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Cesar Locatelli

Economista e mestre em economia.

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Estamos discutindo o papel do Estado?

(Foto: Reprodução)
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Não é de se esperar com pouco mais de 5 mil caracteres, dispostos em menos de duas páginas, se consiga apresentar, com a abrangência apropriada, um programa econômico para tirar do atoleiro um país estancado, submetido a uma corrosão anual do poder de compra superior a 10%, com 12,9 milhões de pessoas em busca de trabalho, de um total de 29,9 milhões de pessoas querem e podem trabalhar, mas sua força de trabalho é subutilizada.

É plausível, contudo, esperar que os quatro ouvidos pelo jornal Folha de S. Paulo, ex-ministros e professores, tenham optado por colocar em evidência aquilo que realmente lhes parecia imprescindível trazer ao conhecimento público. Sabiam que seus artigos seriam esmiuçados, para os mais diferentes fins.

O exercício que segue é uma tentativa de trazer à luz o que se sobressaiu em cada proposta e, então, explicitar o principal fundamento e de qual teoria econômica partem os conselheiros das principais pré-candidaturas de oposição à eleição do final deste ano.

“Ponto de partida para consertar o Brasil é crescer reduzindo desigualdades”

O artigo do engenheiro Henrique Meirelles, sob o título acima, parece partir de um diagnóstico comum a todos o participantes do jogo político: o Brasil precisa “voltar a crescer e reduzir a enorme desigualdade social”.

Afirma que para se reduzir a desigualdade social é preciso aumentar o emprego e a remuneração dos trabalhadores. Não só. Acrescenta que para se atingir menor iniquidade é preciso, ainda, que o país gere riquezas e tributos para programas de transferência de renda.

O que subjaz, em resumo, é que ao voltarmos a crescer geraremos mais empregos e ao arrecadarmos mais tributos viabilizaremos transferências de renda para os mais vulneráveis. Com mais empregos e com as transferências diminuiremos a desigualdade. Como, porém, fazer isso?

Meirelles dá uma indicação de que a saída é pelo investimento. Diz que “a aceleração do crescimento depende do aumento da taxa de investimento - que é substancialmente inferior à média de países vizinhos”. Pode-se concluir, então, que sua prioridade seria aumentar o investimento público, dado que os governos não tem poder de determinar que a iniciativa privada o faça?

Bem, aqui o ex-ministro e ex-banqueiro tergiversa: aumentar a taxa de investimentos e, consequentemente, propiciar ganhos de produtividade “pressupõe a participação majoritária do setor privado, o que demanda foco e melhor qualidade da ação estatal”, explica.

O plano chega aqui a mesmo beco sem saída que nos encontramos desde 2015: tão cedo não teremos crescimento vigoroso se dependermos exclusivamente (ou mesmo, majoritariamente) do investimento privado.

O diagnóstico vai por um caminho em que parece coincidir com aqueles de outros conselheiros dos pré-candidatos. Na hora de promover o investimento, descarta o protagonismo do Estado. Desse modo, o quadro de baixo investimento dos últimos 7 anos, nos parece, tenderá a permanecer.

Dois trechos do artigo de Meirelles também ressoam. O que exatamente ele quis dizer com “as mudanças exigem flexibilidade orçamentária” e “o Estado precisa ser forte (não significa ser grande)”? Flexibilidade orçamentária significa o fim do teto de gastos que ele próprio implantou quando ministro de Temer? Ou significa poder investir cada vez menos em educação, saúde e proteção social? Esquartejar a Petrobras, que foi durante anos a maior indutora do investimento no Brasil, significa tornar o governo menor, mais fraco ou os dois? O que, concretamente, teria ele em mente quando escreveu Estado forte, mas não grande?

“Veja as bases para um programa de governo de Sergio Moro”

Affonso Celso Pastore entende que a meta central do programa de governo dever ser “um crescimento que seja, ao mesmo tempo, inclusivo e sustentável”. Alinha-se, assim, com os outros artigos: o crescimento e a diminuição da desigualdade são os objetivos centrais. Inclui, entretanto, com ênfase, a defesa do meio ambiente.

Ele entende que o crescimento depende de ‘”um aperfeiçoamento das instituições” e que “no campo econômico, a condição necessária mais importante para a reconquista do crescimento é a montagem de um arcabouço fiscal”.

Ele não afirma diretamente que é contra o teto de gastos, mas diz que nos períodos de baixo crescimento o governo dever ter a capacidade de investir mais. O que certamente não combina com a camisa de força imposta por 20 anos. Afirma ele:

“Nos ciclos econômicos o governo tem que ter a capacidade de fazer uma política fiscal contracíclica, mas em ‘tempos normais’ tem que manter a dívida pública em níveis sustentáveis, o que impõe que haja controle dos gastos.”

Seu artigo demonstra claramente uma característica marcante de um pensamento econômico conservador: ao cuidar do ambiente de negócios, cuidar da segurança jurídica, cuidar das finanças públicas, o investimento produtivo privado será estimulado e a economia crescerá.

Embora a indução promovida pelos governos dos países desenvolvidos tenha sido essencial para galgarem as posições que ocupam, e que continua em muitos casos, esses economistas conservadores acham que o crescimento ocorrerá com o protagonismo das empresas privadas.

