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George Torres Barbosa

Advogado concursado da Petrobrás de 1990 a 2021. Foi presidente do Conselho de Administração da Termomacaé Ltda., conselheiro da UEG ARAUCÁRIA e diretor financeiro da Baixada Santista Energia SA. É especialista em direito ambiental e LL.M. em direito corporativo

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Lula navegando entre Cila e Caríbides qual Ulisses no estreito de Messina

A esquerda consequente deve apoiar o presidente na manutenção da frente ampla, sem permitir que reacionários logrem desconstituir nossas alianças democráticas

Presidente Luiz Inácio Lula da Silva (Foto: REUTERS/Adriano Machado)
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Há avanços inegáveis no atual governo Lula que se expressam, por exemplo, na proibição de ordem do dia nos quartéis exaltando a quartelada de primeiro de abril de 1964, e, sobretudo, na criação do ambiente político favorável à inédita apuração de responsabilidade dos golpistas de alta patente implicados nos atos preparatórios de 8 de janeiro de 2023, perante o STF com apoio unívoco do Superior Tribunal Militar e dos comandantes das 3 forças armadas, fato nunca antes visto na história da República.

A iniciativa de Dilma Rousseff, ao instaurar a Comissão Nacional da Verdade-CNV, foi correta e corajosa, mas produziu um consenso ou, pelo menos, uma hegemonia golpista entre os militares. Tanto que, ainda em 2014, o antes proscrito Bolsonaro fez um comício na Academia Militar das Agulhas Negras-AMAN para oficiais recém-formados em solenidade à qual comparecera o ministro da defesa Celso Amorim, algo impensável e um verdadeiro anátema ao dogma da hierarquia e disciplina não fora a cristalização da aversão na caserna ao governo do PT, a partir dos trabalhos realizados pela CNV. Daí até a concretização da aliança com a burguesia antinacional foi um passo porquanto o capital já se visse ameaçado pela crescente distribuição de renda promovida pelos governos petistas. Sabemos todos, desde a formulação de Walter Benjamin, que o capitalismo sempre encontrará no fascismo o seu botão de emergência.

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Estabelecido aquele bloco, solidamente cimentado pelo fundamentalismo neopentecostal, espraiando o ódio às esquerdas até as camadas populares, mercê da pauta de costumes, bem como da persecução seletiva e parcial da lava jato turbinada à exaustão pela mídia hegemônica, a sedição prosseguiu em aproximações logarítmicas, ainda que erráticas, ora avançando como em 7 de setembro de 2021, ora recuando como expresso na carta redigida por Temer logo a seguir para Bolsonaro pedir desculpas ao ministro Alexandre de Moraes, mas sempre na mesma direção geral de progressão até a culminância do 8 de janeiro de 2023. 

O governo Temer restaurou o GSI, defenestrado do Planalto por Dilma Roussef, pela incapacidade do GSI produzir algo de bom e permitir o grampeamento da primeira mandatária da nação. Temer seguiu tutelado pelo general Sergio Etchegoyen, que se insurgira contra a CNV ostensivamente por ter pai e tio apontados com torturadores pela nossa CNV e, também, por sua congênere do Uruguai, devido às suas atuações também no âmbito da operação Condor. O avô conspirou contra JK e Jango.

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Após o nebuloso episódio de Juiz de Fora, houve quem quisesse, nas hostes militares, partir sem escala para o golpe cruento. Mas os racionais prevaleceram em convencer os radicais de que melhor lhes convinha eleger Bolsonaro, dali em diante imbatível no papel de vítima. E mais, ainda, com o bônus de não precisar debater com o professor Fernando Haddad. As circunstâncias botaram um verdadeiro ovo de Colombo lhes favoreciam a seguir na trilha eleitoral com o capitão reabilitado graças à pertinácia de Augusto Heleno, que convivera com ele como seu instrutor na AMAN, no quadriênio 74/77. Heleno convenceu seus pares em aceitar o mau militar no dizer de Geisel, proibido pelo ministro do exército de Sarney, Leônidas Pires Gonçalves, de ingressar em unidades militares e cujos filhos não estudaram em colégios militares. 

