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Aderbal Freire-Filho

Diretor e autor teatral, ator e apresentador

17 artigos

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Guerra Civil

"Que a força do humano, do pensamento, do saber, da cultura, da arte, vença a força das armas", escreve o diretor teatral e apresentador Aderbal Freire-Filho

Presidente Jair Bolsonaro no Palácio do Planalto 27/04/2020 (Foto: REUTERS/Ueslei Marcelino)
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De um lado, o assassino Bolsonaro e os seus cúmplices militares e civis, trazendo a memória infame de ustras e curiós, saem do Palácio do Planalto e dirigem-se a pé ao Supremo Tribunal Federal. Cruzam com os nazi-fascistas seus apoiadores, que os saúdam com bandeiras de outro brasil, camisetas pretas, tênis modernos, gritos de guerra ahu ahu ahu brasil brasil brasil. Seguem adiante e entram à força no edifício do Supremo, para pedir a morte dos brasileiros. Diante dos ministros, o miliciano-mor, amealhando palavras no seu vocabulário paupérrimo de bronco, socorrido sempre por issos daís e talkeis, diz:  

“Senhores Ministros do Supremo, honro-vos com a minha presença e desses canalhas amigos que me seguem, pois os senhores sabem que bastava ter mandado um jipe e dois soldados; venho dizer aos senhores que minha promessa de campanha de matar 30 mil agora vai à força e com juros: exijo que sejam mortos 30 milhões de brasileiros. E quem manda sou eu. Cala a boca você aí, talkey”.  

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Dá meia volta, volver e partem todos. Voltam para o Palácio, para conspirar. Nem resultado de exame, nem condução coercitiva em caso de recusa a depor, quem esse juiz pensa que somos, nem vídeo de reunião, nem Queiroz, nem mandantes do assassinato de Marielle... Falsos patriotas que reverenciam a bandeira dos Estados Unidos da América e usam o nome do povo em vão. Povo, para eles, são aqueles coitados, amém, do cercadinho matutino e vespertino dos “cala a boca” e dos “e daí”.  

Do outro lado, uns brasileiros saem do Congresso e se dirigem por sua vez ao mesmo edifício do Supremo. Uns brasileiros que estão acima do tempo, porque a história está do lado deles. Eles são o Brasil verdadeiro: um povo em construção, que mais uma vez precisa resistir a uma interrupção desumana no secular processo para juntar raças diversas –  índios, africanos, brancos, tantos mais – numa terra de esperança. Uns brasileiros, uma multidão de brasileiros. Eles saem do Congresso e não param de sair, eles são muitos, muitos mais do que podiam caber naquele edifício desenhado por Niemeyer e construído por candangos. Não são deputados, embora alguns sejam; são os eleitores livres, os que não se deixam enganar, são mulheres e homens que saem daquele edifício como se saíssem de todas as partes deste Brasil enorme. Uma comissão caminha adiante: Ulisses Guimarães, Zumbi dos Palmares, Chiquinha Gonzaga, Joaquim Nabuco, Marielle, Lima Barreto e Machado de Assis abraçados, Dona Ivone Lara, Antonio Candido, Anita Garibaldi, D. Helder Câmara, Dona Menininha do Gantois, impossível nomeá-los todos, Antonio Vieira, nascido em Portugal e baiano de alma, Zilda Arns, Raul Seixas, Leila Diniz, Tarsila do Amaral, se nomeio esses é que bato o olho e vejo, mas estão todos os que admiramos e para onde olho reconheço diferentes que são iguais na grandeza, meu tio Luciano, meu pai, minha mãe Maria e sua irmã Ângela, Niemeyer, o doutor Sócrates, Pixinguinha, Clarice Lispector...  todos caminhando em direção ao Supremo Tribunal Federal, com porte altivo, ninguém tem coragem de interrompe-los, a visão desses brasileiros e brasileiras incendeia peitos e corações. Eles chegam ao Palácio, as portas se abrem, eles entram e avançam até o salão onde estão os ministros.  

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Agora é a vez dos brasileiros. Diante dos ministros do Supremo, Joaquim Nabuco lembra outros tempos e uma mesma urgência. Diz, como já dissera um dia:  

“A escravidão já nos tinha completamente arruinado, quando veio o abolicionismo. Não repitam o defeito das soluções de estadistas do passado... soluções, como eu disse naquele tempo, que só têm o defeito de serem póstumas”.  

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Faz-se um silencio. E é Leila Diniz quem quebra esse silencio:  

“Porra, cacete, vocês acham o que, #%&#*&#”?  

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Em seguida, o doutor Ulisses:  

“Já podiam ter evitado isso tudo mandando prender essa besta no dia em que, da tribuna do Congresso, elogiou um torturador, o mais desumano de todos. Nabuco foi cortês, com vocês; mesmo tomada hoje, uma atitude redentora já será póstuma. Mas, enfim, em nome da Constituição que eu tive a honra de proclamar, venho cobrar dos senhores que defendam o Brasil do mais repugnante dos políticos nascido nessas terras, que os senhores deixaram que chegasse tão longe. Vocês sabem que na Constituição que promulguei estão todos os instrumentos para manter a democracia. Se os tivessem usado antes, já poderiam ter parado com esse desatino”.  

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Os ministros do Supremo calados. Depois de Ulisses, outros falam. Às vezes duas ou mais vozes juntas dizem as mesmas palavras, o espetáculo que todos dão é potente e belo e também trágico como o coro de uma tragédia grega. Finalmente, a intimação ao Supremo termina com música: Dona Ivone Lara solta a voz, o samba não pode parar... e, suavemente, Joaquim Nabuco canta uma música de Caetano, com letra sua.

Hoje parece que chegamos ao final.  

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Realidade e ficção, juntos. Um lado e outro. A guerra civil.

Que a força do humano, do pensamento, do saber, da cultura, da arte, vença a força das armas.

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