Quando o país não cresce ou tem crescimento próximo de zero, como acorre aqui há anos, os defensores dessa linha de pensamento econômico não admitem que as falhas se encontram no seu projeto. Apontam outros culpados, como a necessidade de mais reformas, a insegurança segurança, o tamanho de Estado e assim por diante.

Em três momentos Pastore nos dá uma breve esperança de arejamento em suas crenças:

“O outro pilar do programa é o compromisso com o meio ambiente, que além de um valor em si traz dividendos políticos e econômicos.”

“No campo social, tanto quanto no econômico, o mundo já abandonou o mito do ‘Estado mínimo’, como foi idealizado por Thatcher e Reagan.”

“Nosso sistema tributário precisa ser aperfeiçoado eliminando a regressividade na incidência.”

Será mesmo que ele está sugerindo aumentar a carga tributária para os mais ricos? Ou quer somente diminuir os impostos que recaem sobre os mais pobres e continuar a reduzir os gastos com saúde (o que seria a “orientação objetiva na saúde” que ele propõe?), na assistência social (o que seria “assistência à primeira infância” que ele propõe?), educação etc.?

“É preciso coragem para mudar o modelo econômico fracassado”

Embora tenha, igualmente, a meta de crescer e gerar bons empregos, reduzir desigualdades e melhorar indicadores sociais, o artigo de Nelson Marconi se diferencia ao explicitar o equacionamento fiscal pretendido: reduzir subsídios e isenções e, principalmente, instituir a “tributação progressiva sobre lucros e dividendos, heranças e patrimônio, desonerando compensatoriamente a produção”.

O novo arranjo tributário daria espaço para um plano “pactuado entre os setores público e privado” onde se preveria “tanto o desenvolvimento científico e tecnológico como a redução de desigualdades e a melhoria de indicadores sociais, que se recuperarão com a melhoria na qualidade dos empregos, o avanço educacional e políticas específicas para os mais desfavorecidos”.

Marconi enaltece as políticas econômicas dos países asiáticos, entre os quais desponta a China, por usarem e abusarem de planejamento e de políticas de desenvolvimento científico e tecnológico. O protagonismo do Estado com orientação desenvolvimentista (ou novodesenvolvimentista) advogado por ele está em clara oposição às ideias de Meirelles e Pastore. O sucesso de seu projeto, entretanto, dependente de amplo apoio do Congresso.

Bolsonarismo levou Brasil à crise, e retomada virá com o seu fim

Se tomarmos em conta a avalanche de distorções e falsidades relativas aos governos em que Guido Mantega participou, partindo mesmo de economistas proeminentes, não parece despropositado que ele inicie seu artigo por defender seu legado. Relembra o ex-ministro que:

“Entre 2003 e 2014 o PIB brasileiro teve um crescimento médio de 3,5% ao ano, enquanto o desemprego caiu para abaixo de 6% da população economicamente ativa. No final de 2014 o Brasil era um país pouco endividado, com uma dívida pública líquida igual a 32,5% do PIB, enquanto o Banco Central acumulava reservas de US$ 374 bilhões.”

Talvez o que mais diferencie Mantega seja que seu programa não abre mão de ações emergenciais para aliviar a fome e a pobreza que fazem sofrer grande parcela dos brasileiros. As outras ações tiveram pouco detalhamento e pouco espaço. Fica patente, no entanto, sua confiança no protagonismo do Estado para crescer com redução da desigualdade.

Um ambicioso plano de investimentos públicos e privados, com foco na infraestrutura e no aumento de produtividade, uma reforma tributária que aumente a parcela de tributos dos mais ricos, a retomada de politicas industriais e de desenvolvimento tecnológico, além de atentar para as questões climáticas e ambientais, resumem o projeto desenhado por Mantega. Da mesma forma que o projeto de Marconi, seu sucesso passa por apoio do Congresso.

Persistir no erro ou inovar?

A partir dos quatro artigos é possível identificar dois grupos. Um com raízes neoclássicas (neoliberais) formado por Meirelles e Pastore. Outro desenvolvimentista (keynesiano) por Marconi e Mantega. Parece, ainda, que o cerne da discussão entre os dois grupos esteja no protagonismo do Estado na condução dos rumos da economia.

A partir desse ponto um confronto com a história desde o pós-guerra, no tocante a desenvolvimento e bem-estar geral, pode ser colocado.

É adequado continuar a usar as fórmulas dos últimos quarenta anos, repetidas à exaustão, que pressupõe o abandono do papel do Estado como indutor do desenvolvimento e a perda de seus instrumentos para cumprir tal papel? Ainda não restou patente que tal condução da economia sempre termina por entregar uma concentração inigualável de riqueza e renda e um crescimento medíocre?

De outro lado, é anacrônico rever as fórmulas que foram derrubadas pelas dificuldades que o desenvolvimentismo, com protagonismo estatal, encontrou no anos 1960/1970? Não é quase unânime a referência aos anos do pós-guerra como anos dourados? Não é inquestionável o avanço de bem-estar dos trabalhadores, ao menos nas nações desenvolvidas, nesse longo período que precedeu a adoção do paradigma neoliberal?

No fundo, parece que o que está em questão é por quanto tempo a fórmula que diz promover desenvolvimento e igualdade, mas entrega, sobretudo, concentração de renda e riqueza, continuará a comover eleitores.

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