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Jean Menezes de Aguiar

Advogado, professor da pós-graduação da FGV, jornalista e músico profissional

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Estado brasileiro, sociedade da referência e outros cinismos

Se antigamente os jornalistas zombavam da imprensa ‘marrom’ – que saudade da pureza-, que vendia jornal em saco plástico, para que o sangue das páginas policiais não sujasse o leitor, hoje todo dia de manhã as emissoras mais outrora racés só querem saber de ‘operações policiais’

Ministério Público Federal (MPF) em parceria com a Associação Ibero-Americana de Ministérios Públicos, lança campanha internacional de combate à corrupção, #CORRUPÇÃONÃO (Valter Campanato/Agência Brasil) (Foto: Jean Menezes de Aguiar)
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Falar de ‘fatos’ e ‘acontecimentos’ no jornalismo está praticamente similar à fofoca. Tudo muito histriônico, espumoso e escatológico. Principalmente quando os fatos se mantêm com a mesma tonalidade por anos. Ou décadas infinitas. Por exemplo, o Estado brasileiro com seu interminável fôlego à roubalheira e à subversão de o que deveria ser um ‘simples’ Estado. Se é que este conceito ‘reduzido’ – não no sentido ‘liberal’-, ou velho-europeu é possível.

A Tragédia tem seus lados, seduções e suntuosidades. Uma sociedade viver num Estado como se vive no Brasil, ou  seus constantes confusos vizinhos, é uma tapa na cara da História que parece não ter sabido amadurecer neste Cone Sul. E ela, por sua vez, pouco reage. Ainda não se aprendeu um conceito minimamente ‘razoável’ de Estado por aqui. Kant, em 1784, teorizou haver um progresso que realizaria uma ‘constituição civil perfeita’, com equilíbrio entre direitos, liberdades etc. Se as grandes sábias sociedades virão ‘na frente’, nisso, quantos mais séculos seriam necessários para um Brasil conseguir?

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Não se trata de qualquer complexo de vira-latas. O caso é que quando se para para analisar o Estado brasileiro a fundo, pensá-lo e criticá-lo, o resultado é apenas um: horror. Ou vergonha.

Paralelamente à visão doméstica, percebem-se estudiosos dando nomes para o que se vive neste já emblemático século 21. Sociedade do espetáculo; da intolerância; do exagero; líquida etc. Todos certos.

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As subnarrativas costumam ser as mesmas: superficialidade inclusive no conhecimento, que cede à informação; escândalo, e não mais um mínimo de reflexão ou análise de consequências; relativização da ética, e não mais o primado da educação, boa e simples como o bom leite de vaca, mas o ‘pode tudo desde que o outro dê bobeira’, aí a versão 2.1 da esperteza.

Aliás, o ‘malandro’ e o ‘esperto’, do folhetim brasileiro, ficaram para trás. Viraram otários gagás frente aos ultraladrões e suas senhoras ‘louríssimas’, todos totalmente aceitos pela Sociedade da Referência, não da personalidade, da qualidade, do mérito ou da autoralidade. Bem, mas isso não é novidade, as elites no mundo sempre aceitaram os larápios, desde que soubessem se comportar nos salões.

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Como um apresuntado nesse sanduíche gorduroso entre o ‘chique’ e o autopromovido, aparece a imprensa dando voz a tudo. Mas principalmente ao dândi e ao sensacionalista. Ou seja, ou a imprensa ficou bobinha, ou larápia demais. Às vezes parece uma coisa, às vezes, outra, às vezes, ambas.

Se antigamente os jornalistas zombavam da imprensa ‘marrom’ – que saudade da pureza-, que vendia jornal em saco plástico, para que o sangue das páginas policiais não sujasse o leitor, hoje todo dia de manhã as emissoras mais outrora racés só querem saber de ‘operações policiais’.

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Aí, alguém poderia contestar que atualmente essas operações ‘existem’ e, apenas por causa disso, ‘se tornam’ matéria jornalística. Não é tão raso assim. A Globo não vai eleger Sergio Moro, numa viragem emblemática 2015-2016, herói nacional à toa. Pena não ter à mão nessa modernidade-Uber um outro Sergio, o Paranhos Fleury. Houvesse um delegado ‘porreta’ e Moro não seria o herói. Esta sociedade não quer nem justiça que um juiz possa lhe dar, quer mesmo é força e paulada, tiro e camburão.

