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Eduardo Costa Pinto

Professor do Instituto de Economia da UFRJ e Pesquisador do INEEP/FUP

12 artigos

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Governo Biden e governo Bolsonaro

O que muda e o que permanece?

Joe Biden e Jair Bolsonaro (Foto: Divulgação)
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Por Eduardo Costa Pinto

(Publicado no site A Terra é Redonda)

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A escolha eleitoral para presidente dos Estados Unidos sempre desperta enormes expectativas no que diz respeito aos rumos de sua política externa e os impactos disso para o mundo. Quais serão os efeitos políticos e econômicos mundiais?

Essa pergunta percorre as redações dos jornais pelo mundo afora, passando pelos textos de diversos acadêmicos, até alcançar os gabinetes dos analistas e estrategistas de diversos Estados nacionais (na Europa, na Rússia, na China, no Brasil, entre outros). Mas por que essa eleição presidencial é tão importante?

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Isso se deve ao fato de que os EUA são a maior potência econômica, tecnológica e militar do sistema internacional, formado por diversos Estados nacionais que possuem diferentes capacidades (maiores ou menores) de exercerem sua vontade independente da vontade alheia (soberania). Assim, a posição hierárquica de determinado país no sistema está atrelada à sua capacidade de acumular riqueza e, ao mesmo tempo, de ampliar os seus poderes (político, ideológico/cultural e militar).

Nesse sentido, o sistema internacional é caracterizado, em sua essência, pelo conflito permanente (manifesto ou latente) e pelo equilíbrio instável. Paz, guerra, globalismo, nacionalismo não são fins últimos na arena de disputa do sistema internacional, mas sim meios para a obtenção de maior acumulação de riqueza e de poder para um determinado subconjunto de nações, que buscam se manter no topo ou ascender na hierarquia do sistema (“quem não sobe, cai”).

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Isso implica, por um lado, constantes conflitos entre os Estados nacionais e, por outro, um processo desigual de desenvolvimento das forças produtivas. A depender da posição do Estado na hierarquia do sistema, ele pode exercer sua soberania diante das outras nações por meio:

1 – da guerra convencional ou não convencional (ou pela preparação para a guerra), que expressa o exercício coercitivo do poder na arena internacional;

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2 – do poder econômico nas esferas produtiva (comercial e tecnológica), monetária e financeira, materializado pela exportação de capitais e pelo controle da moeda de curso internacional. Isso proporciona uma maior capacidade de acumular e controlar a riqueza; e

3 – da atuação direta e indireta nos aparelhos hegemônicos internacionais formados pelas organizações multilaterais (ONU, FMI, Banco Mundial, OMS etc.) e pela exportação de seu modelo de cultura (cinema, TV, mídias, educação, valores etc.), que funciona como elemento de dominação e legitimidade.

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Como dito, os EUA estão no topo da hierarquia do sistema internacional. Por isso sua eleição presidencial é tão importante. No entanto, a eleição de 2020 assumiu um caráter ainda maior em virtude: 1) da forma de governar do presidente republicano Donald Trump, de extrema direita (alt-right)[i], e de sua política externa America First (anti-globalista). Isso significou a saída dos EUA de instituições e acordos multilaterais e a redução de intervenções militares; 2) da atual ascensão da China no sistema internacional, que já se tornou a segunda maior potência econômica. Criando preocupações nos estrategistas norte-americanos, sobretudo, com a internacionalização dos capitais chineses por meio do projeto da Rota da Seda; e 3) do aumento do poder militar da Rússia, sobretudo com os desdobramentos da guerra na Síria.

Mais do que uma disputa tradicional entre o presidente republicano Trump e o candidato democrata Joseph Biden, ex-vice-presidente do governo Barack Obama, a eleição de 2020 teve um caráter plebiscitário sobre a forma que Trump vinha governando os EUA, num contexto de aumento de poder russo e, sobretudo, chinês.

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Nessa disputa, o presidente Trump foi derrotado por Biden, que representa o retorno do establishment democrata ao poder, sobretudo o que esteve presente no governo Obama. Isso fica explícito com o anúncio de Antony Blinken para exercer a secretaria de Estado. O mesmo que exerceu diversos cargos relevantes no governo Obama, atuando diretamente na formulação das políticas dos EUA para o Iraque, Afeganistão, Líbia, Síria e Rússia.

Cabe lembrar que, durante os governos Obama (2009-2017), apesar da retórica do multilateralismo, os EUA utilizaram dos instrumentos da guerra convencional e não convencional[ii], do poder econômico e da atuação direta e indireta nas instituições multilaterais para reforçar a posição de suas empresas e para impedir o avanço de seus principais oponentes do sistema internacional, a saber: Rússia, Irã, Coréia do Norte e China, conforme definido na National Military Strategy de 2015.