Se formou no Colégio Militar do Rio de Janeiro, por exemplo, o filósofo e comediante Agildo Ribeiro, filho do capitão Agildo Barata, insurrecto contra Vargas, em 1935, com os capitães, dentre outros militares, Luís Carlos Prestes e Apolônio de Carvalho, o herói de 3 pátrias pois lutou a guerra civil espanhola contra Franco e, posteriormente, resistiu aos 4 anos de ocupação nazista na França de Vichy, sendo por isso detentor da Legião de Honra francesa. Apolônio voltou ao Brasil, casado com a francesa Renê, que viveu o horror de ter o marido e filhos presos pela ditadura militar. Foi trocado pelo embaixador alemão juntamente com 38 presos políticos e voltaria com a anistia de 1979 para ser o filiado número 1 do PT, na fundação em 10 de fevereiro de 1980, no Colégio Sion na companhia de Mário Pedrosa e Sergio Buarque de Holanda. 

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Em desdobramento do episódio de Juiz de Fora, os militares que se aglutinaram em torno à candidatura Bolsonaro, aproveitaram, para estender a tutela militar ao STF com a imposição do general Fernando Azevedo na curiosa "assessoria" prestada ao seu presidente Dias Toffoli que, docemente constrangido, passava a ver o golpe desferido contra o presidente eleito constitucionalmente, João Goulart como o "movimento de 64", conforme pronunciamento em encontro na faculdade de direito da USP, conspurcando as melhores tradições do vetusto Largo de São Francisco.

Nicolau Maquiavel na obra "O Príncipe" disse que o governante precisa ter fortuna e virtude. As virtudes de Lula são muitas, dentre as quais o tirocínio e o equilíbrio como executa a arte da associação com notória proficiência. A fortuna de Lula, já proverbial, se apresentou mais uma vez no fato de Joe Biden e não mais Donald Trump se encontrar na Casa Branca, ao longo da urdidura do malogrado golpe de Bolsonaro e seus sequazes. As convergências entre Lula e Biden se dão em torno às questões ambiental e climática, assim como no intuito de reduzir desigualdades, superando com folga as divergências entre amigos como disse Antony Blinken em entrevista à Globo News, evitando uma pergunta capciosa com o fito de confrontá-lo com as recentes e justas declarações de Lula sobre o genocídio perpetrado por Netanyahu contra o povo  e seus sindicatos que construíram os EUA e não os financistas de Wall Street. Durante uma greve da indústria automobilística, Biden levou Lula ao encontro dos trabalhadores. Outra seria a postura dos EUA frente ao golpe natimorto se Trump governasse. Os povos também precisam ter fortuna na sua saga, principalmente os deserdados da terra.

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Igualmente crucial foi a posição dos EUA, no final dos anos 70, para arrostar o golpe intentado pelo então ministro do exército, Silvio Frota contra o presidente da República, um perigoso "comunista", o general Ernesto Geisel, que era nacional desenvolvimentista e propunha a distensão política a partir do próprio regime militar, além de reatar relações comerciais com a China e reconhecer, antes de todos, o governo angolano de Agostinho Neto, vitorioso na guerra de libertação nacional contra o salazarismo; tudo isso em nome do “pragmatismo responsável”. 

O golpe dentro do golpe de 1977 foi coadjuvado pelo mesmo Augusto Heleno (ajudante de ordens de Silvio Frota) tanto naquela empreitada ensandecida como a de agora. Nomeado por Bolsonaro como titular do GSI, usou a ABIN para espionar opositores, autoridades e até supostos aliados; Heleno chegou ao despautério de informar em reunião ministerial de 5 de julho de 2022, dedicada a alinhavar o golpe, que o Vitor (titular da ABIN) infiltrara elementos nas duas campanhas, o que faria corar Richard Nixon, levado à renúncia por muito menos no escândalo do Watergate em agosto de 1974, no rastro da crise deflagrada por uma atabalhoada invasão dos “encanadores” de Nixon ao consultório psiquiátrico do analista militar Daniel Elsberg, que denunciava atrocidades e corrupção na guerra do Vietnã, bem como ao Comitê Nacional do Partido Democrata e outros fiascos dos arapongas. 

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A vitória de Jimmy Carter na eleição presidencial dos EUA de 1977 jogou a pá de cal na conspirata que já vinha sendo metodicamente desbaratada pelo próprio criador do SNI e cérebro da ditadura militar, Golbery do Couto e Silva, então chefe da Casa Civil de Ernesto Geisel apoiado por numerosos militares, como o irmão do presidente, o general Orlando Geisel, uma grande liderança militar daquela época. Assim, em 12 de outubro de 1977, dia de Nossa Senhora da Aparecida, Frota e sua trupe mambembe, inclusive Heleno, receberam o xeque mate.

