas, um código civil único ao país, desenvolvimento econômico e expansão territorial. Mas nem tudo foram flores: ao declarar que “a revolução havia acabado” ele também restaurou a escravidão e o patriarcado, explícito no seu código civil, então imitado Europa afora no século XIX. Gozando de poder e reputação, Napoleão tenta invadir a Rússia. É derrotado. Enfraquecido, novas coalizões de velhos inimigos atacam-no. É forçado a abdicar, mas depõe o Bourbon que ganhara seu cargo apenas um ano depois, quando é novamente derrotado em Waterloo e ruma ao exilio, morrendo rejeitado e isolado alguns anos depois. Em 1815 a França fez acordos, perdeu mais de 1,7 milhões de soldados e era menor do que quando ele assumiu. (várias colônias foram perdidas). Os Bourbons voltam ao poder com Luís XVIII, que após a morte deixa Carlos X, que tenta um golpe absolutista e é deposto, dando lugar a Luís Felipe, o rei Burguês. Esse governa para a burguesia financeira e após dezoito anos no poder deixa o país a beira do caos. No ano de 49 é deposto e a burguesia se cansa dos reis. A República é proclamada e... Adivinhem quem ela ajuda a eleger presidente? Um sobrinho de Napoleão Bonaparte, que mais tarde dá um golpe e se proclama Napoleão III, imperador dos franceses. Após quase vinte anos no poder o imperador joga o país numa guerra contra a então Prússia e é derrotado, causando a perda de territórios e a assinatura de um armistício que acabou com o tesouro público. Deposto, é então proclamada a terceira república. As tropas prussianas sitiam Paris que resiste (cercada por canhões comprados com o dinheiro de seus próprios moradores) à fome, comendo até mesmo os animais do zoológico, e ao inverno. Os deputados convocam eleições e adivinhem quem faz a maioria no parlamento? Os monarquistas, tendo como primeiro ato restaurar a prisão civil por dívidas de aluguéis e cortar o salário da guarda nacional, uma espécie de polícia da época. Ainda aceitam que as tropas prussianas desfilem na champs-Ėlysées... Temendo que seus canhōes caíssem nas mãos dos inimigos a população parisiense, de maioria republicana, os escondem. A um general francês é dado ordem de ir buscá-los. A população se recusa a entregá-los e o general ordena que seus soldados disparem. Os militares se recusam e a chama da revolta está acesa. Foi nesse cenário, quase cem anos após a revolução burguesa, após inúmeras guerras, golpes, desperdícios de vida e dinheiro público que surge a comuna de Paris. Dois meses de governo popular, exercícios de igualdade, voto, liberdade de credo e gênero, focados na resolução dos problemas básicos dos “federados”. A solução para o fim da guerra civil francesa foram as tropas do parlamento monarquista se aliarem aos invasores alemães até recuperarem a capital, fuzilando e brutalizando os federados.

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A bandeira da comuna era vermelha, para simbolizar o sangue derramado dos jovens franceses nas inúmeras guerras após o período revolucionário. Pelo jeito, Emmanuel Macron quer que essa flâmula do sangue alheio permaneça jogada no fundo dos armários dos burgueses e seus reis Bourbons. Celebrar quem levou o povo aos campos de morte e à fome e, ao mesmo tempo, impedir que a memória daqueles que lutaram por comida e liberdade seja também lembrada, é a chave que insiste em trancar esse armário macabro. VIVA A COMUNA DE PARIS! 

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