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Jean Goldenbaum

Músico, professor da Universidade de Música de Hanôver, Alemanha. É membro fundador do ‘Observatório Judaico dos Direitos Humanos do Brasil’ e fundador do coletivo ‘Judias e judeus com Lula’

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Esquerda toma a frente na Alemanha e pode reconfigurar o cenário político europeu

Os Verdes podem romper com a hegemonia conservadora na Alemanha e chegar ao poder em setembro na Alemanha com Annalena Baerbock, de 40 anos de idade, novo fenômeno na política da Europa

Annalena Baerbock (Foto: dpa)
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por Jean Goldenbaum 

Desde a Segunda Guerra Mundial – mais especificamente a partir de 1949 –, a Alemanha Ocidental (1949-1990) e depois a Alemanha unificada passaram por 19 governos. Destes, 13 e meio foram  liderados pela centro-direita e cinco e meio pela centro-esquerda (este “meio” se deu porque o  nono governo, de 1980 a 1983, se iniciou com a esquerda e terminou com a direita, graças a um  colapso da coalizão). E somente dois partidos até hoje governaram o país: pela direita a União  Cristã, a aliança formada entre a CDU (União Democrática Cristã da Alemanha) e a CSU (União  Social Cristã da Baviera); e pela esquerda o SPD (Partido Social-Democrata da Alemanha). 

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Bem, os números que cito acima evidenciam a disparidade. Os conservadores dominaram a maior  parte da história recente desta que é uma das mais influentes e ricas nações do planeta. E  sobretudo desde 2005 até os dias de hoje, em que vivemos a “Era Angela Merkel”, parecia que a  hegemonia da União permaneceria intacta ao menos no futuro próximo. A firmeza e a consistência com as quais a “Muƫ” (a “mamãezinha”, como ela é conhecida por aqui) liderou o país nos  últimos 15 anos concederam a ela índices de aprovação alơssimos. Na última pesquisa, realizada  no mês passado (instituto ‘ZDF Politbarometer’), 76% do povo da Alemanha expressou considerar  seu trabalho positivo, enquanto somente 21% considerou negativo e 3% não opinou. 

Porém, desde outubro de 2018, quando ela anunciou ao mundo sua aposentadoria, criou-se  imediatamente um cenário de incerteza acerca de quem seria seu sucessor ou sua sucessora.  Passados aproximadamente dois anos e meio desse anúncio, nos encontramos a pouco mais de  quatro meses das eleições que definirão quem assumirá o país enquanto chanceler, em 26 de  setembro. E felizmente nos encontramos também diante de um momento que indica uma grande  possibilidade de transição do poder novamente para um partido do espectro esquerdista. Mas os  tempos são outros e dessa vez o representante liberal não é o SPD, mas sim a Bündnis 90/Die  Grünen (Aliança90/Os verdes), a fusão do Partido Verde da Alemanha Ocidental e da Aliança 90 da  Alemanha Oriental. Em 1993, após a reunificação, esses partidos se fundiram criando um único  que representaria a ideologia política verde, também denominada ecopolítica. 

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Pois bem, a história dos Verdes é impressionante, porque estes nunca escreveram sequer próximos  do primeiro escalão no cenário político alemão. Em toda a sua história, uma única vez  ultrapassaram os 10% de votos em eleições nacionais (em 2009 obtiveram 10,7%), e nas eleições  passadas, em 2017, amargaram o último lugar entre os seis partidos considerados grandes no país, com somente 8,9% dos votos. Hoje, menos de quatro anos após tais eleições, as pesquisas (quase  diárias) indicam que os Verdes praticamente triplicaram seu número de eleitores, e já são os  favoritos a vencerem a próxima disputa nacional. Na verdade, essa explosiva ascensão à liderança  se deu sobretudo nos últimos meses. E a explicação para isto é a seguinte: após muita briga e  disrupção interna, a União escolheu seu candidato e isto causou uma imensa insatisfação e divisão  em meio aos eleitores do partido. Armin Laschet é o nome do político em questão, um homem de  60 anos que “consegue” desagradar tanto os mais conservadores quanto os mais liberais. Assim,  averigua-se que uma considerável parcela dos eleitores da União – estudos falam de até 25%  destes – ou pretende migrar aos Verdes ou simplesmente se planeja se abster do voto. 