A abertura lenta gradual e segura seguiu seu curso, mas sempre fustigada pelos "bolsões sinceros, mas radicais" como Geisel os cognominara. Ora incendiando a OAB DF, ora explodindo a secretária do presidente da OAB RJ, dona Lyda Monteiro da Silva, ora mirando explodir milhares de jovens, como seria o fim trágico do encontro com artistas populares, alusivo ao primeiro de maio de 1981 no Riocentro, não fora a própria inépcia dos terroristas. Na noite da diplomação de Lula pelo TSE em 2022, incendiaram ônibus, carros estacionados em postos de gasolina e atacaram a sede da Polícia Federal. Na véspera do Natal de 2022, quiseram explodir um caminhão cheio de querozene de aviação no aeroporto de Brasília, partindo do acampamento no QG do exército, que, segundo o general Dutra, comandante militar do Planalto, era um ambiente sadio e de muita oração. Bloquearam estradas, refinarias da Petrobrás e derrubaram linhas de transmissão elétrica pelo país afora, o que requer alguma perícia, assim como a invasão pelo teto do Congresso Nacional. Segundo Lula, no dia 8 de janeiro, alguém abriu as portas do Palácio do Planalto, cuja segurança incumbe ao GSI. 

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Lula navega entre Cila e Caríbdis no estreito de Messina, tal como o Ulisses da mitologia grega, e não só na seara da economia, razão pela qual a esquerda consequente deve apoiá-lo, ao lado de todas as forças antifascistas, na construção e manutenção da frente ampla, sem permitir que os reacionários logrem desconstituir as nossas alianças construídas em prol da democracia. 

A unidade inquebrantável de todas as mulheres e homens que tem como horizonte a construção de uma sociedade fraterna em uma cultura de paz é o sustentáculo, por excelência, do arco das alianças como fazíamos nós, os da velha guarda, ao tempo de Ulisses Guimarães na longa travessia, por 21 anos, de volta à civilização e ao estado democrático de direito. Em 1973, quando anticandidato ao lado do indômito Barbosa Lima Sobrinho, Ulisses foi confrontado pelas baionetas e cachorros da PM do governador biônico da Bahia, ACM, e proferiu o desafio à ditadura com desassombro e verve poética “Baioneta não é voto e cachorro não é urna”.

Nunca se deve olvidar a advertência profética de Berthold Brecht no epílogo da peça “A resistível ascensão de Arturo Ui” de 1941, parodiando as lutas dos gangsteres de Al Capone, transpondo-as para a Alemanha nazista em ascensão, na qual se pode identificar celerados da pior estirpe como Herman Göering, Goebbels e Röhm. A advertência do dramaturgo alemão soaria como vaticínio de uma realidade mais cruel e tirânica para toda a humanidade só encerrada com a entrada do exército vermelho em Berlim, em 30 de abril de 1945, precipitando o suicídio do furher e a subsequente rendição do III Reich no dia 2 de maio de 1945, após 4 anos de luta titânica contra o nazismo genocida e sua Wehrmacht, ao custo de 27 milhões de vidas soviéticas. 

O parlamento alemão, Reichstag, havia sido incendiado criminosamente em 27 de fevereiro de 1933, em uma trama farsesca, inculpando os comunistas, como lembrado na “Cancion por La Unidade de Latino América” de Pablo Milanés, para permitir o caminho livre de Adolf Hitler em direção ao arbítrio total e abrindo as portas do inferno que tragaria 70 milhões de vidas na segunda guerra mundial. 

Na cúpula do mesmo Reichstag, doze anos depois, ao fim da batalha de Berlim, seria cravada a bandeira da URSS pelas mãos de um soldado nascido no Daguestão, Abdoulkalkim Ismailov. Quatro anos antes, Bertold Brecht escrevera  no epílogo da peça “A resistível ascensão de Arturo Ui” de 1941, o que foi uma antevisão daquele momento histórico: "Não se alegrem com a derrota dele, homens.  Mesmo que o mundo tenha se erguido para deter o bastardo, a cadela que o pariu está no cio novamente".

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