Até esse momento, em linhas gerais, a futura política externa do governo Biden parece ser um de retorno ao passado (onde Obama parou). Acontece que os tempos cronológicos e históricos não pararam ao longo do governo Trump. As condições internacionais se modificaram, a China aumentou seu poder econômico, a Rússia aumentou seu poder bélico e os antigos aliados ficaram desconfiados com as posições do governo Trump. O jogo no tabuleiro internacional ainda não foi concluído, os EUA perderam posições relativas, mas ainda permanecem com capacidades econômicas, políticas e militares significativas na disputa com seus principais oponentes.

Nesse contexto de vitória de Biden e de aumento das disputas geopolíticas, cabe perguntar: quais os impactos para o Brasil? Como fica o governo Bolsonaro, que possuía enormes afinidades ideológicas (extrema direita)e até afetivas com o governo Trump? Em 2019,após visita do secretário de Comércio dos EUA, o presidente Bolsonaro chegou a afirmar que “está cada vez mais apaixonado pelo presidente americano, Donald Trump”. As “almas desencantadas” se atraem.

Com o fim da paixão, o presidente Bolsonaro reagiu com pólvora ao discurso do Biden, à época candidato, sobre a possibilidade de aplicar sanções econômicas ao Brasil caso o desmatamento da Amazônia continuasse. Fim de paixão causa situações vexatórias. Mas o presidente Bolsonaro extrapolou os limites ao usar uma retórica bélica para desafiar a maior potência militar do planeta. É evidente que virou piada. Muitos “memes” surgiram sobre a capacidade das Forças Armadas brasileiras. Acho que os comandantes das FFAA não deram risadas, não

Independente desse e de muitos outros momentos tragicômicos que o Brasil atravessa sob o governo Bolsonaro, acho que muitos analistas, inclusive de esquerda, têm superestimado os efeitos negativos da vitória do Biden para o governo Bolsonaro. É evidente que o Bolsonaro perdeu com a derrota de Trump, no mínimo uma paixão.

Mas daí derivar que o governo Biden atuará de forma direta ou indireta para desestabilizar o governo Bolsonaro, já que ele ameaçou os EUA com pólvora, é muito complicado. Os EUA exercitam o seu poder para alcançar os seus fins econômicos (de suas empresas) e geopolíticos e muitos deles já foram alcançados, desde 2016.

Sob os governos Temer e Bolsonaro, os EUA conseguiram obter as mudanças regulatórias na exploração do pré-sal, que ampliaram a participação das suas empresas (Chevron e Exxon); a desestabilização do engajamento do Brasil nos arranjos configurados pelos Brics; o acordo de uso da base de Alcântara, entre outros benefícios. Por outro lado, recebemos muito pouco em troca dessas concessões.

A perda da capacidade de controlar esses ativos estratégicos implicou a redução da relevância do Brasil no tabuleiro geoeconômico e geopolítico internacional. Um dos poucos ativos estratégicos que ainda não negociamos à preço de banana é nosso mercado para o 5G. Mercado este cobiçado tanto pelos chineses como pelos norte-americanos no âmbito das disputas tecnológicas, econômicas e de controle dos sistema de informação (instrumento para guerra convencional e, sobretudo, não convencional) entre esses países. Mas como a China é governada pelo Partido Comunista, dificilmente o governo Bolsonaro abrirá espaço para negociação com esse país. Ideologia acima de tudo. Com isso, provavelmente, entregaremos a baixo custo o nosso mercado para os EUA.

Nesse sentido, não acho que o governo Biden terá grandes impactos para o Brasil, uma vez que os interesses dos EUA estão sendo e serão atendidos sob o governo Bolsonaro. Não dá para esperar que a tragicomédia brasileira seja resolvida por um novo governo dos EUA, uma vez que eles ganham, e muito, com o nosso descalabro atual.

Notas:

[i]Alt-righttem sua raiz na “velha direita” (coletivismo de direita) da década de 1920 e 1930 (conservadorismo e oposição ao New Deal), que tinha como tripé: governo pequeno (descentralização das funções de governo articulado com a autogovernança/comunitarismo), anticomunismo e valores tradicionais (defesa da civilização ocidental e judaico-cristã) (Ver Foley, M. American credo: theplaceofideas in US politics. Oxford University Press, 2007 (capítulo 13).

[ii] Andrew Korybko, em seu livro Guerras Híbridas, de 2018, argumenta que os EUA adotaram uma estratégia de guerra indireta na Síria e na Ucrânia, marcada por “manifestações” e “insurgências”.

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