Por outro lado, os Verdes competirão com a candidata Annalena Baerbock, de 40 anos de idade,  que se comunica de maneira muito mais efetiva não somente com o público jovem e progressista, mas com o cidadão de perfil médio, que não necessariamente se identifica enquanto direitista ou  esquerdista, mas é liberal em sua essência e concepções. E o fato de ser mulher, o que daria  continuidade ao símbolo feminino de liderança no país, conta também e muito. A sociedade alemã possui muitos problemas, como qualquer outra, mas machismo não figura entre os maiores deles  – principalmente se compararmos com sociedades como a brasileira ou a estadunidense. Desta  forma, no cenário político, tal questão se faz bastante presente e não à toa os Verdes escolheram  Baerbock como candidata, ao invés de Robert Habeck o co-líder do partido ao lado dela. 

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Cabe ainda mencionar outro fator que também atuou a favor da extraordinária escalada verde: o  SPD igualmente “perdeu” muitos eleitores a esse partido. Falha em se comunicar com as novas  gerações; erros estratégicos; pouca renovação, são alguns dos fatores que contribuíram para que  os social-democratas vissem considerável parte do seu eleitorado se esvair e migrar a um partido  com um apelo mais atual, atraente e promissor. 

Enfim, segundo as pesquisas a diferença numérica dos Verdes em relação ao segundo lugar,  ocupado pela União Cristã, é pequena, mas muitos analistas creem no crescimento desta  discrepância, ainda que a grande maioria assuma que a disputa pelo primeiro lugar será acirrada  até o final. 

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E se os Verdes realmente escancararem um inédito capítulo na história da Alemanha e assumirem  a liderança do país, o que isto representa à Europa e consequentemente ao mundo? Bem,  representa muita coisa. Primeiramente não se pode esquecer que a Alemanha é o quarto país com maior patrimônio líquido nacional e a quarta maior economia do mundo, ficando somente atrás de EUA, China e Japão (fontes: Global wealth report/International Monetary Fund/World Bank). É  também a nação que encabeça a União Europeia e isso traz uma influência imensa sobre as  principais potências da Terra. Uma “troca de guardas” da centro-direita à centro-esquerda  representaria uma ampla presença progressista não somente no bloco europeu, mas em todo o  mundo. Grande avanço de políticas econômicas ecológicas e sustentáveis; fortalecimento do bloco  europeu em movimentação contrária a tendências reacionárias que caminham em direção ao  isolacionismo, como o caso do Brexit; desaceleração do neoliberalismo e de formas do capitalismo  que cultuam o lucro acima do meio ambiente; pressão para a desativação de usinas nucleares em  toda a Europa; facilitação de medidas sociais progressistas (recebimento de refugiados, iniciativas  de integração comunitária, descriminalização da maconha, por exemplo); combate mais acentuado a ameaças de ascensão da extrema-direita, são alguns dos atributos que os Verdes muito  provavelmente trarão à mesa se estiverem sentados à cabeceira dela. 

Por fim, já que estamos conjecturando, cabe ainda especularmos sobre as possíveis coalizões,  afinal em um sistema parlamentarista não se governa sem elas. Se o cenário se mantiver  semelhante ao que as pesquisas hoje mostram, os verdes teriam basicamente duas opções para  formar o parlamento. A primeira seria uma coalizão inteiramente dentro do espectro da esquerda,  contando com o SPD e o Die Linke (“A Esquerda”, o partido mais progressista entre os seis grandes,  mas também o menor no momento), o que seria a opção dos sonhos para a esquerda. A segunda  seria fazer a coalizão com a própria União, em um esforço de realizar o que os estadunidenses  chamam de “compromise” (algo que Biden muito preza), ou seja, buscar uma solução que de certa  forma satisfaça ambos os lados da cena política, para evitar conflitos muito agudos. Neste caso o  governo perderia logicamente em voz plenamente progressista, mas de qualquer maneira ainda  seria chefiado pela centro-esquerda.

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Em suma, obviamente ainda é cedo para chegarmos a quaisquer conclusões definitivas, mas  enquanto muitas nações – e provavelmente nenhuma tanto quanto o Brasil – se afundam na areia  movediça da extrema-direita, com seu irracional nacionalismo e seu desvairado neoliberalismo, a  Alemanha parece caminhar em direção contrária. Inclusive, o partido de extrema-direita AfD  (“Alternativa para a Alemanha”, que nada mais é do que o partido neonazista fantasiado com uma  roupagem contemporânea) também decaiu de 2017 até hoje – e cerca de 15%. Assim, estamos  diante de um cenário que no mínimo nos oferece a possibilidade legítima de termos esperanças no mundo. E nas atuais circunstâncias em que o planeta se encontra, tal possibilidade já é uma  verdadeira benção.

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