Afora os bons serviços que alguns órgãos públicos [finalmente!] resolveram prestar à população brasileira em troca de seus infinitos salários marajaísticos, o certo é que a imprensa brasileira achou um nicho para se salvar da falência: a ode ao Estado policial. Mas, de novo, ela nunca ela está sozinha, jura que meramente atende à demanda da sociedade-faca-na-caveira neste sentido.

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Dane-se se este mesmo Estado policial poderá se voltar contra a mesma imprensa, ou a própria sociedade uma década depois. Uma década, hoje em dia, virou um século, nesta vida vivida pelo ‘on line.’

A ode da imprensa pelo Estado policial é, em primeiro lugar, o paradoxo de quem vive por liberdade, a imprensa, primar pela força, a polícia. Em segundo, este entusiasmo jornalístico pelas ‘operações’ policiais enaltece a contradição conceitual de o que se deve entender por Estado, principalmente na atualidade democrática e lúcida do século 21, agora; ou pelo menos se supõe assim.

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O conceito de Estado num país como o Brasil está totalmente em xeque. O professor Roberto DaMatta dirá que nunca existiu o Estado aqui sem esta ‘ordinariedade’, ou seja, sem ser em xeque. Uma psicanálise possível sobre o conceito de Estado brasileiro nesta sociedade refém do desmando, da roubalheira, do patrimonialismo pessoal das ‘autoridades’ e da corrupção culturalizada como padrão, em todos os níveis e esferas, simplesmente derrota a Tragédia. Quem acredita que o Estado brasileiro, genericamente considerado, seja minimamente ético, honesto e probo?

Nem se venha com o primarismo metodológico-eureca de que ‘não se pode generalizar’. Essas obviedades cansam.  Mas a ideia de Estado como uma perda irreversível em termos de ‘isso não tem mais jeito’ parece ser uma realidade numa imensa maioria pensante brasileira.

Para agravar, de novo, jornalões e cia. passam a adorar o Estado policial, cuja tônica é, no mínimo, a falta de legitimidade para a ‘força’. Entendendo-se ‘força’ qualquer imposição, inclusive tributária, normativa, proibitória ou de valor – aborto, maconha, relações sociais heterodoxas-, mas, sobretudo, novas liberdades e novas agendas de interesses etc.

Em Max Weber, ‘Estado’ aparece como ‘monopólio da força legítima’, sendo a funcionalidade ‘legítima’ a que retira, espetacularmente, o início que seja de qualquer truculência do conceito ‘força’. Mesmo Weber tendo citado Trotski ‘Todo Estado está fundado na força [Gewalt]’, sua insistência conceitual com a ‘legitimidade’ torna seu conceito tão originariamente equilibrado.

Este talvez seja um defeito da atualidade brasileira. Continuar a se pensar que cadeias, castigos, tormentos, vinganças e punições – um pequeno-barbarismo legiferado formalmente para se ostentar como ‘legítimo’ – deem jeitos, saídas ou soluções. Ao lado disso, heróis e paladinos de plantão, que têm, no máximo, a limitação de ‘uma’ vida útil para aplicar suas supostas honestidades ou vocações, sejam a resposta.

A resposta não está noutro lugar senão na Educação, os países velhos e mansos o comprovam. Não esta educação de empresas e atendentes tratando qualquer um por ‘senhor’ e aplicando logros contratuais. Não a de alunos quererem perder o respeito pelo professor, que seja, mas passarem a zombar do conhecimento, numa antropofagia intelectual patética.

A Educação será a única que ‘fará’ o país. Mas ela exige políticos estáveis, modestos e não eleitoralmente ejaculativos. O grande problema é que ela também exige muito da sociedade. Esta que parece só se importar com cabelos, unhas, roupas, celulares e selfies. Talvez o filósofo ria, tranquilamente, desses ‘mestres sociais’, como Nietzsche ria dos mestres quem não riam de si, na placa à porta de sua casa, ou Diógenes, o quase-mendigo, ou o que dizia latir, zombou de Alexandre que lhe fazia sombra ao sol. Maravilhosamente cínico. Mas esta sociedade nem sabe ser cínica, nem quer sê-lo. E não se volta para o útero.

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